Literatura & Música

Paraibana Socorro Lira canta a poesia da maranhense Maria Firmina dos Reis

O legado da escritora e poeta maranhense, que nasceu em São Luís e morreu na cidade de Guimarães, foi mapeado pela cantora e compositora paraibana, em companhia da escritora e poeta maranhense, Dilercy Adler.

Pedro Sobrinho/Jornalista

Atualizada em 27/03/2022 às 10h56

Em um país cujo o conhecimento raso passou a ser uma bênção, costumo dizer que a arte nasce da liberdade. A arte é filha da liberdade. O artista sem originalidade apenas é uma sombra do outro.

Cantora e compositora paraibana, Socorro Lira, e a escritora, poeta Dilercy Adler, membro da Academia Ludovicense de Letras. Foto: Divulgação

A maranhense Maria Firmina dos Reis, escritora, poeta, abolicionista e cheia de lirismo, veio ao mundo a serviço. A maior prova é o que seu legado literário, atemporal influenciou e mexeu a sensibilidade da cantora, compositora paraibana Socorro Lira.

Ela lançou “Cantos à Beira-Mar”, décimo terceiro álbum de carreira, com dez composições suas sobre poemas da escritora e poeta maranhense, cujo centenário de morte se deu em 2017. Em entrevista ao jornalista Pedro Sobrinho, no Plugado, na Mirante FM, Socorro Lira deu detalhes do disco e da sua vinda ao Maranhão para participar do 1º Encontro Maranhense de Pesquisadores/Pesquisadoras de Maria Firmina dos Reis, em Comemoração do Dia da Mulher Maranhense, dia 11 de março, aniversário de nascimento de Maria Firmina dos Reis, nas cidades de São Luís e Guimarães.

- Até o ano da graça de 2017, eu não sabia que o Maranhão nos tinha dado Maria Firmina dos Reis. Apaixonei-me por ela - explica Socorro Lira, que a conheceu num evento intitulado Mulherio das Letras, realizado em João Pessoa, no ano do centenário da escritora maranhense. A também escritora paraibana Maria Valéria Rezende deu-lhe a tarefa de musicar os poemas de Maria Firmina, tarefa que começou a cumprir com o EP Seu Nome.

Academia Ludovicense de Letras

Nascida em São Luis em 11 de março de 1822 , Maria Firmina viveu e morreu em Guimarães, Maranhão, aos 95 anos, em 11 de novembro de 1917. Ela foi pioneira na literatura de resistência, além de ser uma mulher transgressora.

A décima primeira Feira do Livro de São Luís, realizada em 2017, reverenciou o centenário de morte de Maria Firmina, a primeira romancista brasileira. É dela a obra "Úrsula", publicada em 1859, o primeiro romance abolicionista. Primeiro escrito por uma mulher negra brasileira, cuja a história ficou até um certo tempo esquecida.

A escritora e poeta maranhense, Dilercy Adler, membro da Academia Ludovicense de Letras, ocupando a cadeira de nº 8 cujo Maria Firmina dos Reis é patrona. Dilercy comentou sobre a importância dela para a literatura maranhense e brasileira.

- A Academia Ludovicense de Letras é a casa de Maria Firmina dos Reis. Daí, a gente percebe a grande importância que ela tem para a nossa Academia e para o nosso Maranhão. Na historinha de Maria Firmina de forma resumida, ela foi bem aceita no momento em que lançou os primeiros trabalhos. Depois ela foi esquecida por quase 100 anos. Através dos trabalho, principalmente, de José Nascimento de Morais Filho, ela veio à luz outra vez. O romance Úrsula foi descoberto pelo paraibano Horácio de Almeida, que comprou um lote de livros no Rio de Janeiro e quando ele soube que Nascimento Moraes Filho estava pesquisando Maria Firmina, eles entraram em contato. Em 1975, Horácio de Almeida vem a São Luís e presenteia o governador Oswaldo da Costa Nunes Freire o exemplar original de Úrsula de Maria Firmina dos Reis. Em 2017, Maria Firmina foi patrona da Feira do Livro de São Luís, em que reverenciamos o centenário de morte dela. E a boa coincidência é que no mesmo ano acontecia na Paraíba, o evento Mulherio das Letras - ressalta.

Cantos à Beira-Mar

O álbum de Socorro Lira ganha o nome do livro de poesia “Cantos à Beira-mar”, de Maria Firmina, lançado em 1871 pela própria autora que é considerada a primeira romancista brasileira, tendo antecedido Castro Alves em seu “Navio Negreiro” (1869) em dez anos, com o romance antiescravista “Úrsula” (1859) sobre a temática abolicionista.

Poemas musicados em várias vertentes

Sua obra ganha cada vez mais força e visibilidade, agora, no Brasil na voz de Socorro Lira. Ela musicou dez poemas, emoldurando-os em ritmos variados. Um bolero envolve Uns Olhos, enquanto Uma Tarde em Cumã é um samba. O Meu Desejo veste uma milonga (há também uma versão apenas declamada) e O Volúvel se tornou um baião. Socorro, de voz límpida, afinada e fluida, canta acompanhada por um grupo formado por Jorge Ribbas (violão e arranjo), Álvaro Couto (acordeom), Cássia Maria (pandeiro, surdo, ganzá e tamborim), Clara Bastos (contrabaixo acústico), Ana Eliza Colomar (flauta, violoncelo). E ainda o violeiro Ricardo Vignini, que toca guitarra slide na faixa Ela.

Jorge Ribbas assina os arranjos e a direção musical e a própria Socorro assina a produção artística do álbum. A arte da capa é de Bernardita Uhart.

O lançamento de “Cantos à Beira-mar” na forma de canção integra o primeiro ciclo do projeto “AvivaVoz” dedicado à Maria Firmina dos Reis, de autoria das escritoras paulistas Maria Valéria Rezende e Susana Ventura que assinam a pesquisa em torno das poetas brasileiras que viveram e publicaram nos séculos XVIII a XX no Brasil e em alguns periódicos de Portugal.

Serviço

I ENCONTRO MARANHENSE DE PESQUISADORES/PESQUISADORAS DE MARIA FIRMINA DOS REIS
Comemoração do Dia da Mulher Maranhense, Aniversário de nascimento de Maria Firmina dos Reis

São Luís e Guimarães | Maranhão - Brasil |10 a 16 de março de 2020

PROGRAMAÇÃO SÃO LUÍS

10/ 3 | 16h Centro Educação Maria Mônica Vale
Apresentação Lítero-musical com Socorro Lira
Leitura de Poemas por alunos da escola.

11/ 3 | 19h Teatro Napoleão Ewerton, SESC Holandeses
Recital Cantos à beira-mar com Socorro Lira
Entrega de Diplomas para Pesquisadores Maranhenses de Maria Firmina dos Reis

12/ 3 | 9h30 UE Maria Firmina dos Reis
Apresentação Lítero-musical com Socorro Lira

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Leitura de Poemas por alunos da escola

PROGRAMAÇÃO GUIMARÃES

13/ 3 | 16h Passeio Literário
14/ 3 | Manhã, rota turística cidade de Guimarães
14/ 3 | 17h - Sarau litero-musical
15/ 3 | Manhã, visita à Fazenda Entre Rios e Maçaricó

PROMOÇÃO: Academia Ludovicense de Letras, Prefeitura de Guimarães, Instituto Histórico e Geográfico de Guimarães.
PARCERIAS: Serviço Social do Comércio - SESC e Liraprocult.

Quem é Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis, escritora maranhense, primeira mulher romancista do Brasil. Em seu conteúdo está, além do romance Úrsula ( publicado sem o nome da autora, atribuído discretamente a “Uma Maranhense”), outras obras, de Maria Firmina. Úrsula foi lançado em 1859, há 160 anos, portanto.

Mulher, afro-descendente, de um estado nordestino, soube-se pouco da escritora fora do seu Estado. Eram poucas as mulheres que sabiam ler, no Nordeste, em meados do século 19. Escrevendo livros, então, eram raríssimas. Em 1861, foi publicada uma coletânea de poetas do Maranhão, intitulada Parnaso Maranhense. Entre 52 marmanjos constavam apenas duas poetisas: Jesuína Augusta Serra e a citada Maria Firmina dos Reis.

Filha de uma mulata forra, Maria foi professora por profissão, intelectual por vocação, bastante ativa nos meios literários da capital maranhense. Nesse seu romance, ela denúncia a condição da mulher, o regime escravocrata, embora no prólogo passe a impressão de que procura não parecer que está competindo numa área quase que exclusivamente masculina.

São Luís, 11 de agosto de 1860. Logo nas primeiras páginas do jornal A Moderação, anunciava-se o lançamento do romance Úrsula, “original brasileiro”. O anúncio poderia passar despercebido, mas algo chamava atenção em suas últimas linhas: a autoria feminina da “exma. Sra. D. Maria Firmina dos Reis, professora pública em Guimarães”. Foi assim, por meio de uma simples nota, que a cidade de São Luís conheceu Maria Firmina dos Reis – considerada a primeira escritora brasileira, pioneira na crítica antiescravista da nossa literatura.

Esquecida por décadas, sua obra só foi recuperada em 1962 pelo historiador paraibano Horácio de Almeida em um sebo no Rio de Janeiro – e, hoje, até seu rosto verdadeiro é desconhecido: nos registros oficiais da Câmara dos Vereadores de Guimarães está uma gravura com a face de uma mulher branca, retrato inspirado na imagem de uma escritora gaúcha, com quem Firmina foi confundida na época. O busto da escritora no Museu Histórico do Maranhão também a retrata “embranquecida”, de nariz fino e cabelos lisos.

Lugar de fala

O contato de Firmina com a literatura começou cedo, em 1830, quando mudou-se para a casa de uma tia um pouco mais rica, na vila de São José de Guimarães. Aos poucos, a jovem travou contato com referências culturais e com outros de seus parentes ligados ao meio cultural, como Sotero dos Reis, um popular gramático da época. Foi daí, e do autodidatismo, que veio o gosto pelas letras.

Quando se tornou professora, em 1847, Firmina já tinha uma postura antiescravista bem desenvolvida e articulada. Ao ser aprovada no concurso para professora, recusou-se a andar em um palanque desfilando pela cidade de São Luís nas costas de escravos. “Na ocasião, Firmina teria afirmado que escravos não eram bichos para levar pessoas montadas neles”, afirma Silva.

Mas era praticamente impossível para uma mulher expor sua opinião contra a escravidão – ainda mais uma mulher negra. Foi a estabilidade e o respeito alcançados como professora que abriram espaço para Firmina lançar seu primeiro livro, o romance Úrsula, no qual enfim publicaria seu ponto de vista sobre o tema.

Diferente dos escritos de mulheres da época, o romance não era “de perfumaria”, nem algo sem profundidade. Ao contrário: foi o primeiro livro brasileiro a se posicionar contra a escravidão e a partir do ponto de vista de escravos – antes do famoso poema Navio negreiro, de Castro Alves (1869), e de A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães.

Em Úrsula, Firmina faz questão de mostrar a crueldade de Fernando, senhor de escravos e vilão da história. Mas a pérola do livro é a personagem Suzana, uma mulher escravizada que, frequentemente, recorda-se de sua época de liberdade. “É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos”, escreve, em determinado momento. Para Silva, a forma é bastante característica de Firmina: “O escravo firminiano é, antes de tudo, aquele que fala da África, que só reconhece a verdadeira liberdade, no tempo em que vivia naquela África saudosa e nostálgica”.

Anos depois, quando já se firmara como escritora e professora – e quando o movimento abolicionista já estava mais difundido no Brasil -, a autora publicaria um conto ainda mais crítico, A escrava (1887), que conta a história de uma mulher de classe alta sem nome que tenta, sem sucesso, salvar uma mulher escravizada. A crítica à escravidão chega a ser literal: em uma passagem, a protagonista diz que o regime “é e sempre será um grande mal”.

“Os tempos eram outros. Em 1887, a escravidão era questionada no país inteiro. Em 1859, Maria Firmina dos Reis teve que usar um tom mais brando em seu romance, pois queria conquistar os leitores para a causa antiescravista. Leitores que, na sua imensa maioria, eram da elite e provavelmente tinham escravos”, afirma a pesquisadora.

Com o passar dos anos, tendo apenas um livro publicado, o nome de Firmina desapareceu. Para Silva, a insistência da autora em denunciar e criticar a escravidão pode ter sido a causa do obscurantismo. “O assunto de que tratava era insalubre demais, uma fala antiescravista em uma das províncias mais escravistas do Brasil. Não a levaram a sério localmente, não queriam ouvi-la falando. E ela não teve como levar seu texto para outros lugares.”

Recentemente, a editora PUC Minas lançou uma nova edição de Úrsula, o que ajuda a difundir sua obra. No entanto, pouco se sabe sobre outros possíveis textos de Firmina, sobre os detalhes de sua vida ou sobre como uma mulher negra de origem pobre alcançou tanto sucesso em pleno regime escravocrata. A própria biografia de Firmina, escrita por José Nascimento Morais Filho em 1975, tem como título Maria Firmina: fragmentos de uma vida.

“Autores como Lima Barreto e Machado de Assis [hoje reconhecidos como não-brancos] já têm uma fortuna crítica imensa, e por isso também sabemos muito mais sobre eles”, afirma Silva. “A de Maria Firmina dos Reis ainda está sendo construída. E acho que, em algum tempo, saberemos bem mais sobre a autora.”

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