Documentário

Iemanjá e ritos como inspiração para documentário

Cineasta Denis Carlos fala sobre filme que conta história do filme "Iemanjá pela última vez", selecionado para compor a plataforma Itaú Cultural Play

Bruna Castelo Branco Editora do Alternativo/ Evandro Júnior Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Cineasta Denis Carlos fala sobre o documentário “Iemanjá pela última vez”
Cineasta Denis Carlos fala sobre o documentário “Iemanjá pela última vez” (Cineasta )

São Luís - Selecionado para integrar a plataforma do Itaú Cultural, o documentário “Iemanjá pela última vez”, do cineasta maranhense Denis Carlos, destaca a tradição das religiões afro-brasileiras, O filme conta a história de Karol, jovem que, na infância, teve uma visão de que Iemanjá lhe conduzia ao seu palácio no fundo do mar. Após essa visão, que permanece durante sete anos, ela passa a se vestir de Iemanjá para a festa de Nossa Senhora da Conceição, no Terreiro de Mãe Elzita, no bairro Fé em Deus.

“O documentário se passa no barracão da casa. Mas é, também, sobre uma coisa muito particular da Mina, que são as revelações, os sonhos, as missões de cada pessoa, as interpretações desse universo pelos mais velhos e, nesse caso, pelas mais velhas”, conta.

Karol teve a visão quando era bem pequena. “Ela era coroada como rainha do mar pela própria rainha. O filme conta isso, também, além de acompanhar o último ano que ela saiu como Iemanjá na festa. Eu filmei esse último ano dela, em 2013, logo após ter finalizado meu primeiro longa-metragem, que também se passa no terreiro e é sobre o boi que Mãe Elzita comanda há 53 anos”, acrescenta.

Ele detalha que vinha filmando há dez anos a festa. No último ano, foi de uma forma mais próxima e intensa, porque Karol disse a ele que seria a última vez. “Na verdade, não é uma pesquisa em termos canônicos, com cadernos de 12 matérias fazendo anotações e tudo isso. Eu mais filmava para alcançar pessoas que eu considero muito importantes na minha formação humana e audiovisual, como Jandir Gonçalves e Murilo Santos. Filmava e fotografava, assim como faço até hoje, no sentido de construir uma memória para além daquilo que a memória consegue reter”, frisa.

O cineasta começou a sentir gosto pelo cinema por influência da mãe, Maria Benedita, que costumava fotografar com máquinas Love. “Eu lembro de brincar com as máquinas quebradas dela. Eu tinha essa lembrança como algo corriqueiro. Depois, me apeguei a isso pelo lado bom. Tem, também, a parte que eu lembro dos álbuns de família serem recortados e a imagem de papai ser sumariamente retirada das fotos. Eu tenho essas fotos ainda. As fotos eram enviadas dentro da máquina, que não podia ser aberta, para outro estado. Às vezes, não dava certo e a máquina quebrava”, lembra.

Novo longa

O maranhense está trabalhando, agora, em seu mais recente longa-metragem, divisor de águas na cinematografia nacional: “Por que choras, Glauber Rocha?”. “Estou inscrevendo em festivais, mostras, etc. É um documentário sobre um ritual dentro da Mina que poucos terreiros em São Luís fazem ainda hoje, que é preparar uma cama de espinhos paras entidades indígenas e Surrupiras deitarem durante o tambor de índio. Na casa de Pai Wagner, Tenda Ogum São Jorge, onde o filme se passa, eles ainda fazem esse ritual. Ano passado eu editei.

Sobre o Itaú Cultural, o cineasta conta que o processo todo começou em 2018, quando ele conheceu Gabriel Pires, um dos responsáveis pelo Nordeste Lab. “Ele assistiu ao filme, na versão ampliada, de 45 minutos, em DVD. Foi quando o processo de construção da plataforma do Itaú Cultural começou também. Foram escolhidos vários agentes e parceiros para montar a curadoria nacional e, no caso o Nordeste Lab ficou responsável pela região Nordeste. O festival também escolheu filmes que já passaram por lá, assim como o Fórum Doc BH. A intenção com isso é dar um panorama daquilo que vem sendo produzido no país sob diversos aspectos, desde temáticas a modos de produção. De posse desses filmes selecionados, há outros trâmites por parte do Itaú Cultural em termos de curadoria e só então eu recebo um email do Gabriel me colocando em contato com as pessoas da plataforma de streaming para poder acertar os detalhes finais”, conta.

Sobre o cenário cinematográfico maranhense, o cineasta diz que falta discussão. “É notório que o némero de produções aumentou. E não só isso, mas também a participação nos últimos cinco anos de filmes maranhenses em festivais Brasil afora. Mas acho que a gente não tem, ainda, de forma alicerçada, espaços e uma dinâmica de discussão sobre essa produção maranhense”, diz o cineasta,, que se diz influenciado por nomes como Murilo Santos, Tairo Lisboa e Harmony Korine.

“Eu filmava pra alcançar pessoas que eu considero muito na minha formação”

“Eu mais filmava pra alcançar pessoas que eu considero muito na minha formação humana e audiovisual, como Jandir Gonçalves e o Murilo Santos. Eu sempre falo isso, já deve tá chato mas é porque é isso mesmo. Filmava e fotografava assim como faço até hoje, no sentido de construir uma memória pra além daquilo que a memória consegue reter. Pode parecer uma coisa boba né, uma menina saindo de Iemanjá numa festa pela última vez mas... acaba que o significado disso tudo ainda hoje vai se mostrando pra mim. Aquilo que a gente vê no filme é parte disso, desse significado. Iemanjá é dona não de pouca coisa, mas de todas as cabeças, então por aí tu tira. Naquilo que me toca pessoalmente ela é dona de muitas outras coisas”, define o cineasta ao explicar de forma mais detalhada a escolha do tema e as tessituras que permeiam os significados de suas escolhas.

Ao ser perguntado sobre os preconceitos presentes em relação à religião afro no Brasil e de como a projeção da obra em uma plataforma pode ser uma ferramenta importante na divulgação, Denis Carlos é taxativo e acredita que a perspectiva vai um pouco além disso. “Eu acho que é, também, para além disso. Eu acho que é no sentido de pensar e colocar essa e outras tradições afro-religiosas como existentes, como práticas que fazem parte da nossa formação enquanto indivíduo, enquanto sociedade. A Mina e as práticas da Mina e tudo aquilo que ela alcança estão aí há séculos. A gente só é muito hipócrita e não assume isso no cotidiano. Os motivos disso, se a gente for puxar pela razão, envolvem uma série de coisas. Eu penso que a curadoria teve uma sensibilidade de perceber isso e, também, de como o filme lida com essas questões de uma forma exatamente como é: cotidiana. Acho que existir é a palavra que define também esse universo. A julgar pelos envolvidos na curadoria dos filmes do Nordeste, que foi a equipe do Nordestelab, eu acho que essa sensibilidade de perceber isso como elemento constituinte da gente foi importante também”.

Plataforma
O documentário "Iemanjá pela última vez" do cineasta Denis Carlos foi selecionado para compor a plataforma Itaú Cultural Play (https://www.itauculturalplay.com.br/).

A plataforma é gratuita e é composta por mais de 100 títulos séries, programas de TV, festivais e mostras temáticas e competitivas, além de produções audiovisuais de instituições culturais parceiras.
Mediante cadastro gratuito, é possível acessar esse conteúdo e escolher onde ver, já que a Itaú Cultural Play está disponível para desktop e celular, via tanto sistema Android quanto IOS. Outro diferencial é o próprio catálogo, marcado por diversidade, variedade de autoria e representatividade regional, com títulos de todos os estados brasileiros. l

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.