Luta aumentou

Lista de espera por um órgão no estado cresceu 43% na pandemia

Entre os fatores apontados para o índice, estão a mudança nas regras de doação, além da recusa familiar, diminuição no fluxo social nesse período e outros fatores; campanhas são massificadas

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Aumentou a lista de espera por doação de órgãos no Maranhão
Aumentou a lista de espera por doação de órgãos no Maranhão

São Luís - A pandemia do coronavírus, além de consequências para a economia e sociedade como um todo, trouxe reflexos para o sistema de saúde em demandas consideradas essenciais. Além de mudar rotinas, criar novos conceitos de atendimento e, principalmente, de execução de protocolos internos, a Covid-19 também registrou consequências em outros aspectos que fogem à assistência prioritária da doença.

No caso da doação de órgãos, em todo o território nacional, o impacto da pandemia foi sentido no quantitativo de procedimentos e doações. Dados do Registro Brasileiro de Transplantes apontam que a lista de espera por um órgão, seja na capital ou no interior do estado, aumentou 43% desde o início da pandemia.

De acordo com dados da Central Estadual de Transplantes e Registro Brasileiro de Transplantes, contabilizados até o dia 4 deste mês, 262 pessoas esperavam no Maranhão por um transplante de rim, contra 146 de 2019, antes da pandemia. Em se tratando do procedimento de nova córnea, o dado chama ainda mais a atenção. São 705 pessoas aguardando, contra 530 de 2019.

Ao final de 2019, não houve registro de pessoas inscritas aguardando outros tipos de transplantes realizados no estado do Maranhão. De lá para cá, outros procedimentos foram incluídos. Até o momento, de acordo com dados do HU, 4 pessoas aguardam por um transplante de fígado e uma por um procedimento de coração.

Entre os principais órgãos considerados fatores de espera, ainda estão rim e córnea, os quais são de maior demanda. Vários fatores explicam o “inchaço” na lista de espera, dentre eles, está a implantação de mudanças progressivas nas regras de doações de órgãos. Recentemente, a Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes emitiu referência técnica estabelecendo novos critérios para a seleção de candidatos a doadores.

O procedimento ocorreu em período posterior à decretação de calamidade pública devido à transmissão da Covid-19. Somente no primeiro semestre do ano passado, quatro meses após o início da pandemia no cenário nacional, a queda preliminar no número de doadores foi de 32%.

O movimento regressivo no índice contradiz ao que vinha ocorrendo no território nacional em anos anteriores. Até 2019, as doações registravam aumento no país. Em 2019, por exemplo – período em que nem se cogitava qualquer pandemia no Brasil – o percentual de doadores atingiu o número inédito de 18,1 por milhão de população.

Entre as novas regras estipuladas a partir da pandemia, estão a contraindicação no indicativo de pessoas para doação de órgãos com exame positivo de Covid-19, para pessoas com histórico de síndrome respiratória aguda grave sem possibilidade de realização do RT-PCR para investigação do novo coronavírus, além de pacientes que estejam em contato com casos suspeitos ou confirmados para a virose em questão.

Fatores
Outro fator que culminou com a elevação da lista de espera está no isolamento social. Com as decretações de lockdown em algumas cidades e estados, incluindo o Maranhão, foi registrada uma queda no número de acidentes, uma das principais causas que podem levar à evolução para morte encefálica, condição determinante para a possibilidade de múltiplos órgãos.

Um terceiro fator importante, que contribuiu para a queda, é o acesso à família. Por medo de comparecerem aos hospitais para exames e outros procedimentos preliminares, construção de conceitos pré-estabelecidos, o procedimento legal e necessário para a aquisição da doação de órgãos tornou-se ainda mais difícil.

Muitas famílias de potenciais doadores, ainda com receio de contaminação pela Covid-19, aceleram os procedimentos de sepultamento e preferem não aguardar pelos trâmites da doação o que, de acordo com profissionais de saúde, deve ser desmitificado já que todos os procedimentos, segundo os defensores da doação de órgãos, permanecem sendo realizados de forma a zelar pela segurança de todos envolvidos no procedimento, inclusive os familiares.

Existe ainda um quarto fator, qual seja, a ocupação de leitos de UTI. Como, por determinação de políticas públicas de saúde, está se priorizando a ocupação de vagas deste serviço para as pessoas com Covid-19, doadores de múltiplos órgãos que, em tese, devem ser mantidos em terapia intensiva e os receptores que, nos primeiros dias, devem ser mantidos em leitos com assistência mais complexa têm atendimentos colocados em plano secundário, diante da pandemia e da oferta ainda restrita de vagas de UTI na rede pública, em especial, maranhense.

Diante de tantos fatores que jogam contra, a política de assistência a quem defende esta bandeira é massificar as campanhas de atendimento. Por isso, é preciso incentivar. “Ainda temos muitas barreiras. Existe ainda um tabu de que a autorização para a doação e os procedimentos técnicos são burocráticos e demorados. Nossa função é disseminar para comunidade que o processo pode ser simples e seus inúmeros benefícios à sociedade”, disse a integrante da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (CIHDOTT – HUUFMA),Polianna Bortolon.

Quem teve Covid-19, pode ser doador?
Para este questionamento, O Estado endossa a orientação técnica estabelecida com base na Nota Técnica nº80 do Ministério da Saúde que estabelece que o doador com regressão completa dos sintomas da doença há mais de 28 dias estaria apto para a doação de órgãos.

Em contrapartida, em outro caso, o doador que teve contato com casos considerados “suspeitos” ou confirmados de Covid-19 há menos de 14 dias está, pela especificação plena, com “contraindicação absoluta para a doação de órgãos e tecidos”.

Segundo Polianna Bortolon, esta é mais uma barreira a ser quebrada na temática da doação de órgãos. “No começo da pandemia, o estabelecimento técnico inicial foi o de suspender todos os procedimentos de captação de tecidos em pacientes em parada cardiorrespiratória. Posteriormente, foram determinadas novas condutas que viabilizaram a doação, ainda que de forma tímida. Aos poucos, os procedimentos voltam a uma rotina mais próxima do normal, mas com acúmulo de pessoas na fila de espera, por vários fatores, sendo a recusa familiar ainda o mais pertinente”, disse.

Dados apontam que, atualmente, o índice de recusa familiar, ou seja, a negativa das pessoas próximas do potencial doador de órgão em realizar o procedimento está superior a 67%, bem acima dos índices médios do país de aproximadamente 43%.

.
.

Dados anteriores
Dados da Revista Brasileira de Transplantes (RBT) de 2018, da Associação Brasileira de Transplantes (ABTO), apontam que, no Maranhão, no período, a cada 10 famílias entrevistadas para doação de órgãos de parentes, aproximadamente sete recusam a autorizar o procedimento.

Em contrapartida, ainda segundo a ABTO, os estados de Santa Catarina e Paraná registraram saldo inferior a 30% nos casos de recusa, atestando que nestes locais há maior conscientização quanto à importância do ato. Dentre as causas, para a maior parte das recusas no estado, está a ausência de compreensão da chamada morte encefálica e a fé em milagres.

No estado, atualmente o Hospital Universitário Presidente Dutra – da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – é o responsável na rede pública pelos procedimentos cirúrgicos de captação e transplantes. De acordo com a unidade de saúde, o trabalho é feito em conjunto com o Banco de Olhos do estado, operante na Unidade Materno Infantil, gerenciado pelo Governo do Maranhão, já que a Central Estadual de Transplantes (CET) - desde 2017 – funciona no Hospital Carlos Macieira, na Avenida Jerônimo de Albuquerque, no Calhau.

Quem pode?
Atualmente, o doador vivo está autorizado a doar um dos rins, parte do fígado ou do pulmão. Nestes casos, e pela lei, somente parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores, após passarem por uma criteriosa avaliação multiprofissional. Após este limite, somente por autorização judicial a doação é permitida.

Quanto ao doador falecido, segundo a legislação, somente familiares de primeiro e segundo grau, cônjuges ou união estável comprovada podem autorizar a doação de órgãos e/ou tecidos. Atualmente, não é legalmente válido deixar documentado o desejo de ser doador, por isso a importância de declarar este desejo aos familiares, pois somente eles, no momento devido, poderão autorizar o procedimento.

SAIBA MAIS

O dia 27 de setembro é atribuído como referência nacional para a doação de órgãos. A data foi estipulada com base na Lei nº 11.584, de 28 de novembro de 2007, do Governo Federal, no entanto – para ampliar as ações de conscientização, são organizadas campanhas durante todo o mês para chamar a atenção das pessoas.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), existem dois tipos de doador. O primeiro é o doador vivo, que pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação, contanto que este procedimento seja seguro. Um doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão.

Lista de espera (2019)

  • Rim-146
  • Córnea-530
Lista de espera (dados de 4/05)

  • Rim- 262
  • Fígado-04
  • Córnea-705
  • Coração-01
Lista de espera no final de 2020

  • Rim- 256
  • Fígado-01
  • Córnea-633
  • Coração-00
Total de transplantes realizados no Maranhão (historicamente)

  • Rim-652
  • Fígado-07
  • Córnea-2312
  • Musculoesqueletico-16
Taxa de recusa familiar:

  • 2018-69%
  • 2019-65%
  • 2020-50%
  • 2021(parcial)-67%
Fonte: Hospital Universitário do Maranhão (HU)

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.