Artigo

Minha adorada equação

José Ewerton Neto *

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15

Um grande autor ao ser perguntado em uma palestra sobre como escrever um romance, respondeu, com um leve tom de ironia: “É simples, primeiro você põe uma letra maiúscula e no final um ponto. No meio você coloca a ideia”.

Como a resolução de um grande problema subentende uma ideia e um exercício para desenvolver a equação que o soluciona, tenho a impressão de que o mesmo autor se perguntado sobre como chegar ao enunciado de uma brilhante fórmula, talvez respondesse com o mesmo leve tom irônico: “É simples, primeiro você coloca um número, no meio um sinal de igualdade, e antes e depois do sinal de igualdade você coloca uma ideia.”

Porque assim como poemas e romances podem chegar à plenitude da beleza pelas ideias projetadas e contidas nas frases que as expressam também as equações matemáticas chegam ao equivalente deslumbramento da captura da realidade até então inacessíveis através de signos numéricos.

Por isso, ao me deparar em uma revista científica com o resultado de uma pesquisa com estudiosos sobre as mais belas equações, no total de 11, me surpreendi com a relativa simplicidade de pelo menos duas delas, ombreando com outras famosas e geniais sobre temas complexos para leigos como a da Relatividade Geral, da Relatividade Especial ou a Equação de Euler. A primeira, a do teorema de Pitágoras, é velha conhecida dos bancos escolares. A outra, que eu não conhecia, é a que se anuncia abaixo:

1 = 0,9999999999999999999999…

Que, de saída, antecipando-se ao conteúdo que encerra, tem um visual fascinante pelo mistério e inquietude peculiar às dízimas periódicas: um número que estranhamente nunca resolve parar, em sua sina de propagação obsessiva. No caso da equação citada, ao ser colocada a unidade, no patamar do infinito nos lados opostos de uma equação, evocando o começo e o fim, o todo e o nada, essa expressão sugere uma religiosidade numérica que alcança um tom inalcançável para qualquer poesia. Esta é a equação favorita do matemático Steven Strogatz que sobre ela diz: “O lado esquerdo representa o início da matemática, o lado direito representa os mistérios do infinito. Muitas pessoas não acreditam que isso possa ser verdadeiro, mas é.”

A menção ao infinito me fez lembrar o livro Cidade Aritmética (um livro de poemas com temas matemáticos, edição da FUNC de 1996). Neste busquei estabelecer, numa singela tentativa, a conexão de alguma forma expressa acima e que imagino existir entre matemática e poesia, letras e números, transcendência e realidade, que trata, também, do infinito e de sua ambiguidade, sutilmente capturada na fórmula acima.

Os versos do poema dizem: O infinito na matemática/mal consegue disfarçar sua sina de impostor/ Sua mãos úmidas de estrelas/ ao cravar-se nas fórmulas/ da essência dos signos se apropria/ e reluz a insana farsa/ de caber-se no tempo sendo eterno/ na fração sendo infinito/ pela soberba talvez de sendo tudo/ imaginar que só lhe basta/ vestir-se do avesso para ser nada.

* É autor de O entrevistador de lendas

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