SÃO LUÍS – Transformar um sonho em realidade não é algo fácil. Ainda mais quando tudo parece conspirar para que tais sonhos nunca sejam concretizados: são os chamados sonhos impossíveis. Mas é este tal “impossível” que acaba se tornando combustível para as lutas do dia a dia. Lutar quando é fácil ceder, vencer o inimigo invencível ou voar num limite improvável são características fundamentais para que sonhos ultrapassem as barreiras do papel ou da mente humana e ganhem espaço na vida real como algo palpável. E foi por ter um “sonho impossível” que Winglitton Rocha Barros tornou-se o “China”, um dos poucos atletas maranhenses a disputar uma olimpíada. Em 1996, China estava na equipe nacional que participou dos Jogos Olímpicos de Atlanta.
Seria sorte deste maranhense representar o país na maior competição do planeta? Ele garante que não. Foi tudo resultado de muito treino. “Treinava sozinho muitas vezes após os treinos para aperfeiçoar fundamentos. Eu treinei muito para chegar naquele ponto”, comenta.
A Olimpíada de Atlanta foi a única da vida de China e teve um significado especial. De 1996, restaram muitas histórias, experiências e aprendizados. A Seleção Brasileira tornou-se um “escudo” para o ex-atleta, que se orgulha de ter vestido a camisa amarelinha e de ter feito boas amizades no esporte.
“Sabe com quem eu andava quase o tempo todo em Atlanta? Conversava demais e ia comer em McDonalds com a Hortência. Ela já era a rainha do basquete. Eu ficava conversando com ela direto, pegava ônibus com ela, uma das melhores atletas de basquete do mundo. Pra mim era natural. Foi uma coisa que foi construída para estar naquela situação que não pesou. A amarelinha sempre me fez muito bem. Era como um escudo. Quando eu usava, acabava todos os meus medos e receios. Eu fui preparado para estar lá, não foi uma coisa que caiu no meu colo. Eu não caí de paraquedas, eu construí uma base. Foi natural pelo excesso de treinamento e hoje eu pago por isso. O esporte de alto nível não é saudável, só que eu quis. De certa forma, eu sabia que ia ter os bichinhos de estimação no final da carreira para cuidar”, se recorda.
É fato que o Brasil nunca havia sido potência no handebol masculino e chegara a Atlanta sem muitas pretensões. Mas o triunfo sobre a Croácia, que era a atual campeã mundial, dias antes da estreia na Olimpíada fez China e companhia acreditarem em um possível “milagre”. Mas a falsa sensação de superioridade se desfez quando os jogos foram para valer. E o maranhense revela ter tido “vergonha” pelas atuações do selecionado brasileiro.
“A Croácia havia sido campeã mundial naquele ano. Jogamos contra a Croácia uns três ou quatro dias antes da Olimpíada. A gente ganhou dos caras de seis gols antes da Olimpíada. O técnico deles veio falar com a gente e pedir desculpa porque o time deles não havia entrado em quadra para jogar. Aí a gente começou a tirar onda com os caras. Começou a Olimpíada, eles começaram a ganhar todo mundo e foram campeões invictos. Foi o que mais marcou. A gente ganhou da Croácia, mas não foi um jogo oficial. Depois tiveram uns jogos oficiais e os caras passaram o rodo na gente. E, na Olimpíada, teve jogo que a gente perdeu por 20 gols pra França. Eu fiquei com vergonha”.
E completa: “Foi a partir dali que eu foquei mais ainda na minha vida na excelência do esporte. Se uma bola ia sair, eu não podia deixar a bola sair no treinamento. Todo lance era o último lance para mim. Todo passe era o último passe para mim. E ali minha carreira deu um salto de qualidade técnica”.
O início do “sonho impossível”
Fã do Flamengo de Zico e companhia, Winglitton até esboçou sonhar em ser jogador de futebol, mas ser “perna de pau” era um problema sério. Ainda na escola, foi apresentado ao vôlei, ao basquete e ao handebol, esporte este que fez despertar naquele menino de 10 anos a vontade de tornar-se jogador da Seleção Brasileira.
“Eu era torcedor do Flamengo nessa época por causa de Zico, Adílio, Nunes, Oscar. O Flamengo tinha um timaço e não tinha como você não idolatrar Zico naquela época. Eu era louco por futebol, mas eu era perna de pau, não era bom. E aí, nas aulas de Educação Física, com uns 10 anos, Eduardo Telles, que era professor do Santa Teresa, me apresentou ao handebol e eu me apaixonei pelo handebol. No handebol eu tinha o gol do futebol, tinha o drible que juntava o futebol e o basquete, batia bola e tinha o salto do vôlei. Eu me encontrei em todas as modalidades em uma só. Então, eu fiquei fascinado pelo handebol”, explica ao Imirante Esporte.
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Filho de pai professor e de mãe enfermeira, o jovem atleta começava a se destacar dentro de quadra. As conquistas dos Jogos Escolares Maranhenses (JEMs) eram um forte indício de que a Seleção Brasileira seria o próximo estágio na vida de Winglitton que, em pouco tempo, foi apelidado de “China” por Tião, lenda do handebol maranhense. Aos 15 anos, deixou São Luís e foi para Chapecó-SC. A mudança foi fundamental para que aquele sonho, que muitos achavam ser “impossível”, finalmente começasse a se tornar realidade.
“Meu pai não era a favor de eu sair daqui, mas minha mãe era. Minha mãe sempre me motivou muito e sempre ia aos jogos. Meu pai sempre foi a favor de eu estudar. Eu sofri pra caramba, mas em momento algum eu disse ‘eu vou voltar pra casa porque eu me arrependi do que eu fiz’. Muito pelo contrário. Eu fui para lá porque eu sabia que eu tinha uma missão a cumprir. Eu fui, viajei, participei de todos os eventos que um atleta poderia participar no mundo, conquistei muitos títulos. Conheço o mundo inteiro, falo outras línguas. Eu devo tudo ao esporte”, revela China.
A chegada à Seleção Brasileira foi questão de tempo. Em 1991, China teve sua primeira experiência com a “amarelinha”. “Foi a realização já. Eu sabia disso. Eu estava sedimentando um trabalho que eu tinha feito, realizando um sonho. Quando você trabalha muito para conseguir uma coisa, você valoriza aquilo. Foi esse o espanto que eu tive. Eu sabia que eu ia conseguir e eu consegui”, lembra o ex-atleta.
Expectativas para a Rio 2016
O handebol brasileiro chega à Olimpíada do Rio de Janeiro com qual tipo de expectativa? Muitos diriam que o time feminino tem mais chances de conquistar uma medalha do que o masculino. Mas não para China. O ex-atleta não crê nem na equipe de Ana Paula e companhia para subir ao pódio por entender que o momento da seleção feminina “já passou”.
“Eu não acredito, infelizmente. Mas não acredito só no handebol não. Tomara que eu queime a minha língua e a gente consiga beliscar porque vai ser ótimo no sentido da modalidade. Nem no feminino. Acho que passou. E o Brasil vai demorar agora para conseguir no feminino porque a geração está parando. Depois que Ana Paula sair, que Duda sair, que Alexandra sair, o time vai perder uma qualidade. Elas ainda são resquícios de uma geração que vem lá do final da década de 90 pro início de 2000. E a gente não tem uma base. Infelizmente não acredito que a gente vai ganhar e não é só no handebol. Estou achando que a gente vai ter uma expectativa frustrada nessa Olimpíada em termos de quadro geral de medalha por falta de preparo psicológico, por não ter uma base cultural esportiva, por não ter tido uma preparação. A pressão é muito grande. Eu estou muito decepcionado com a Olimpíada no Brasil, mas torço para que as coisas aconteçam da melhor forma possível”, disse.
Políticas para o esporte? Onde?
China é um ex-atleta de handebol e, como tal, gostaria de ver os atletas brasileiros subirem no pódio na Olimpíada do Rio de Janeiro. No entanto, ele não está muito confiante com bons resultados do Brasil. E o motivo vai além da qualidade técnica. China não vê com bons olhos o modelo atual de políticas públicas para o esporte. Na verdade, ele é categórico ao afirmar que não existe política pública no país.
“Qual política pública de esporte que a gente tem? Vamos realizar uma Olimpíada no Brasil e o que veio para o Maranhão além de uma tocha que nem todos os atletas olímpicos foram convidados para conduzir? Qual política pública? A Olimpíada vai passar e nós temos escolas que nem têm aro de basquete, mesmo tendo dois times na Liga Nacional. Culpa dos governantes, de quem trabalha com esporte no Brasil. A gente não tem política publica esportiva no Brasil. A gente não tem gestor esportivo profissional no Brasil. São amadores, são pessoas que estão lá só para se locupletar e só. A gente precisa tirar todos esses gestores que estão aí no esporte, com exceção de um ou outro que a gente pode pontuar efusivamente. Mas praticamente todos têm que sair”, analisa.
E o ex-atleta reclama, ainda, da maneira como os atuais gestores são escolhidos e lamenta os programas esportivos “caça-níquel”. “Falando de Maranhão, qual programa esportivo que a gente tem nos bairros contínuo, não de enrolação, não de caça-níquel que você leva um evento num sábado ou num domingo? Isso desperta na criança a vontade de praticar uma modalidade esportiva e ela vai praticar aonde? Não tem escolinha. É cultural. A gente não tem política pública esportiva no Brasil. Teve alguns lampejos bacanas, mas a gente não tem cultura esportiva. O cara acha que é pegar uma bola e dar pra alguém jogar. O problema é gestão. São colocadas pessoas por caminhos políticos e não por capacidade técnica, meritocracia. E a gente acaba pagando por falta de gestão, por falta de competência”.
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