Trabalho escravo

Banco é condenado por conceder crédito a cliente com nome na "lista suja" do trabalho escravo

Resolução do Banco Central que proíbe a concessão de crédito rural foi desrespeitada.

Divulgação / MP-MA

Atualizada em 27/03/2022 às 11h11
Agência do Banco da Amazônia no Centro de São Luís.
Agência do Banco da Amazônia no Centro de São Luís. (Foto: reprodução / Google Maps)

SÃO LUÍS - O Banco da Amazônia (Basa) foi condenado a pagar R$ 200 mil de dano moral coletivo por ter concedido crédito a cliente inscrito na “lista suja” do trabalho escravo. A condenação é fruto de uma ação civil movida pelo Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA).

De acordo com a Resolução nº 3.876/2010 do Conselho Monetário Nacional do Banco Central, é proibida a concessão de crédito rural para pessoas físicas ou jurídicas inscritas no Cadastro de Empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo. No entanto, durante as investigações, foi constatado que a agência do Banco da Amazônia em Santa Inês (MA) concedeu crédito rural a empregador maranhense inscrito na lista.

O caso chegou ao conhecimento do MPT-MA depois que a Procuradoria do Trabalho de Araraquara (SP) encaminhou documentos provenientes de outra ação, que demonstravam que o Banco da Amazônia havia desrespeitado a resolução do Banco Central.

Sem acordo

O MPT-MA chegou a realizar uma audiência com representantes da instituição financeira a fim de solucionar a questão extrajudicialmente, mediante assinatura de termo de ajuste de conduta (TAC). No entanto, o acordo foi rejeitado pelo banco, o que resultou no ajuizamento da ação civil pública pelo órgão ministerial.

De acordo com a procuradora do Trabalho Virgínia de Azevedo Neves, além de violar a Resolução do Banco Central, a conduta do Banco da Amazônia desrespeita a Constituição Federal e os compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, visando a erradicação do trabalho escravo.

“O envolvimento do sistema financeiro mostra-se indispensável, na medida em que a recusa de financiamento aos empregadores de mão de obra escrava implicará em desestímulo a essa prática aviltante da dignidade do ser humano”, avalia Virgínia Neves.

A procuradora ressalta que o Basa é, desde 2005, signatário do pacto pela erradicação do trabalho escravo no país, “comprometendo-se a incrementar esforços para dignificar e modernizar as relações de trabalho nas cadeias produtivas em que atua, por meio de, dentre outras medidas, a vedação do acesso ao crédito às pessoas físicas e jurídicas que tenham sido autuadas por manterem trabalhadores em condições equivalentes à escravidão”.

A condenação

Na sentença, o juiz substituto da 5ª Vara do Trabalho de São Luís, Paulo Fernando Santos Junior condenou o Banco da Amazônia a abster-se de contratar ou renovar operação de crédito rural e de arrendamento mercantil no segmento rural, com pessoas físicas e jurídicas inscritas no Cadastro de Empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas às de escravo, sob pena de multa de R$ 50 mil por cada operação de crédito contratada de maneira irregular, independente do trânsito em julgado da presente decisão.

“A emissão da cédula de crédito bancário acaba por ofender não só a determinação contida na Resolução do Bacen, mas também todo o microssistema formado pelas normas nacionais e internacionais de combate à exploração irregular do trabalho humano”, observa o magistrado.

O juiz também condenou o Basa é pagar indenização por dano moral coletivo de R$ 200 mil, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador ou, alternativamente, em proveito de órgãos públicos ou entidades de assistência social, saúde, educação ou profissionalização, sem fins lucrativos, de reconhecido valor e atuação social.

Da decisão, cabe recurso.

Posicionamento

Procurado pelo Imirante.com, o Banco da Amazônia afirmou que o Ministério Público do Trabalho equivoca-se ao afirmar que o Banco estaria financiando trabalho escravo.

Leia a nota na íntegra:

"Causou espanto a condenação proferida pelo Juiz Substituto da 15ª Vara Federal de São Luís, nos autos de Ação Civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho.

Cumpre asseverar que o Banco, como integrante da Administração Indireta Federal, observa todas as disposições legais concernentes à concessão de crédito, razão pela qual jamais financiará atividades que contrariem os direitos e garantias asseguradas na Constituição da República, em especial no que toca a chaga ainda persistente do trabalho escravo.

Nesse sentido, em que pese a decisão emanar de órgão da base da Jurisdição, portanto, sujeita a recurso, convém esclarecer a sociedade quanto ao erro de percepção do representante do Ministério Público do Trabalho ao propor a referida ação coletiva.

O Ministério Público do Trabalho equivoca-se ao afirmar que o Banco estaria financiando trabalho escravo, visto que no caso posto não se tratou de renovação crédito/financiamento, mas sim renegociação de débito, ocorrida em 2012 para quitação de operação garantida por Cédula de Crédito Rural Hipotecária emitida pelo devedor em 2004, antes mesmo da edição da Resolução BACEN nº 3.876/2010.

A renegociação do débito teve como objetivo estabelecer forma e prazo para o pagamento da última parcela do débito que estava em atraso, ou seja, não se tratava de nova contratação, mas sim o mecanismo lógico e claro de qualquer credor para receber de seu devedor, mesmo porque este direito é assegurado ao devedor nos termos da Súmula 298 do STJ.

Não houve, portanto, qualquer tipo de conduta que maculasse a Resolução BACEN e, com muito mais razão, os dispositivos constitucionais de proteção ao trabalho.

De mais a mais, a Resolução não pode ter seus efeitos projetados a situações passadas, muito menos, impede que o Banco receba valores que foram concedidos a título de financiamento em anos anteriores.

Sendo assim, o Banco classifica como absurda a decisão proferida pelo Juízo e envidará esforços para sua reforma em sede recurso junto ao Tribunal, vez que jamais compactou para situações que contrariem as disposições constitucionais que asseguram os direitos e garantias fundamentais de qualquer cidadão, sendo inadmissível o desgaste de sua imagem pelo órgão ministerial."

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