Bumba Meu Boi da Floresta lança documentário sobre a superação da pandemia
Documentário Silêncio na Boiada mostra como o Boi da Floresta de Mestre Apolônio atravessou o momento da pandemia, sem possibilidade de apresentações e sendo um guardião para a comunidade; filme terá lançamento nos dias 23 em São Luís
SÃO LUÍS - Já imaginou o silêncio de um barracão? Sem o brilho e o bailado dos cazumbas, sem o ritmo marcante das toadas e uma comunidade incerta sobre quando o boi voltaria a dançar? Durante a pandemia, o som do canto coletivo, dos pandeiros, matracas e os passos de dança foram interrompidos. Mesmo diante desse cenário desafiador, o Bumba Meu
Boi da Floresta de Mestre Apolônio encontrou formas de continuar suas tradições e garantir a sobrevivência de sua comunidade em meio à maior crise sanitária do último século, reafirmando seu papel como guardião das pessoas e de seu território.
É sobre este momento de crise na cultura popular que trata o documentário Silêncio na Boiada, que será apresentado no barracão da Floresta, no bairro da Liberdade, o primeiro quilombo urbano reconhecido no Maranhão. O lançamento será no dia 23 de novembro, às 18h. Com duração de 20 minutos, o curta-metragem foi realizado pelo edital 09/23 da Secretaria de Estado de Cultura por meio da Lei Paulo Gustavo para projetos audiovisuais. Com imagens dos últimos cinco anos de atividades do grupo, o documentário é resultado de uma construção e amadurecimento de experimentações de ferramentas audiovisuais dentro do grupo, impostas pelo período pandêmico para os grupos de cultura popular diante da impossibilidade da reunião de pessoas. O filme conta como o Bumba Meu Boi da Floresta de Mestre Apolônio, grupo de cultura tradicional localizado no quilombo urbano Liberdade, em São Luís, Maranhão, atravessou o momento de silenciamento, distanciamento e mortes provocados pela pandemia do COVID-19.
O Boi da Floresta convida seus brincantes, bem como o público para prestigiarem a primeira exibição do filme em sua sede, ambiente sagrado para todos os grupos da manifestação cultural e um dos lugares fundamentais para existência do Património Imaterial da Humanidade que é a brincadeira do Bumba Meu Boi. A primeira exibição do filme se da na sede do grupo dialoga com a proposta de descentralizar os lugares de exibição de cinema e de dar prioridade àqueles que fazem cultura popular, reconhecendo-os como primeiros espectadores de suas histórias.
Protagonistas
O filme tem como protagonistas os brincantes do grupo, que contam suas histórias e sua relação com o bumba meu boi, apresentando o território, os desafios do momento e a força do Boi da Floresta como transformador social e cultural de seu território, mobilizando novas gerações. A obra também reafirma o papel do grupo como guardião das pessoas e da ancestralidade, mesmo em tempos de pandemia.
Para Nadir Cruz, presidente do Boi da Floresta, a proposta revela o protagonismo do bumba meu boi em contar sua própria história. “O curta-metragem Silêncio na Boiada que o Bumba meu Boi da Floresta do Mestre Apolônio irá lançar, tem uma importância muito grande para nós. Primeiro porque tenho a impressão de que será o primeiro curta-metragem produzido por um grupo bumba meu boi tradicional aqui no Maranhão, em que essa ideia e essa construção do filme tenha saído de dentro do barracão. Em segundo lugar, o diferencial desse filme é que a gente mostra para o mundo, para as pessoas que nos querem bem que é possível ter o bumba meu boi como produtor da sua própria história, contar a nossa história por nós mesmos”, enfatiza.
Segundo Nadir Cruz, o período de pandemia, época em que o filme começou a ser produzido, foi de grande dificuldade, mas marcado por muita resistência. “Nós encontramos dentre essas dificuldades algumas alternativas e outras possibilidades de continuar fazendo a manutenção da cultura do jeito que entendemos”, frisa.
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Talyene Melônio, produtora executiva do filme, produtora cultural e integrante do Boi da Floresta desde que nasceu, ressalta que a obra marca o importante momento para a valorização do Bumba Meu Boi.
“Um filme como esse, registrando as ações para além do mundo artístico do bumba meu boi é importantíssimo para mostrar a comunidade, todo o poder que tem a cultura popular e a cultura tradicional. O maior diferencial é a decisão de produzir algo desse tipo, saindo a partir da própria brincadeira para um universo de audiovisual, um movimento em que a gente sai do lugar de ser objeto de pesquisa para ser o próprio pesquisador. Pesquisador de si, acho que esse é o maior diferencial, a forma de contar a história do ponto de vista interno e muito mais próximo da realidade”, define.
Imersão e Construção
Motivada por sentimentos de fé, paixão pela cultura e pelas incertezas da pandemia, a cineasta, artista do som, integrante do grupo Luiza Fernandes, diretora de Silêncio na Boiada, começou a documentar o Boi da Floresta inicialmente para pesquisa acadêmica. No entanto, imersa no dia a dia da comunidade do Bumba Meu Boi da Floresta, de Mestre Apolônio, descobriu o verdadeiro significado do que queria registrar. “Além da documentação, muito de minha relação foi construída através da própria música, do canto, desse interesse não só em registrar, mas de estar junto, cantar, tocar e entender de que forma a sonoridade e a dança do boi por si só já constrói uma resistência.” Para ela, o trabalho é inovador em diversos aspectos, especialmente por trazer a sabedoria do bumba meu boi para dentro da forma de construir um filme.
“O tempo de concepção, imersão, o diálogo para além da fala, mas na dança e no canto e o afeto construído são diferenciais deste filme. Acredito que um registro transformador é aquele em que há, de fato, uma relação construída dentro do fazer fílmico entre quem retrata e quem é retratado. E foi o que busquei fazer ao longo do trabalho. O filme não é origem, mas é consequência de um aprofundamento de relações, afetos e de uma forma de retratar o Bumba Meu Boi da Floresta em sua essência. A minha principal missão nessa trajetória foi contribuir com os fazeres do Boi da Floresta a partir do meu fazer enquanto fotógrafa e documentarista. A construção audiovisual com o grupo iniciou em 2018. Fizemos produções audiovisuais para Leis Aldir Blanc, lives independentes, registros fotográficos e em vídeo nas redes sociais e esse filme é uma culminância disso tudo, de um amadurecimento de alguns anos. Construímos uma relação e uma forma específica de filmar e sermos filmados, um diálogo onde a câmera era a janela para o mundo e para mostrar o que queríamos, do jeito Floresta de ser. O tempo, o ritmo e o cotidiano do Bumba Meu Boi da Floresta estão presentes nas imagens do filme, ao serem concebidas em tempo real das atividades do Boi da Floresta e não somente para a câmera. Eu buscava interferir o mínimo no que acontecia até um ponto em que naturalmente a minha presença e da câmera foram abraçadas pelo grupo e me tornei parte dele. O filme é uma consequência dessa relação construída em imagens e não o contrário. Minha proposta é, durante o cotidiano da Floresta, trazer os brincantes para junto do filme, eles não são somente retratados, mas contribuem em todo o processo em que isso acontece e a fotografia torna-se uma forma de construção de autoestima, memória, pertencimento nas quais as pessoas podem se ver e ver a potência que são, ver a relevância de seu fazer, bem como o próprio bumba meu boi como uma ferramenta inesgotável de conhecimentos, que podem ser utilizados em tantas artes.”
Para Luíza Fernandes, outro diferencial do filme é trazer a sabedoria existente dentro do bumba meu boi para dentro da forma de realizar a obra. “A gente utiliza os conhecimentos da cultura popular, do que significa ser um brincante de bumba meu boi para dentro do cinema e não ao contrário. Porque fazer parte de um grupo de cultura popular não é somente o que vemos no arraial, como diz Nadir. Há muito conhecimento por trás e ele existe no filme não somente na construção da narrativa, mas está presente ao longo do fazer do filme, em como ele foi feito, em nossas preocupações, escolhas e relações”.
O envolvimento colaborativo dos integrantes trouxe uma narrativa autêntica, partindo de dentro para fora da comunidade. "Como diretora, minha principal preocupação foi escutar as pessoas, suas histórias e costurar essas vozes para construir uma narrativa sobre a pandemia, intermediar o olhar de dentro e o de fora. Retornei ao Maranhão para essa pesquisa de mestrado, e o Boi da Floresta tornou-se parte da minha vida até hoje. Para além do filme, fui transformada pelo Boi da Floresta como pessoa – assim como vários brincantes. O diferencial desse trabalho está no afeto e nos laços criados em um momento tão desafiador quanto a pandemia da COVID-19. Acredito que o afeto na concepção da imagem é uma ferramenta que potencializa e pode transformar realidades hoje, um momento em que há tanta mediação na realidade por imagens”, destaca Luiza. Para a diretora, o afeto é mesmo a palavra que pode definir a experiência, pois, o espírito de coletividade, mesmo em um momento incerto, trouxe aconchego e força por dias melhores.
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