Sem festa

São Luís sem arraiais e o vazio dos dois anos sem as festas juninas

O Estado detalha os problemas enfrentados pelos grupos de bumba meu boi, tradicionais deste período do ano, e que, por ventura, sofrem com a ausência de apresentações populares

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
O boi de couro brilhante e os brincantes com pandeirões: a saudade de dois anos sem festas juninas em São Luís
O boi de couro brilhante e os brincantes com pandeirões: a saudade de dois anos sem festas juninas em São Luís

São Luís - A cultura do Maranhão vive, desde o ano passado, um cenário nunca visto antes. Marcadas pela diversidade, simbologia, pluralidade de ritmos, costumes e, principalmente, pela originalidade e simbiose com a religiosidade, as manifestações típicas do período junino foram duramente afetadas pelo segundo ano consecutivo pela pandemia.

Apesar dos esforços, no entanto, divergências políticas entre estados e municípios geraram um ritmo da vacinação abaixo da média mundial. Atualmente, o país recupera terreno na estatística absoluta de imunização, porém a largada tardia fez com que os períodos fixos de efervescência no entretenimento, como é o período junino em todo o estado, fossem substituídos por barracões com indumentárias à espera de apresentações.

Com a vigência de decreto estadual que restringe – até o fechamento desta edição – a promoção de eventos com mais de 100 pessoas devido à pandemia do coronavírus, assim como em 2020, os grupos – de bumba-boi – mais uma vez tiveram que se reinventar.

A criatividade na composição de toadas e encaixe de ritmos deram lugar à austeridade financeira e elaboração de soluções para capitalizar em cima da data, mantendo o distanciamento social e as medidas de proteção social. Mesmo com soluções ousadas e empenho dos brincantes e colaboradores, a maior parte dos grupos conclama aos santos, bate os pandeirões e pede, sob as bençãos dos ceús, que essa pandemia passe e que os brincantes possam curtir a festa em breve com alegria e segurança.

Autoridades públicas, por enquanto e ainda que de forma acometida, não descartam a promoção ainda este ano, de acordo com o andamento e ritmo da campanha de vacinação contra a Covid-19, de uma espécie de “São João fora de época”. Por enquanto, um sonho ainda distante.

Infectologistas alertam que, para a volta do cenário habitual de arraiais lotados e fãs em volta das manifestações durante as apresentações, é necessário haver uma ampliação do público em segunda dose de vacina o que, a princípio, deve ocorrer de forma maciça em 2022, considerando o ritmo atual.

A tecnologia, mais uma vez, será uma aliada na tentativa de arrecadação mínima pelos grupos, amenizando os prejuízos financeiros. Apesar da alternativa, a retração na prática de determinadas tradições (como batizados e ladainhas com grande massa de fãs), somada às perdas pelos grupos de colaboradores – infectados pela Covid-19 – são fatos que representam talvez o São João mais triste da história maranhense.

O desafio dos membros da cultura e seguidores das matracas e dos pandeirões será o de manter acesa a chama da festa nos corações dos simpatizantes, num contexto em que – diante de tantas mortes diárias pela doença no Maranhão e em outras partes brasileiras – a espontaneidade e o sorriso da brincadeira junina dão lugar à tristeza atrelada pela pandemia.

O Estado, nos últimos dias, ouviu representantes de grupos de bumba-boi para entender como cada um deles sobrevive (literalmente, o termo mais adequado é este) diante de um segundo ano consecutivo sem programação de arraiais pela cidade. Locais tradicionais pela recepção e concentração de manifestações do gênero deram lugar aos palcos vazios e melancolia provocados pelo esvaziamento necessário devido à disseminação da Covid-19.

A cultura local não está dissociada do restante do mundo e tenta se “adaptar” aos novos tempos.

Em 2020 foi quase assim...
No ano passado, iniciativas como as do Grupo Mirante, que organizou o “Arraial Bumba Minha Casa”, com lives e apresentações culturais minimizaram os impactos da pandemia para alguns grupos. As lives foram transmitidas pelo portal www.bumbaminhacasa.com.br e pelo canal do YouTube do Imirante.com. Em paralelo, brincadeiras como o Boi da Maioba e Boi de Maracanã realizaram, por conta própria, eventos nas redes sociais.

O isolamento social e o impedimento para apresentações locais, também representam uma chance para que outras manifestações, como tambor de crioula, dança portuguesa, quadrilhas e outras, possam viabilizar outras formas de divulgação de suas marcas.

O Boi da Maioba, por exemplo, se apresentou em live em 2020 que registrou mais de 200 mil visualizações. O sucesso expôs uma das marcas mais fortes da cultura local em plataformas que, habitualmente, não eram usadas.

Em contrapartida, locais que normalmente – na capital maranhense em especial – registrariam os arraiais da cidade – seja em pontos públicos ou privados (em shoppings ou outros empreendimentos) não foram organizados por orientação pública e por respeito às medidas sanitárias.

Mais um ano sem o som dos pandeirões no São João
Mais um ano sem o som dos pandeirões no São João

E em 2021...
Apesar de estabilidade do número de óbitos e de casos da Covid-19, na capital maranhense e em outras partes do estado, o Maranhão – especialmente na Grande Ilha – registra alto índice de ocupação de leitos de UTI na rede pública. Dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES) apontam que, até o fechamento desta edição, a ocupação era superior a 90%.

Com este cenário, as administrações públicas estadual e municipal de São Luís sequer cogitaram a flexibilização da promoção de eventos e permissão para a organização de festas e arraiais. Com isso, até o momento, apenas dois caminhos foram seguidos pelos grupos de bumba-boi: a realização das suas próprias agendas, seja com a ajuda de colaboradores ou da iniciativa privada. Ou ainda a promoção de campanhas de arrecadação.

Em paralelo, alguns grupos são correlacionados com as campanhas de imunização do governo estadual. Recentemente, durante mutirão “Arraial da Vacinação”, no Shopping Pátio Norte para a imunização de pessoas contra a Covid-19 na Grande Ilha, grupos de São João foram convocados para participar, dando um clima mais festivo ao ato.

Mesmo com as tentativas de projetos em paralelo para a manutenção mínima de atividade dos grupos, a efervescência da festa e o caráter único popular perderam a essência com a inclusão (justa por sinal) de medidas que limitam as aglomerações.

Além dos arraiais, tradições como a conhecida festa de São Marçal, que reunia grupos de matraca na avenida de mesmo nome, no bairro do João Paulo, seguem suspensas. O encontro, considerado simbólico por representar o encerramento das festividades juninas de forma oficial, foi temporariamente abortado e, em breve, voltará com sua essência, qual seja, a democratização da festa que não distingue, em uma via, classe social, origem étnica ou outros elementos distintivos. Outros arraiais e encontros foram cancelados e personagens, como índias, vaqueiros, caboclos de pena, matraqueiros e outros temporariamente se calaram. Estes e outros integrantes, como cantadores e figuras como Pai Francisco e Catirina se “aquietaram” diante de um vírus maldito.

Outro lado
Sem as festas e as agendas ativas, a queda na arrecadação dos grupos e da cadeia produtiva junina como um todo são evidentes. Sobre a ajuda aos grupos, em nota encaminhada à O Estado, o governo maranhense informou que “desde o início da pandemia, tem atuado para ajudar financeiramente grupos culturais de todas as regiões do Maranhão, a exemplo das edições do projeto Conexão Cultural (sendo três editais lançados em 2020 e um em 2021) e sete editais lançados com recursos da Lei Aldir Blanc (LAB)”.

Ainda de acordo com o governo maranhense, “a Secma [Secretaria de Estado da Cultura] vai lançar 11 novos editais com os recursos da LAB não empenhados, incluindo o edital Conexão Patrimônio, voltado para contemplar manifestações classificadas como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, caso do bumba meu boi”.

Ajuda do Município
A Prefeitura de São Luís, por meio de suas redes sociais oficiais, divulgou o edital do Auxílio Municipal Emergencial do São João, destinado para grupos e manifestações culturais que foram afetadas pela pandemia da Covid-19. De acordo com o Município, o valor do benefício varia entre R$ 1 mil e R$ 10 mil.

Ainda segundo a Prefeitura, as inscrições poderão ser realizadas entre 21 e 30 deste mês. Segundo a Prefeitura, estão abertos a participar os brincantes, os grupos e as manifestações culturais específicas do período.

SAIBA MAIS

NOTA GOVERNO

A Secretaria de Estado da Cultura (Secma) informa que, desde o início da pandemia, tem atuado para ajudar financeiramente grupos culturais de todas as regiões do Maranhão, a exemplo das edições do projeto Conexão Cultural (sendo três editais lançados em 2020 e um em 2021) e sete editais lançados com recursos da Lei Aldir Blanc (LAB).

Vale ressaltar, que sempre foram pensadas ações universais, que atendessem de forma equânime o maior número de trabalhadores da cultura. Para este ano, a Secma vai lançar 11 novos editais com os recursos da LAB não empenhados, incluindo o edital Conexão Patrimônio, voltado para contemplar manifestações classificadas como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, caso do bumba meu boi.

Durante o período de pandemia, a Secretaria sempre esteve aberta ao diálogo com grupos culturais, atendendo, inclusive, solicitações de produtores culturais do segmento do bumba meu boi.

Nesse momento, por exemplo, ocorre a realização, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde (SES), dos Arraiais da Vacinação em várias cidades, que tem como objetivo prioritário acelerar a cobertura vacinal contra a Covid-19, além de prestigiar artistas e grupos culturais das diversas localidades onde estão sendo realizados os mutirões de vacinação.

Por fim, a Secma segue auxiliando grupos de múltiplas expressões da cultura popular maranhense com outras ações, como o apoio na produção de lives para Internet e com a entrega de cestas básicas.

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