Artigo

O número que não consegue parar

José Ewerton Neto *

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15

Quando comecei a me interessar pela matemática, na infância, nenhuma de suas expressões me pareceu tão perturbadora, curiosa e surpreendente como a Dízima Periódica, um número rebelde que não para de se repetir na última casa.

Nada consegue detê-la: nem uma cerca de arame farpado, nem uma barreira eletrônica, provavelmente nem os buracos de rua, tão comuns nas ruas de São Luís. Nessa época comecei a desconfiar de que a Matemática não era assim tão exata quanto diziam, e podia ser tão fantasiosa quanto os livros de ficção que eu lia, e que aquela história do tão certo quanto dois mais dois são quatro não passava de uma frase de efeito.

Anos atrás li numa reportagem de uma revista científica que o número de Avogadro não é mais o mesmo. Assim, sem mais nem menos, significando que o valor que nos impuseram estava errado e que, de certa forma, nos fizeram de otários. O famoso 6,02 x 1023 que 90% dos estudantes se lembrarão para o resto da vida, de repente não é mais aquele. A diferença é na casa de centésimos de milésimos, mas num número tão grande isso equivale a bilhões de bilhões.

Bote bilhões de incertezas nisso! Como diz Becker, o autor dos cálculos de alta precisão: “O que pretendíamos, de fato, era encontrar uma nova definição científica para o quilograma, que ainda carece de definição.” Ou seja, Avogadro apenas entrou de gaiato nessa história e a essas alturas do campeonato, todos nós, escravos da vida moderna e suas imposições, somos gordos, mas não sabemos exatamente o quanto.

Claro, tudo evolui na vida, até as fórmulas que um dia pareceram definitivas. Assim como Galileu e Newton que ficaram para trás, agora ficou Avogadro e seu número, sem sequer um “Advogado” para defendê-lo, o que nem deveria soar estranho. Se o ser humano levou milhões de anos para descobrir que os corpos caem devido a atração gravitacional e descobriu 500 anos depois que o tempo e o espaço não passam de abstrações e tem funções relativas tudo indica que num futuro não muito distante a matemática e seu dois mais dois não sejam exatamente quatro.

Isso dá uma esperança ao destino bizarro da dízima periódica. Qualquer dia vão descobrir que duas paralelas se encontram antes do infinito ou que a dízima para em algum lugar, quem sabe num bar da esquina. Se para tomar um chope ou simplesmente rir das agruras dos estudantes em prova do Enem isso são outros quinhentos. O fato é que, as esquisitices dos números um dia terão solução, imperfeitas ou não.

Irremediáveis, insolúveis e definitivas, por sua vez, são as dízimas periódicas da vida, essas que se repetirão eternamente como uma sentença: as enchentes de inverno com suas mortes trágicas, as bobagens coletivas como o Big-Brother, as Pandemias etc, etc.

Como seria bom se as realidades da vida, ao invés de tão periodicamente irreversíveis fossem inexatas, mutáveis e manipuláveis quanto as da Ciência! O mundo seria bem melhor, certamente. Tão certo como dois mais dois não são (serão) quatro.

* É autor de O entrevistador de lendas. ewerton.neto@hotmail.com

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