Artigo

O pavor de ser normal

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16

Claudionor, 55 anos, o personagem que motivou esta crônica, tem boa saúde, tanto assim que tem resistido bem ao surto da Pandemia, mas há algo que passou a incomodá-lo de algum tempo para cá.

É que se considera normal e, dessa forma, age, mas tem topado com ações e gestos tão estranhos, que começou a perguntar se não seria sua normalidade, um novo tipo de estranheza. Para tentar entender o que estaria acontecendo consigo imediatamente procurou se informar sobre fobias modernas, descobrindo que não só sua cidade, mas o planeta todo está cheio de gente com as fobias mais absurdas possíveis.

Aprendeu que melaxofobia é medo de amar, grafofobia é medo de escrever à mão, peladofobia é medo de carícias e araquibutirofobia é medo de que a pipoca grude no céu da boca. Medo de quê? Isso mesmo, de que a pipoca grude no céu da boca. Portanto, tem gente por aí que não tem medo de feminicida (tanto assim que os soltam das cadeias com menos de 1/4 da pena) mas tem medo de que a pipoca grude no céu da boca.

Com tanta fobia dando sopa por aí e com tanta celebridade assumindo publicamente seus medos (Julia Roberts tem agarofobia, que é medo de espaço aberto, David Beckham tem atoxofobia, medo de desordem e Megan Fox tem ovofobia, que é medo de ovo), Claudionor espantou-se também com as que surgiram depois da Pandemia, como as tais de burn out e bore out. Burn out sendo cansaço de trabalho, e bore out falta de... Ou seja, em termos de fobia pandêmica se ficar o bicho pega se correr o bicho come.

Aos poucos, nosso personagem começou a desconfiar que sua normalidade fosse anormal, o que tornou sua ida ao psicanalista uma questão de tempo. Isso se deu após ter caído na besteira de dizer, numa roda de amigos, que não gostava de dupla musical sertaneja. Uma mulher do grupo, graduada em Comunicação, não se conteve, exibindo ares de pavor.

- Como? Juro que não entendi. Você não gosta de música sertaneja? Jorge e Mateus? Simone e Simaria? Latão e Sucata? Feijão e Arroz?

- Nunca, tentei fazer com que meus ouvidos se acostumassem, mas desisti. É muita porcaria!

- Não acredito que estou ouvindo isso! Estou com medo de você!

Estupefato, Claudionor olhou ao redor pedindo um socorro que não veio. Pelo contrário, um misto de horror se exibia em todos os olhares do grupo interpelando-o.

- Não só ela, todos nós estamos com medo de você. Como é possível não gostar de música de dupla sertaneja?

Depois dessa Claudionor correu para o analista. A sessão, surpreendeu pelo diagnóstico rápido e preciso.

- Você está sofrendo de uma psicose moderna, pós-pandemia Claudionor.

- Como?

- Você teve o azar de continuar normal, mesmo após tudo que aconteceu. Mas não se preocupe, todos nós fomos infectados. Todos temos uma fobia.

- E posso saber como se chama a minha?

- Ainda não está catalogada, porque ainda é uma fobia rara, por enquanto. Mas poderíamos chama-la de Normalfobia, o medo de ser normal.

- E você aconselharia algum tipo de tratamento?

- Que tal um pouco de loucura, de vez em quando?

José Ewerton Neto

Autor de O ABC bem humorado de São Luís

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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