Mulheres Negras

No Maranhão, 90,8% das mulheres vítimas de assassinato são negras

No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra, 25 de julho, pesquisadoras discutem o descaso social e a vulnerabilidade

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15
Ilma de Jesus debate as desigualdades sofridas por mulheres negras  na sociedade
Ilma de Jesus debate as desigualdades sofridas por mulheres negras na sociedade (Ilma de Jesus)

São Luís – No mês de julho, mais especificamente no dia 25, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher Afro-latino-americana, Afro-caribenha e da Diáspora, uma data que representa a luta por ações concretas para a eliminação do racismo, sexismo e outras pautas, que colocam em risco a vida dessas mulheres. A data, que foi criada em 1992, comemora 29 anos agora em 2021. Contudo, após quase três décadas, a realidade para essas mulheres ainda é de vulnerabilidade e risco.

Conforme o último Atlas da Violência, que foi publicado em 2020, 90,8% das mulheres vítimas de homicídios no Maranhão são negras. Os dados, que correspondem até o ano de 2018, ainda mostram que mulheres não negras equivalem a apenas 9,2% dos homicídios no estado. Apenas em 2018, foram registradas 109 mulheres negras assassinadas no estado.

Para a professora Ilma Fátima de Jesus, especialista em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça pela UFMA, mestre e doutoranda em Educação (UFMA), coordenadora da Formação em Educação para as Relações Étnico-Raciais da Semed e coordenadora do Movimento Negro Unificado do Maranhão, as mulheres negras têm sido, ao longo de sua história, as principais vítimas das desigualdades socioeconômicas, culturais, educacionais, entre outras, e de uma cultura racista e sexista que permeia suas vidas em todas as esferas, diferença que não está apenas nas precárias condições de sobrevivência mas, sobretudo, na negação cotidiana de serem reconhecidas como mulheres negras.

“A mulher negra no Brasil tem uma história de exclusão onde as variáveis sexismo, racismo e pobreza são estruturantes, uma herança colonial, onde o sistema patriarcal apoia-se solidamente com a herança do sistema escravista”, aponta.

A pesquisadora ressalta casos de repercussão que demonstram a vulnerabilidade social das mulheres negras na sociedade brasileira, como o primeiro caso de óbito causado pela Covid-19 no país, no estado do Rio de Janeiro, cuja vítima foi uma trabalhadora doméstica negra e idosa, com problemas cardíacos, obesidade e diabetes, que contraiu a doença de sua empregadora recém-chegada da Itália; e o caso de Madalena Gordiano, resgatada após ser mantida em condições análogas à escravidão por quase 40 anos, trabalhando como empregada doméstica sem salário e folgas, na cidade de Patos de Minas (MG).

“Muitas meninas negras começam a sofrer a exploração do trabalho doméstico infantil ao serem entregues para famílias da capital com promessas de que estudarão, mas elas apenas trabalham e o estudo não é algo que faz parte de suas vidas”, destaca Ilma Fátima.

Os dados apontam ainda, que no Brasil, Entre 2008 e 2018, as taxas de homicídio apresentaram um aumento de 11,5% para os negros, enquanto para os não negros houve uma diminuição de 12,9%. No Maranhão, a taxa de homicídios de pessoas negras por 100 mil habitantes é de 31,4, enquanto a de não negros é de 13,3 por 100 mil habitantes.

Para mudar o cenário
A professora Tatiana Reis (Uema), doutora em Estudos Étnicos e Africanos pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Federal da Bahia, considera importante refletir sobre as opressões vivenciadas pelas mulheres negras a partir da constituição da sociedade, formada por uma pirâmide social ocupada pelos homens brancos no topo, com maior acesso a oportunidades e poder, seguidos pelas mulheres brancas, homens negros e mulheres negras ocupando a base da pirâmide, resultado de um processo histórico de exclusão, expropriação e violência social.

Sobre o processo de mudança em curso na sociedade com a ampliação de políticas públicas, a pesquisadora ressalta que a transformação ainda é muito reduzida na experiência de vida das mulheres negras, motivada pela negação social e falta de atenção em refletir sobre os marcadores sociais que vão além do gênero e raça, e envolvem outras categorias que as afetam de forma perversa, como a orientação sexual – como mulheres negras lésbicas; origem – como mulheres negras quilombolas; mercado de trabalho – como mulheres negras empregadas domésticas e quebradeiras de coco, vieses que revelam um contexto ainda maior de violência e negação de direitos.

Em referência à afirmação da filósofa e escritora estadunidense Ângela Davis, de que “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, Tatiana Reis ressalta que as mulheres negras precisam ser entendidas como as principais mobilizadoras de mudança social, na medida em que sua organização e mobilização políticas conseguem impactar toda a estrutura social, revelando um grande potencial transformador ao criticar ou questionar a realidade e provocando fissuras na pirâmide social que as exclui e oprime. “Nossos passos vêm de longe através de nossas antepassadas que vieram de África, e datas como essa nos ajudam a refletir sobre as mudanças que precisam acontecer de fato para alcançarmos um cotidiano sem violência e sobre a continuidade desse processo de organização e luta que precisamos discutir e refletir de forma coletiva”, conclui.

Diversidade
Em julho de 2020, o Poder Judiciário do Maranhão implantou o Comitê de Diversidade, primeiro comitê temático acerca de diversidade e pluralidade no âmbito dos tribunais do Maranhão, e um dos primeiros no Brasil, o que impulsionou, inclusive, a instituição de outros comitês congêneres no âmbito das demais instituições do Sistema de Justiça local. A medida faz parte das metas de gestão do biênio 2020/2022 instituídas pelo presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão, desembargador Lourival Serejo

O magistrado entende que “é necessário tirar da invisibilidade pessoas feridas em sua dignidade, buscando – dentro dos parâmetros legais – fazer valer as prerrogativas e os direitos daqueles para os quais a violência, a homofobia e a discriminação são direcionadas, com a prática de crimes inaceitáveis que se voltam contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito".

O Comitê de Diversidade foi criado com foco na proteção aos direitos fundamentais aos diversos grupos da sociedade, visando assegurar o acesso à justiça contra qualquer tipo de preconceito e violência, objetivando identificar e propor soluções visando à erradicação de preconceitos e práticas discriminatórias no âmbito do Poder Judiciário do Maranhão; promover a conscientização de magistrados, servidores e jurisdicionados para a necessidade de respeito à diversidade, visando à erradicação de preconceitos e práticas discriminatórias, mediante um espaço para o diálogo institucional e a promoção de Direitos Humanos, viabilizando a troca de experiências e expressão das vivências dos grupos historicamente discriminados, a fim de criar um espírito de pacificação e tolerância social.

SAIBA MAIS

Conheça o dia 25 de julho

Dentre os marcos na história de luta das mulheres negras por direitos está o I Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, realizado em 25 de julho de 1992 em Santo Domingo, na República Dominicana, data que foi instituída como o Dia Internacional da Mulher Afro-latino-americana, Afro-caribenha e da Diáspora. Reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Internacional da Mulher da Afro-latino-americana, Afro-caribenha e da Diáspora tem como objetivos promover e fortalecer a ação política das mulheres negras dessas regiões junto aos poderes públicos, na busca por ações concretas para a eliminação do racismo, sexismo e outras pautas.

Além desse importante e simbólico dia, na mesma data, no Brasil, também é celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, por força da Lei Nº 12.987/2014, em homenagem a Tereza de Benguela, uma dirigente política que era conhecida como “Rainha Tereza” no Quilombo de Quariterê, que existiu de 1730 a 1795, no qual ela estabeleceu uma forma de governo que funcionava à semelhança de um parlamento, com deputados, conselheiro, reuniões e sede. A liderança de Tereza de Benguela existiu até 1770, quando foi presa e morta pelo Estado.

Além da organização, o Quilombo de Quariterê desenvolvia agricultura de algodão e possuía teares onde se fabricavam tecidos que eram comercializados. Tereza navegava com barcos imponentes pelos rios do pantanal. O Quilombo do Quariterê abrigava mais de 100 pessoas, com destacada presença de negras, negros e indígenas, tendo sido o maior quilombo do Mato Grosso.

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