COLUNA

Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Kécio Rabelo

Estrelas nas mãos

Parabéns, José Sarney!

Kécio Rabelo

Estrelas são genuinamente instigantes e intrigantes. Desde sempre aprendemos a apreciá-las, com curiosidade respeitosa, afinal elas habitam distâncias inimagináveis e, às vezes, difícil de encontrar comparações em nosso cotidiano, isso sem contar o aspecto poético que evocam.

Elas nos dão, logo de início, a dimensão do infinito, do transcendente, do além daqui. Do ponto de vista científico, são corpos celestes com luz própria. Esferas gigantes compostas de gases que possuem reações nucleares de fusão. Mas, graças à gravidade, podem se manter vivas sem explodir por trilhões de anos. Só na nossa galáxia – a Via Láctea- estima-se que há entre 100 e 400 bilhões de estrelas.

Os poetas sempre viram nas estrelas, no seu brilho e particularidades insondáveis, inspiração e expressão de sentimentos do amor “espalhado”, elevado a uma amplitude indescritível, a iluminar, como anseio, o coração dos amantes. Existem estrelas famosas e famosas a quem chamamos de estrelas: a Estrela D’alva, aquela que surge nas madrugadas. Há aquela estrela do Oriente que guiou os magos até Belém para o encontro com o menino Jesus. E aqui, no Maranhão, a estrelinha encantada Tainahakã, que seduz o boizinho na mágica aventura do mestre poeta Godão. Encantada também é a narrativa para traduzir a morte de alguém a uma criança. Dizemos: - Virou uma estrela!, como a dizer: - Foi habitar o universo das iluminuras.

Essas são as estrelas do céu, desenhadas pelo Criador, e as da imaginação e da poesia. Sempre ouvi falar delas e eu mesmo sou um admirador das estrelas. Gosto de contá-las e sempre lembro da minha avó materna que, nas noites de férias, descobria conosco os desenhos formados pelas constelações. São lembranças que também viram estrelas e passam a habitar o céu das nossas memórias que, de tão lindas, nunca findam.

Nessa última semana, descobri uma outra faceta das estrelas. Uma galáxia de sentidos clareou-me o pensamento para considerar a nobreza desse novo significado. Foi durante uma entrevista com o ex-presidente José Sarney, em que ouvi de sua boca essa afirmação: “Deus colocou muitas estrelas em minhas mãos”. Parei ali, eu e todos os que estavam na sala. Claramente aquela frase nos instigou a uma reflexão.

Estrelas são, em realidade, dons; dons colocados nas nossas mãos não por acaso. Materializei aquela imagem e tentei compreender a grandeza da afirmação. Associei à parábola dos talentos contada no Evangelho e à sentença trágica imposta àqueles que enterram seus dons e, cheios de segurança, passam sem ser vistos. Não marcam nem o tempo, nem a existência.

Sarney faz 94 anos!! Um marco superlativo sob todos os aspectos. Menino de Pinheiro, do interior do Maranhão, alçou todos os cargos que a vida pública poderia conceder a alguém. Mais que isso, rompeu os limites geográficos do Maranhão e do Brasil, levando a cabo uma das estrelas mais preciosas que lhe foram colocadas às mãos: a arte de escrever. Não a única, mas a que lhe confere um aspecto singular à biografia. Suas obras, exaltadas por nomes de dimensões universais, transportam-nos às veias latentes do Norte e do Nordeste do Brasil, cruzando o país e até o Atlântico como em “A duquesa vale uma missa”. Nelas, nós percebemos também estrelas, por que não?

Mas sobre José Sarney político e intelectual muito já foi escrito. Naquele momento da entrevista, Sarney falava de particularidades da sua vida e das reponsabilidades e de tarefas que precisou cumprir. Da difícil missão de não deixar apagar nenhuma das estrelas colocadas sob sua guarda, segundo ele, pela vontade do Criador.

O céu de Brasília é famoso, onde passara essa entrevista. Dizem que é o azul mais sem igual e as noites são singulares. É o céu do cerrado no coração do Brasil. Mas foi do céu de São Luís que lembrei e com as estrelas de Sarney vieram-me à memória as luas de José Chagas em “Os canhões do Silêncio”, obra que li ainda menino. Chagas se considerava um ‘pastor de luas’, enamorado por elas e pelo efeito do seu prateado nos telhados coloniais. Dedicou à lua um dos seus mais lindos poemas: “As luas contam meus dias, medem meu tempo, marcam todas as fases da minha solidão (...) o silêncio é maior quando elas o banham e ele parece entrar limpo pelos olhos como uma verdade posta no ar para explicar a noite”, verseja o poeta.

Se a essa altura da vida, onde a obra criada torna-se infinitamente maior que seu criador, e se é possível fazer poesia com as dores e os pesos da caminhada, é porque, em essência, o que de comum existe entre esses dois Josés é o fascínio pelo transcendente, pelo misterioso e único exercício do viver. Um a pastorear luas, outro chamado a pastorear estrelas. Se deslumbrante é o céu de Brasília, e se lá as estrelas são presenças quase permanentes, vivo é o céu do Maranhão, que rendeu ao Padre Vieira tanta inspiração e dividiu-se para dar suas luas a Chagas e a Sarney, suas estrelas. O que dela ambos fizeram a história está aí a contar!

O passar dos anos nos impõe alguns limites e o decurso do tempo, exaltado nas tradições antigas como benção e longevidade, fazem do passado, às vezes, um pesado fardo. O tempo não consegue, porém, curvar a alma, inibir o espírito e ferir a vocação de quem nasceu para cultivar estrelas. Celebremos, pois, a vida de quem teve nas mãos os sonhos, o afago dos livros, a caneta das decisões, a angústia das travessias, a desconfiança da história e o destino de sua gente sem perder de vista seu ponto de partida, sem deixar cair de suas mãos nenhuma dessas estrelas.

Parabéns, José Sarney!

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