Artigo

Gente humilde

Antônio Augusto Ribeiro Brandão *

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15

“Abate de jumentos para exportação cresce 8.000% e ameaça a espécie no Brasil”. Manchete recente de alguns Jornais.

Sempre gostei das pessoas mais simples. Na casa dos meus pais, já falei sobre isso, convivi com esse tipo de gente, de cor, crendice e hábitos diferentes dos nossos, e houve, sempre, respeito a essas particularidades. Tenho saudades da Condessa, adepta do ‘terecô’; da Cota, tão negra que chegava a brilhar ao sol; da Zefinha, fiel costureira da minha mãe, e da Ana, que cuidava das nossas roupas carregando-as na cabeça em enormes trouxas, para lavar e passar, longe de casa.

Quando ia a Caxias, avisava antes e a Ana preparava o nosso almoço, na sua casa, na Trezidela; quando ficou doente não pode mais reunir-nos, mas ainda a visitei no seu leito de sofrimento, contudo da Condessa, Cota e Zefinha nunca mais soube delas.

O nosso ‘carroceiro’ lembra muito essas mulheres; é um ‘profissional’ como outro qualquer, mas para nós da rua dos Angelins, no São Francisco, ele é um excelente prestador de serviços, que recolhe as nossas ‘tralhas’ e as deposita, adequadamente, nos Pontos Ecológicos instalados pela Prefeitura, espalhados pela nossa São Luís.

Em tempos normais esse tipo de emprego informal e ‘por conta própria’ existiu, sempre, e continua resistindo mesmo ante severas restrições da Pandemia; as carroças passaram a usar eixos, molas e pneus, mas os animais as continuam puxando e, em alguns casos, sofrendo maus tratos. Aliás, diga-se de passagem, atualmente, que possui um 'ofício' desses não fica sem dinheiro e está melhor do que muita gente formada.

Porém, nem todos os ‘carreiros' são assim tão eficientes: sempre calmo, sorridente, conversador, cumprindo a sua rotina diária: circula pelas mesmas ruas do nosso bairro, para, aperta a campainha, pergunta sobre os serviços que presta, porque já sabe dos seus clientes certos.

Basta ver o seu capricho e rapidez ao recolher material diverso, seja papelão, latas, peças de móveis, vidros, como tem jeito de fazer com que tudo caiba no espaço da sua pequena carroça, e logo pode estar de volta a novo recolhimento.

O seu ‘veículo’ é modesto em tipo e tamanho e tem o seu animal de estimação, um jumento, já meio desgastado, que o puxa, há tempos. Ele, o 'carroceiro', lembra, mal comparando, um Dom Quixote e seu corcel Rocinante, enquanto transita de um ponto a outro da cidade, dos pensamentos que vai alimentando sem ser ‘o cavaleiro da triste figura’.

Conversando com ele entre uma carga e outra, fiquei sabendo que mora ‘por perto’ e que tem 67 anos, mas não fala de família, filhos, dificuldades, pois está quase sempre de bom humor. Digo a ele que tenho vinte anos a mais do que ele e que já está mais desgastado do que eu. Ele não disse, mas imagino o porquê: a diferença entre os nossos afazeres.

Em tempos mais recentes, ele deu para querer aumentar seus ‘fretes’ e diz que é por causa da inflação. Também argumenta com os custos de alimentação do seu ‘fiel escudeiro’, manutenção do seu ‘veículo’, etc. E acaba conseguindo.

Agora, diante dessa história de que a população de jumentos, no Brasil, está diminuindo, porque vai tudo para a China, comer a carne, perguntei-lhe: e, agora que seu jumento está ficando velho e a substituição, difícil? Ele não se fez de rogado: “vendo o meu por dez mil dólares e trago outro de lá.” Revelou-se um ser pragmático e perfeitamente atualizado nas práticas do comércio internacional.

Já avisei a ele: vamos tirar uma foto juntos, para postar nas redes sociais. Vai ser um sucesso.


* Economista

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