Um dom único

Parto humanizado: gerar a vida de forma autônoma e controlada

Busca por este tipo de parto ganha mais adeptos e é defendido por psicólogos e simpatizantes; objetivo é evitar frustração nas mulheres

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15
Juliana Chaves durante parto humanizado do seu primeiro filho, Vicenzo, amparada por profissionais de saúde
Juliana Chaves durante parto humanizado do seu primeiro filho, Vicenzo, amparada por profissionais de saúde

São Luís - Conceder o dom da vida é uma bênção divina associada às mulheres que, desde os tempos da criação, registram a capacidade de, após período gestacional, dar à luz uma criança. Esta fase suscita a uma série de dúvidas e incertezas, ao mesmo tempo em que provoca sensações ímpares e psicológicas na mãe que, com ansiedade, aguarda pela chegada do filho ou da filha.

Antes de se submeter ao processo de geração de vida, a mulher realiza preliminarmente o pré-natal, fase em que a futura mãe deve ser acompanhada por um profissional de saúde, que verifica por diversos fatores se o processo de gestação ocorre a contento.

Com o desenvolvimento das sociedades, ao longo dos séculos, e maior participação das mulheres nos processos de formação social, que levaram ao surgimento de conceitos, como feminismo (espécie de doutrina que preconiza o aprimoramento e ampliação do papel dos direitos das mulheres na sociedade), a mulher tornou-se autônoma nos costumes, na formação intelectual e, principalmente, no comportamento, a cada dia mais ativo.

Essa altivez na produção e nos costumes gerou uma série de mudanças nos perfis e na visão do que temos do feminismo e na desenvoltura da mulher, que se refletiu – como exemplo – na forma como ela quer realizar o seu parto. Foi neste contexto que a nomenclatura “parto humanizado” ganhou as páginas de peças de divulgação e de redes sociais nos últimos anos.

Porém, a partir de sua criação, estabeleceu-se uma espécie de estereótipo, ou seja, de que o parto se refere somente à um ambiente agradável, repleto de flores, com uma música “clean” e outros aspectos. Na verdade, a expressão “parto humanizado” é além destes aspectos e prioriza dar a opção plena ou praticamente única à mulher sobre como quer ter seu filho ou sua filha.

O objetivo da reportagem não é simplesmente desvincular o papel do profissional médico deste momento, e sim entender que o parto humanizado vem apenas dar à mulher a possibilidade de escolher se é, por exemplo, mais confortável ter sua criança no espaço domiciliar, como era feito com as “parteiras” (ou ainda é feito) em várias partes do Brasil por diversos fatores (em especial ausência de uma unidade de saúde capacitada no local do parto).

É preciso ressaltar ainda que – apesar de “humanizado” e menos “medicalizado” - é fundamental ter a presença de um quadro ligado a uma das competências do setor de saúde ao lado desta mãe, para amparo clínico e psicológico. Entender como se dá este tipo de parto e ouvir mulheres que se submeteram a ele é imprescindível para aprofundar o tema.

Aspectos do parto humanizado
Especialistas afirmam que as mulheres, ao relataram os seus partos via cesariana, “demonstram certa frustração” de não terem realizado um parto mais espontâneo ou mais natural. A mãe, em muitos momentos, quer viver na prática (sentindo inclusive as dores e influenciando na saída do bebê de seu ventre) esse parto. É uma espécie de continuidade do vínculo dos filhos, ou seja, de saber que aquela criança está ali por interferência da mãe de forma direta.

No entanto, a vivência plena dos processos considerados naturais e humanos envolve uma simbiose de sensações, ou seja, dor, incômodo e até medo. Porém, mesmo ciente destes desafios, para se sentir mais diretamente influenciadora no processo, a mulher quer vivenciar tudo isso e prefere algo com menos interferência médica.

Foi para atender um perfil mais próximo desta linha que surgiu o conceito de parto humanizado, ou parto que zela pelo amor e pelo sentimento da mãe. Neste conceito, é fundamental a aparição da doula, um termo de origem grega que “significa mulher que serve”. A sua atuação neste caso facilita a existência de um parto.

No entanto, a presença da doula, para alguns especialistas, tem como intuito apenas o auxílio na dor e no conforto. Sua presença, conforme defensoras do próprio “parto humanizado” tem sido restrita apenas neste sentido devido às medidas de distanciamento social. A recomendação é da presença, durante o parto humanizado, de uma doula, se possível, com formação acadêmica em enfermagem.

Além da doula, os defensores da ideia de parto humanizado definem a prática como a “expressão usada” para apontar que a mulher registra controle sobre como e em que posição deseja e se sente confortável para o nascimento do bebê.

A expressão “parto humanizado” remete ao termo “humanização” que, no contexto específico, não se refere à via do parto (vaginal ou cesárea) e sim ao tipo de assistência que a mulher recebe. É dar a prerrogativa à mulher acerca da forma ou em qual posição deseja e se sente confortável para o nascimento de seu bebê.

Uma das defensoras da ideia do parto humanizado é a antropóloga e ativista do parto natural, Robbie Davies Floyd. A escritora se debruçou sobre trabalhos fundamentais e separou o parto pelo aspecto tecnocrata, ou mais “tradicional”, em que o profissional médico usufrui de plena autonomia na adoção das condutas médicas, sem verificar o lado da paciente.

De acordo com Robbie, o corpo da mulher – nas ocasiões em que o aspecto técnico prevalece – é visto como uma espécie de “máquina” ou objeto. Os procedimentos clínicos são realizados desconsiderando a mente e o corpo, com “ênfase apenas nos resultados imediatos”, desconsiderando a subjetividade da mãe.

Um dos pontos mais criticados pelos defensores do “parto humanizado” diz respeito à caracterização das cesarianas. Dados recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que o Brasil ainda é o país, em dados absolutos, com maior índice de cesarianas no mundo. Em determinadas pesquisas, é apontado que mais da metade dos procedimentos do gênero é feita desta forma, com aspectos cirúrgicos interligados.

A antropóloga Robbie Davis Floyd defende a tese que qualquer sociedade moderna deve estabelecer como meta o índice de cesáreas em até 20%. É preciso esclarecer que as cesarianas, apesar de serem rebatidas pelas mães na modernidade, ainda ajudam a salvar vidas e, dependendo do caso das mães, são imprescindíveis e consideradas “a única opção”.

Os profissionais de saúde, mesmo os adeptos da prática do “parto humanizado”, defendem também e são razoáveis na ideia de que, o ideal é esperar o chamado “trabalho de parto” começar, ou seja, a adoção de um ciclo de três a quatro contrações em um intervalo de pelo menos 10 minutos para, se houver dificuldades – seja com sofrimento da mãe ou por decisão da genitora – partir para a cesárea.

Em alguns casos, o parto é realizado em casa, com o uso de banheira com água quente para limitar as dores
Em alguns casos, o parto é realizado em casa, com o uso de banheira com água quente para limitar as dores

Vantagens durante a pandemia
Além de tornar o parto como uma espécie de acolhimento, em meio à pandemia, outra vantagem do “parto humanizado” é reduzir o tempo de recuperação – contribuindo para um período mais curto de permanência da mãe e do bebê no hospital, o que é considerado mais seguro em tempos de pandemia da Covid-19.

Enquanto que o tempo de recuperação do “parto humanizado” é de 30 horas, em média, o período de regeneração do parto cesárea é de até 15 dias, por se tratar – por óbvio – de procedimento cirúrgico.

Em todos os casos de “parto humanizado”, a presença do especialista de saúde deve ser acompanhada, nos casos em que é possível, do acompanhamento mecânico, com o monitoramento em tempo real do ritmo cardíaco da paciente e do bebê. Em geral, o processo de “parto humanizado” - desde as primeiras contrações até o momento final, dura 12 horas. Ou seja, um ciclo considerado longo e que exige força de vontade, maturidade da mãe e dos familiares e, principalmente, sinergia entre a mãe e o (a) companheiro (a) no amparo psicológico.

Diversas pesquisas científicas também apoiam a ideia de que o nascimento em um ambiente acolhedor, ou seja, a residência da mãe ou outro local que remeta à lembranças positivas é a “melhor maneira” de vir ao mundo. No parto humanizado, a mulher escolhe se quer receber anestesia (a maioria opta pelo recebimento), o que comer e beber (dependendo da dieta específica para este momento) e, claro, em que posição quer gerar o bebê lindo ou linda que mudará a sua vida e de todos os familiares em volta.

SAIBA MAIS

Diferença entre assistência considerada medicalizada e humanizada

Assistência medicalizada

  • Fisiologia do parto que precisa ser aperfeiçoada
  • Tendência de acelerar o processo
  • Colocar a mulher na posição de litotomia (o paciente é colocado em posição dorsal; a seção dos pés da mesa cirúrgica é abaixada completamente, e os membros inferiores são elevados e abduzidos em perneiras metálicas, para haver exposição da região perineal)
  • Relação médica vertical
Assistência humanizada

  • Confiança na fisiologia
  • Acompanhamento e estar “ao lado”
  • Andamento e monitoramento de como será a evolução fisiológica;
  • A protagonista do parto é a mulher;
  • Decisões horizontalizadas.

Fonte: Parto, Aborto e Puerpério Assistência Humanizada à Mulher (Ministério da Saúde)

Humanizar é

  • Acreditar que o parto normal, na maioria das vezes, não precisa de qualquer intervenção.
  • É saber que a mulher é capaz de conduzir o processo e que ela é a protagonista deste evento;
  • É informar que a mulher sobre os procedimentos e pedir a sua autorização para realizá-los;
  • É garantir e incentivar a presença de um acompanhante escolhido pela gestante, para passar a ela uma segurança e tranquilidade.
Fonte: dannilima.com.br

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