
“Adolescência”: a série, as redes sociais e a epidemia do ódio
A minissérie “Adolescência” expõe, com crueza, o desmoronamento psicológico de uma família em meio à acusação de assassinato praticado por um garoto de 13 anos.

A minissérie “Adolescência” expõe, com crueza, o desmoronamento psicológico de uma família em meio à acusação de assassinato praticado por um garoto de 13 anos. Com temática densa e mais apropriada para debates em fóruns de psicólogos, psiquiatras, sociólogos ou educadores, o conjunto da obra – a história, a atuação do elenco, a ousadia na linguagem cinematográfica e, sobretudo, o impacto da abordagem – entrou rapidamente na pauta de diferentes rodas de conversa. Virou “trend”, no dialeto juvenil.
“Adolescência” é um choque de realidade no streaming. Os pais, diante do susto causado pela série, “descobrem” que estão desconectados dos filhos; que há um universo paralelo no quarto da casa; que no mundo digital existe uma comunicação cifrada e quase imperceptível a olho nu; que a violência é moldada na tessitura das vulnerabilidades humanas e na busca por aceitação social.
Bullying, misoginia e crime no ambiente tóxico das redes sociais são os ingredientes para o sucesso avassalador da minissérie. Embora ficcional, a produção britânica ecoa a realidade da era digital e evoca o papel das redes sociais como catalisadoras da mentira e dos discursos de ódio.
Plataformas como X (ex-Twitter), Instagram, Facebook, Tik Tok e YouTube operam sob a bandeira da “liberdade de expressão”, mas, na prática, normalizam a misoginia, o racismo, a homofobia e falas e atitudes fascistas. A defesa estridente dessa liberdade, encampada por figuras públicas como Elon Musk, não é um princípio democrático, mas uma cortina de fumaça para a multiplicação de seguidores e a irresponsabilidade corporativa.
Em “Adolescência”, o garoto Jamie, acusado de assassinato, encontra refúgio em comunidades online que validam sua raiva e suas frustações. Esses espaços, dominados pela retórica dos chamados incels (celibatários involuntários), propagam a ideia de que mulheres são objetos a serem controlados ou punidos.
Não é difícil perceber como algoritmos recomendam conteúdo cada vez mais extremista, transformando a frustração em ódio estruturado. Este é talvez o pano de fundo da série, que expõe a violência como sintoma de um ecossistema digital doente, sem freios, que monetiza o engajamento e normaliza a barbárie.
Desde que adquiriu o Twitter, Musk falseia a realidade como paladino da liberdade de expressão, a partir de seu quartel-general na Casa Branca, onde atualmente mira adversários, reais e imaginários, sentado na poltrona de primeiro-ministro de Trump.
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Na prática, a gestão do bilionário transformou o X em um paraíso para neonazistas, teóricos da conspiração e misóginos, sem qualquer filtro. Contas antes banidas por discurso de ódio agora são reativadas, moderadores foram demitidos e políticas de combate à desinformação, esvaziadas.
No YouTube, algoritmos promovem conteúdo de extrema direita a usuários jovens; no Instagram, perfis misóginos acumulam milhões de seguidores; no Facebook, grupos neonazistas florescem sob a falácia do “debate aberto”. Todas essas plataformas lucram com a polarização, usando a desculpa da neutralidade para evitar responsabilidade. Enquanto isso, adolescentes como Jamie são forjados em comunidades que os ensinam a odiar — e a matar.
A minissérie, embora potente, peca ao reduzir a crise a um drama individual ou familiar – sim, o drama é também familiar! Mas na produção britânica o vilão direto é o garoto perturbado. Onde estão os outros?
A “liberdade de expressão”, no código de Musk e de tantos outros expoentes da extrema-direita, inclusive parte expressiva da malta bolsonarista no Brasil, é apenas uma mentira conveniente, largamente compartilhada. Ela serve para proteger o direito de odiar, não o direito de existir ou resistir. O assassinato da garota na série não é um acidente, mas a crônica anunciada de um ecossistema que valoriza mais o clique no isolamento do quarto que a vida.
Também tenho um filho de 13 anos e me vi no espelho, assustado. Mas a minissérie “Adolescência” pode ser interpretada, dentro e fora de casa, como um convite ao diálogo. Para além do peso temático, há uma construção cinematográfica que entra para a história, com o impacto do plano sequência, o desempenho técnico por trás das câmeras, a direção de fotografia e a performance arrebatadora do elenco, notadamente o principiante Owen Cooper que interpreta Jamie.
limafelixalberto@gmail.com
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