Mauro Mendonça critica "colonialismo" em "América"

Atualizada em 27/03/2022 às 14h33

RIO - Aos 74 anos, o veterano Mauro Mendonça vive o Paul Bullock na novela Bang Bang

Mauro Mendonça tem dado boas risadas ao interpretar o vilão Paul Bullock, "manda-chuva" de Albuquerque, cidade fictícia de Bang Bang. "Aqui em Albuquerque somente uma pessoa pode usar o verbo exigir: eu mesmo!", repete ele, às gargalhadas, incorporando o personagem. Se na pequena cidade da novela das sete Paul Bullock manda e desmanda, também no decorrer de Bang Bang Mauro Mendonça tem tomado conta da história.

Os vilões, no entanto, não são uma constante nos mais de 50 anos de carreira de Mauro Mendonça.

Ainda assim, ele pôde se dar ao luxo, em seus dois últimos trabalhos na televisão, de interpretar vilões atípicos. Da mesma forma que Paul Bullock, de Bang Bang, é um vilão leve e até divertido, também o Coronel Justino, de Cabocla, tinha sua veia cômica e foi, aos poucos, sendo humanizado ao longo da trama.

A tal ponto que também mereceu um final feliz. Mauro Mendonça, contudo, garante que, mais importante do que fazer um vilão ou um mocinho, é receber um papel que dê margem para o ator desenvolver um bom trabalho. "Eu prefiro um personagem que tenha mais conteúdo. Me deram um personagem que é denso e tem humor, mas é prepotente. Então, eu fico dosando", conta.

A personalidade forte é ponto em comum entre ator e personagem. Sincero em suas opiniões e direto ao defender seus pontos de vista, Mauro tem o respaldo de sua sólida carreira para falar o que quer e sobre qualquer assunto. "Eu não tenho papas na língua", gaba-se. A tal língua, a propósito, parece sempre afiada, principalmente quando seus próprios interesses estão em jogo.

Eventuais críticas com relação ao tema de Bang Bang, por exemplo, ele rebate sem hesitar. "A novela é apenas uma brincadeira de Velho Oeste. Pior é fazer como em Boiadeiros, uma imitação de texano, uma coisa ridícula e colonizada", espeta o ator, sem piedade. Coisas de quem tem mais de 40 anos de televisão.

Como está sendo viver um vilão de um faroeste?

Eu já fiz tanto personagem diferente. Já fiz vilão bonzinho. Acho que até Papa eu já fiz. Cardeal, pelo menos, eu já fiz. Então, mais um ou menos um. Agora, sempre assumindo os personagens como eles são. Esse aí, até agora, diz que é vilão. Porque falavam que o Justino, de Cabocla, era vilão e depois ele mudou. Vamos ver se esse muda também. Ele é engraçado, tem um humor danado. E, afinal de contas, Bang Bang é uma comédia. Caso contrário, não teria cabimento o Freud chegar ali em Albuquerque, ter o Zorroh, o Tonto, o Aquarius Lane, que já vai inventar o gás neon e quer criar um aparelho que pode falar de longe. Quer dizer, é uma comédia.

Em um contexto de comédia, você precisou construir um vilão mais leve?

O Bullock é prepotente, é o senhor de Albuquerque, o dono e fundador da cidade. Ele fala: "esse aqui é um interrogatório diferente: eu pergunto, eu deduzo e eu respondo". Ele é assim. E eu acho até bom. Por que fazer como em Boiadeiros, fantasiado de caubói dentro do Brasil? Eu acho que fica um contexto absolutamente colonizado, macaco de imitação. Foi o que eu senti quando eu vi essa coisa lá. Essa coisa chamada country é imitação de texano, eu acho isso ridículo, falta de personalidade dos caras lá do interior de São Paulo que usam essas roupas. A novela não é, nada mais, nada menos, do que uma imitação daquilo que existe lá. Isso é querer ser o outro. O ambiente rural brasileiro que eu conheci era outro, não esse texano. Ao passo que Bang Bang é uma brincadeira de Velho Oeste.

Você conversou com o Mário Prata para achar o tom exato entre a comédia e a prepotência?

Ah, sim, nós fizemos muita leitura, fizemos workshop. E logo que os capítulos vieram, estava claro o estilo, o que o autor propunha. Então, nosso papel foi só assumir e acrescentar alguma coisa. E ele aproveita para fazer umas brincadeiras com a situação atual. Por exemplo, o presidente morre e o Bullock, depois que sofre um atentado, começa a pirar e quer assumir a Presidência. Aí ele fala: "Essa situação está horrorosa! Nós precisamos de um presidente que tenha pulso, tenha coragem, seja enérgico, viril!". O recado está dado.

Você se inspirou em algum vilão em especial, de algum clássico do western?

Não. Eu não sei se o autor se inspirou, mas o personagem já tinha suas características. Meu trabalho foi apenas o de assumir aquelas características. Evidentemente, já estava na minha cabeça, porque eu já vi uma quantidade enorme de westerns. Então, tem aquele patriarca, aquele dono do mundo, aquele dono das terras, o cara que invade terras. Isso já estava lá no meu inconsciente, no meu arquivo. Foi só tirar uma fichinha e falar: "é esse aqui".

Quais foram as suas preocupações quando se preparou para o papel?

Principalmente me preocupei em lidar com o revólver, em atirar. Eu já andava a cavalo. Já fiz outras novelas e especiais em que eu andava a cavalo. Agora, eu treinei um pouquinho mais para andar de charrete. Eu até prefiro uma charrete a um cavalo. É mais tranqüila. Os músculos da perna não ficam doendo, você não fica com as pernas abertas depois que anda. Porque para andar a cavalo você precisa acostumar o corpo, principalmente as pernas. Eu já fiz outros coronéis, então, sempre tive a oportunidade de andar a cavalo.

Fazer vilões não é uma constante na sua carreira...

Eu prefiro um personagem que tenha mais conteúdo. E me deram esse personagem, que é denso, ele tem humor, mas é um prepotente. Então, eu fico dosando. Agora, ele tem seus raros momentos de humanidade, quando ele está olhando o retrato da mulher que faleceu, quando ele está falando com a filha. Ele tem seus momentos de humanidade também. Porque nenhum ser humano é constituído só de más qualidades ou só de boas qualidades. O sujeito tem um balanço, um equilíbrio entre o positivo e o negativo em sua vida.

A Fernanda Montenegro disse que fazer uma novela é muito cansativo porque durante um ano só se dedica a isso. Como é para você?

É verdade. A gente é absorvido. Eu fiquei três semanas gravando de segunda a sábado, querendo fazer outras coisas, e não conseguia. Chega um ponto em que você precisa parar para descansar. Até porque, às vezes, mesmo num domingo, você tem de decorar o texto para gravar na segunda ou terça-feira. O nosso trabalho não pára. Você tem de estar permanentemente memorizando o texto. E quanto mais responsabilidade você tem, mais você quer estar firme, quer estar bem numa cena, quer estar estudando como vai fazer a cena.

A novela tem muitos jovens atores. Como está sendo trabalhar com eles?

A gente sempre ajuda. Por exemplo, a Fernanda Lima entrou bem na novela. Evidentemente, é uma pessoa que está começando, isso não se pode negar. Mas é uma pessoa ótima, uma mulher muito bonita e as cenas saem bem. Todos eles se relacionam muito bem comigo. Eu faço questão de deixar todo mundo à vontade, não crio barreiras. Eu também já comecei e sei quais foram as pessoas acessíveis e legais, quais foram os chatos, os rabugentos. E eu não quero ser nenhum chato, rabugento, exigente, covarde, sacana. Eu quero ser um cara legal. Agora, os mais jovens têm que vir com garra e querer se sair bem, se esforçar. E a gente procura inspirar um pouco. Se tiver alguma sugestão eu dou, não tenho papas na língua. Eles aceitam ou não.

Você tem feito muitas novelas. Como ficam o cinema e o teatro nesse momento?

Eu não quero deixar de fazer teatro. Tenho alguns sonhos, inclusive de remontar o Caixa 2. Acho que o momento é absolutamente oportuno. Gostaria de fazer, de preferência com o Juca de Oliveira. Vou ver se um dia ele quer fazer de novo aqui no Rio. Mas ligar agora teatro e televisão fica difícil. Para depois da novela o plano é descansar. Se fosse possível, eu gostaria de viajar de novo para Portugal com A Ópera do Malandro. Porque viajar fazendo uma peça é mais ou menos como passear ganhando dinheiro. Aí é bom.

Como recebeu esse afastamento do Mário Prata?

Eu ignoro completamente todos os fatos. Só sei o que aconteceu pelos jornais e nem tive tempo nem curiosidade de perguntar. Mas um dia eu vou encontrar com o Mário, ele é meu amigo, e saber. Me parece que o problema é realmente de saúde, do braço que o impossibilita de escrever. Mas se um dia alguém me contar uma outra historinha, eu posso contar a você. Mas não muda nada. Ele tinha colaboradores, o filho dele voltou. Já tinha uma supervisão dele e um caminho a seguir. Os que continuaram apenas seguiram o caminho. Evidentemente, a Globo tem as suas pesquisas, tem os seus elementos para nortear a direção da história.

Brincadeira de caubói

Apesar da árdua tarefa que dá vestir os pesados figurinos de época de Bang Bang, Mauro Mendonça considera esse detalhe mais um elemento lúdico no trabalho. Segundo ele, principalmente para os atores homens, está sendo como uma grande brincadeira de caubói, plenamente incorporada pelo elenco. "Eu esqueci que o Bullock usa um dente de ouro e fui para casa com ele. Só percebi quando fui comer e o dente caiu", diverte-se.

A brincadeira, no entanto, é levada a sério. A tal ponto que o ator se recusou a usar um chapéu de estilo texano. Influenciando diretamente no estilo do seu Paul Bullock, Mauro ponderou com o diretor Ricardo Waddington e conseguiu trocar um chapéu "americanizado" por outro que tivesse mais a ver com o personagem. "Eu não quis usar um chapéu daqueles de texano. Pedi um chapéu com aba reta, que tem mais estilo", alega.

A pesada vestimenta de um autêntico caubói, contudo, já começa a preocupar o ator por um aspecto que até então não havia sido considerado. Como a novela irá se estender, segundo previsão inicial, até maio de 2006, boa parte das gravações será em pleno verão carioca, quando as temperaturas chegam facilmente aos 40º C. "O verão está chegando e usar essa roupa pesada de camurça não vai ser brincadeira", prevê.

De bispo a coronel

Desde que estreou fazendo uma ponta no filme Carnaval em Caxias, em 1954, Mauro Mendonça calcula já ter feito mais de 400 personagens ¿ o ator confessa que perdeu a conta. "Foram tantos que não dá para citar algum", desconversa. A estréia no teatro veio dois anos depois, na peça A Casa de Chá do Luar de Agosto. O primeiro trabalho na televisão, entretanto, só chegou em 1963, com a novela Corações em Conflito, da extinta Excelsior.

De lá para cá, o ator acumulou uma coleção de personagens díspares. Antes de encarnar dois coronéis autoritários em Cabocla e Bang Bang, Mauro Mendonça já foi delegado em Estúpido Cupido, médico abolicionista em Sinhá Moça e até arcebispo em O Quinto dos Infernos. Seus papéis mais comuns, no entanto, costumam ser banqueiros ou industriais. "Ter a ver com o meu biotipo", arrisca.

Trajetória televisiva

Corações em Conflito (Excelsior, 1963) ¿ Rodolfo

Uma Sombra em Minha Vida (Excelsior, 1964) ¿ Reinaldo

Ambição (Excelsior, 1964) ¿ Ulisses

A Grande Viagem (Excelsior, 1964) ¿ Júlio

A Muralha (Excelsior, 1968) ¿ Dom Brás

Sangue do Meu Sangue (Excelsior, 1969) ¿ Giorgio

Editora Mayo, Bom Dia (Record, 1971) ¿ Vicente

Carinhoso (Globo, 1973) ¿ Vicente

O Espigão (Globo, 1974) ¿ Donatelo

Estúpido Cupido (Globo, 1976) ¿ Armando Siqueira

Te Contei? (Globo, 1978) ¿ Rogério

Dancin' Days (Globo, 1978) ¿ Artur

Feijão Maravilha (Globo, 1979) ¿ Ziegfeld

Água Viva (Globo, 1980) ¿ Evaldo

As Três Marias (Globo, 1980) ¿ Conrado

Jogo da Vida (Globo, 1981) ¿ Álvaro

Elas por Elas (Globo, 1982) ¿ Átila

Louco Amor (Globo, 1983) ¿ André

Champagne (Globo, 1983) ¿ Jurandir

A Gata Comeu (Globo, 1985) ¿ Horácio

Sinhá Moça (Globo, 1986) ¿ Dr. Fontes

Mandala (Globo, 1987) ¿ Adroaldo

Despedida de Solteiro (Globo, 1992) ¿ Cirineu

A Próxima Vítima (Globo, 1995) ¿ Otávio

Anjo de Mim (Globo, 1996) ¿ José Balbino

Anjo Mau (Globo, 1997) ¿ Rui

A Muralha (Globo, 2000) ¿ Dom Brás

O Quinto dos Infernos (Globo, 2002) ¿ Arcebispo Melo

Cabocla (Globo, 2004) ¿ Justino

Bang Bang (Globo, 2005) ¿ Paul Bullock

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