COLUNA
Kécio Rabelo
Kécio Rabelo é advogado e presidente da Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Kécio Rabelo

Um café e talvez um bom dia

Era um café da manhã normal em um restaurante de hotel, onde estranhos, geralmente apressados, se cruzam para o desjejum já de olho no relógio, pois os compromissos do dia não permitem desleixo.

Kécio Rabelo

Era um café da manhã normal em um restaurante de hotel, onde estranhos, geralmente apressados, se cruzam para o desjejum já de olho no relógio, pois os compromissos do dia não permitem desleixo.

À frente, em uma mesa redonda, daquelas que comportam seis ou oito pessoas, um senhor de meia-idade, de terno, óculos e com um tablet nas mãos, aguardava o garçom para fazer seu pedido. Aproximou-se o garçom que, de pé ao lado do hóspede, com muita presteza, detalhou o que havia disponível no cardápio. O senhor, sem retirar os olhos do tablet, reclamou do tempo quente e questionou por que a cidade estava tão cheia. Recebeu do garçom uma explicação rápida sobre o clima e os eventos que estavam ocorrendo ali, motivo do maior movimento.

"E sobre o pedido, senhor?" — pairou um curto silêncio. Retirando os olhos do tablet e, pela primeira vez, olhando para o funcionário, respondeu: "Um café! Sem açúcar."

"Algo mais?" — replicou o garçom.

"Um bom dia, talvez!" — devolveu o hóspede.

Com um riso discreto, meio sem entender, o garçom afastou-se para providenciar o café.

Temos ouvido com insistência que as relações humanas são, entre todos os problemas atuais, um dos mais desafiadores. Essa complexa engenharia que atravessa os séculos desafia não apenas a sociologia, a antropologia ou a psicologia, mas também a essência da natureza humana, permitindo-nos questioná-la e, por vezes, dela desacreditar. Um fato, no entanto, chama bastante a atenção: a solidão. Não exatamente a solidão como estado permanente de falta de companhia ou de inexistência de qualquer relação, mas aquela que persiste mesmo quando se está acompanhado.

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Quando era criança, pensava em como o mundo era grande. Os prédios, os monumentos, tudo me impressionava e, ao mesmo tempo, me instigava. Continuo pensando que o mundo é grande demais, mas hoje com outras percepções. As distâncias geográficas foram encurtadas, a comunicação tornou-se instantânea, o conhecimento mais acessível, os meios de produção mais eficazes, as respostas da ciência mais imediatas. Não que o mundo tenha ficado menor, mas tornou-se mais próximo, mais acessível. Entretanto, entre nós, essa proximidade ainda se revela um desafio.

 

Aquele senhor e aquela mesa vazia que poderia comportar mais gente é uma imagem que pode nos ajudar a refletir. Uma cena simples, mas talvez cheia de lições. A escolha do lugar onde queremos estar é, antes de tudo, uma decisão de vida. Ao nos estabelecermos, ao fixarmos um endereço, estamos a postos à realidade dessa escolha. Não sobre o tempo, sobre o qual não temos nenhuma ingerência, nem tampouco sobre as surpresas impostas por nossas decisões, pois elas não se abrandam conforme a nossa vontade. Mas sobre a coragem de fincar os passos, marcar espaço, imprimir identidade e dar sentido ao lugar escolhido.

O ato de escolher implica na atitude de acolher. De tomar para si seu lugar de vida, de realização, de possibilidades e satisfações. A persistente tentação do vazio, da insuficiência dos desejos realizados ou da meta intransponível puxam para o abismo a beleza do hoje vivido, da realidade curta das horas que carrega no seu compasso a plenitude da vida. Às vezes é só mesmo um café; outras vezes é o que o café inspira e simboliza. Aquela mesa é como a vida, cenário para todas as fases, nem sempre um "bom dia".

Com tantas possibilidades, com mesas para dois, para uma só pessoa ou compartilhadas, aquela mesa de cadeiras sobrantes e vazias nos faz pensar sobre o modo como escolhemos viver e nos relacionar com o mundo ao nosso redor.

 

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