Transformações

Passado ou presente?

A equação entre modernização e preservação no Centro Histórico de São Luís

José Linhares Jr/ Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15
(são luís)

São Luís - Nas últimas décadas um dos grandes dilemas sociais, políticos e econômicos de São Luís é o uso do Centro Histórico da capital. O século XX iniciou o período de expansão da capital que estagnou o lugar e o fez perder a importância prática de outros tempos. Hoje em dia, polêmicas e desafios se colocam entre o resgate do Centro de São Luís de forma sustentável. Para a presidente da Fundação Municipal do Patrimônio Histórico (FUMPH), a historiadora Kátia Bogea, falta vontade política para consolidar o resgate do lugar iniciado na década de 1980. “O centro de São Luís enfrenta desafios e muitas soluções se apresentam, mas nada disso pode ser definitivo se continuarmos sem a vontade política necessária para tanto”, explicou.

A forma de ocupação do Centro de São Luís (mais especificamente da área tombada pela Unesco que vai da Avenida Beira Mar até a Praça Deodoro) divide opiniões. De um lado os defensores de políticas de preservação mais duras e do outro entusiastas de um processo de modernização mais agressivo.

Apesar das divergências em relação a métodos, todos concordam que o ponto central para o resgate definitivo do Centro de São Luís passa por uma profunda mudança na política de mobilidade urbana na região.

A “Península” Original

Apesar de parte da população acreditar que a Península é o primeiro bairro dessa natureza na capital maranhense, o título cabe ao Centro Histórico de São Luís. Originalmente povoado por franceses no ato de fundação de São Luís em 1612, o Centro Histórico ocupa a península formada que divide os rios Bacanga e Anil, na Baía de São Marcos.

A área abriga cerca de quatro mil imóveis remanescentes dos séculos XVIII e XIX. Algumas delas possuem valor nuclear na história de São Luís, como o Palácio dos Leões, a Catedral (antiga Igreja dos Jesuítas), o Convento das Mercês, a Casa das Minas, o Teatro Artur Azevedo, a Casa das Tulhas, a Fábrica de Cânhamo, a Igreja do Carmo, entre outras.

Por mais de três séculos, o Centro Histórico foi o lugar mais importante de São Luís. Apenas com as políticas de urbanização e expansão da cidade, iniciadas no início do século XX, começou a perder destaque.

Decadência e resgate

A falta de investimentos por pouco não arruinou o Centro Histórico. A situação de abandono era latente, como afirma a historiadora Kátia Bogéa. “Foi um processo que se estende das décadas de 1930 até 1970 e culminou com a construção da Ponte José Sarney. A cidade foi sofrendo um deslocamento que prejudicou muito o centro de São Luís”, explicou.

No início da década de 1980, por inciativa do ex-governador João Castelo, foram iniciadas as discussões sobre a revitalização do centro. “A situação era desoladora no início dos anos 1980 e com o governo dele (João Castelo) foram iniciadas as discussões do que meia tarde veio a ser conhecido como Projeto Reviver”, lembrou Kátia Bogea.

Potencial e polêmica

O potencial econômico do Centro Histórico é indiscutível. Por sua arquitetura, localização e relevância histórica, o lugar se apresenta como uma boa oportunidade para investimentos. Cenário explicado por Felipe Mussalém, superintendente da Agência Municipal de Desenvolvimento Econômico e Social (AMDES). “O Centro Histórico de São Luís, em consonância com outros lugares do Brasil e do mundo, se destaca pela oferta de opções de cultura e lazer, atraindo turistas de todos os lugares. Ainda vejo uma grande possibilidade de crescimento nessa área”, explicou.

Alguns empresários culpam o excesso de burocracia como fator que afugenta investimentos na área. Segundo alguns ouvidos por O Estado, há do poder público uma espécie de obsessão pela restauração dos casarões e da infraestrutura do centro de São Luís incompatíveis com a necessidade de modernizar o lugar. Eles apontam que o processo de restauração exigido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Além de caro, as reivindicações também inviabilizariam o uso comercial moderno.

Para Kátia Bogea, essas reclamações são um mito criado para justificar o desinteresse. “A realidade desmente esse mito. Faz pouco tempo que foi inaugurado um casarão moderno na Rua da Estrela, mais especificamente no nº 472, completamente moderno de uma empresa de telefonia. Tecnologia e materiais contemporâneos completamente adequados ao presente. Poderia citar aqui inúmeros imóveis com o mesmo destino”, disse.

A ex-superintendente do IPHAM ainda explicou que os processos de reforma e restauração não são unilaterais. “Cada situação é estudada individualmente. É claro que não há a mesma exigência para um casarão que desabou para outro que ainda possui características originais intactas. Os únicos padrões que são sempre usados como referenciais são as fachadas, inclinação do telhado e o uso de telhas de barros. Até mesmo em prédios com arquitetura original são permitidas intervenções para o uso na atualidade. Caso de banheiros, fiação, ar-condicionado...”, esclareceu.

Kátia Bogea acredita que o programa de revitalização empregado no centro de São Luís ao longo das últimas décadas foi bem-sucedido. Contudo, não foi perfeito e existem demandas que precisam ser atendidas para completar o processo. E a principal demanda é a mobilidade urbana no centro”.

Dentro da questão de mobilidade urbana, a escassez de estacionamento no centro da cidade e a dificuldade de movimentação aparecem para Kátia Bogea e Felipe Mussalém como capitais para a revitalização definitiva do centro.

Mussalém concorda com a ideia de que melhorias poderiam ser feitas. “Durante o dia, penso que seja pela falta de estacionamento. Ainda é um transtorno se dirigir ao Centro de São Luís por não ter um local adequado para estacionar. A noite vejo um conjunto de fatores. Cito a segurança e a própria ‘vida’ do centro histórico, uma vez que os comércios fecham e as opções de restaurantes e bares em alguns locais ainda é escassa, gerando insegurança”, disse.

Para Kátia Bogea hoje o principal entrave para o desenvolvimento do centro de São Luís não é a dicotomia entre modernização e preservação, mas a falta de vontade política para resolver a questão da mobilidade no lugar.

Ela relata que no início da década de 2010, o IPHAN pagou um grande Plano de Mobilidade Urbana que iria contemplar o centro da cidade completamente. “As intervenções iriam acontecer desde a área nas proximidades do Canto da Fabril até a Beira Mar”, explicou.

O plano, que foi engavetado pelas últimas três gestões municipais, iria representar um marco no processo de urbanização de São Luís e, possivelmente, entrar para a história como uma das mais arrojadas obras de mobilidade urbana do Brasil.

Segundo Kátia Bogéa, a demanda por estacionamentos seria zerada com a construção de unidades subterrâneas e verticais (edifícios garagem). Além disso, o plano também propõe a instalação de veículos leves sobre trilhos e teleféricos no centro da cidade. Pontes de conexão e toda a reestruturação da malha viária também consta no plano.

Apesar da vanguarda do plano, Kátia lamenta que as discussões no entorno da revitalização do centro ainda ocorram dentro da especulação. “Hoje o que temos é uma situação que avançou bastante, mas que precisa de ajustes. Há casos de instituições públicas que simplesmente abandonam o centro histórico. Quando o exemplo deveria partir delas. Ficar no centro e batalhar para que o problema de mobilidade seja resolvido é um dos maiores presente que a história de São Luís poderia ter”, concluiu.

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