Saúde

Os públicos ainda reprimidos e os desafios do combate à AIDS

Por ora, pessoas jovens e os homossexuais ainda são públicos considerados frágeis à doença, ainda que com campanhas e disseminação de informações em redes sociais

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Medicações distribuídas na rede pública de saúde para pacientes que vivem com o HIV em São Luís
Medicações distribuídas na rede pública de saúde para pacientes que vivem com o HIV em São Luís

São Luís - Atualmente, a AIDS ainda é uma das preocupações mundiais, ainda que com a presença de outras enfermidades graves, como a do coronavírus que, neste momento, ainda assusta o mundo. Nas últimas quatro décadas, os métodos de controle da doença e as orientações preventivas – além da conscientização dos usuários, facilitaram o monitoramento dos perfis de públicos mais atingidos.

Por ora, pessoas jovens e os homossexuais ainda são públicos considerados frágeis à doença, mesmo com campanhas e disseminação de informações em redes sociais. Até mesmo o uso da camisinha ainda é visto por perfis como um tabu e que, apesar de outros métodos de proteção, é indicado como uma das formas mais eficazes de prevenção.

Além do público homossexual, outro perfil atingido pela doença é o grupo das prostitutas. O Estado dedica esta reportagem para traçar um panorama acerca da doença e a posição do Maranhão no cenário nacional. É preciso ainda entender quais as angústias destas pessoas, saber as razões de seguirem esta rotina e, claro, o que estão fazendo para minimizarem a possibilidade de infecção.

Índices ainda preocupam

Mesmo com as campanhas de conscientização, a AIDS ainda registra números considerados preocupantes e que deixam as autoridades e especialistas em alerta. De 2007 até junho de 2020, foram notificados pelo Ministério da Saúde, 342.459 casos de infecção pelo HIV no Brasil, sendo 152.029 (44,4%) na região Sudeste, 68.385 (20,0%) na região Sul, 65.106 (19,0%) na região Nordeste, 30.943 (9,0%) na região Norte e 25.966 (7,6%) na região Centro-Oeste.

Em 2019, quando analisada a mortalidade por unidades da federação, 11 delas apresentaram coeficiente superior ao nacional, que foi de 4,1 óbitos por 100 mil habitantes: Pará (7,7 óbitos/100 mil hab.), Rio Grande do Sul (7,6), Rio de Janeiro (7,1), Amazonas (6,4), Amapá (5,8), Roraima (5,8), Maranhão (5,7), Mato Grosso do Sul (5,3), Santa Catarina (4,7), Mato Grosso (4,4) e Pernambuco (4,4). Como se pode constatar, o Maranhão – portanto – ainda integra o quadro de pessoas com índice de óbitos alto em virtude da doença. Os dados, na capital, são mais otimistas, porém que ainda exigem atenção e cuidados.

No cenário nacional, ainda de acordo com o Ministério da Saúde, desde 1980, foram diagnosticados 1.011.617 casos de AIDS no Brasil. No entanto, de acordo com autoridades, o número de casos de AIDS vem caindo desde 2013, de acordo com o último Boletim Epidemiológico de dezembro de 2020. Em 2019 foram diagnosticados 37.308 casos, em comparação aos 43.368 casos de 2013.

Se por um lado, o cenário regional preocupa, por outro os dados macros no âmbito nacional e, principalmente, na capital maranhense, explicitam um aparente maior controle. A preocupação com os públicos mais frágeis é apontada como um fator benéfico, neste caso.

O mundo das prostitutas: o medo do HIV em meio à pandemia

Um público ainda fragilizado e que vive em São Luís diariamente o medo e a incerteza do controle epidemiológico das infecções sexualmente transmissíveis é o das profissionais do sexo. Atualmente, de acordo com dados de entidades ligadas à defesa deste segmento, somente na capital, cerca de 3 mil pessoas usam o corpo para sobreviver.

Apesar das políticas específicas de orientação e encaminhamento dos públicos fragilizados para serviços específicos na Prefeitura de São Luís e outros do gênero, estas mulheres e gays que vivem desta forma são expostas a contatos com parceiros e parceiras que, muitas vezes, não entendem a importância da proteção.

E em meio à pandemia do coronavírus, o contexto de proteção ao público das profissionais do sexo torna-se ainda mais complexo. Mesmo com as fragilidades de identificação dos indivíduos enquadrados neste perfil (por migração e transporte de mulheres para outras regiões do estado para exploração sexual), a conclusão é que mais da metade das pessoas consideradas profissionais do sexo realiza ou busca realizar a relação sexual de forma segura.

Maria da Paixão Gonçalves, militante do Grupo “Por Elas Empoderadas”
Maria da Paixão Gonçalves, militante do Grupo “Por Elas Empoderadas”

Mesmo com o percentual em ascensão, é preciso avançar – entendem os especialistas. “Trata-se ainda de um público de certa forma marginalizado, visto com preconceito. É preciso avançar em políticas que entendam o perfil destas pessoas e, acima de tudo, possam dar mais proteção humana e social a estas pessoas”, disse o coordenador do Programa IST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde (Semus), Wendell Alencar.

A ativista e uma das coordenadoras da Rede Nacional de Prostitutas, Maria de Jesus Costa, cita que há 30 anos não se falava em sexo seguro. “Neste período, na verdade, se falava em doença venérea, muito presente na vida das profissionais do sexo, que finalizava no câncer. O nome doença sexualmente transmissível não se falava, se falava de gonorreia, cavalo de crista e muitas outras coisas. Tomava-se penicilina para tirar a infecção”, disse.

Ela descreve que a proteção no período, nos quartos dos prostíbulos ou “cabarés” era uma bacia e uma toalha. “Era isso que se usava como forma de proteção. Então se usava por exemplo, sabão em pedra para se proteger, ou sabão de coco, para se assear. Achava-se assim que se estava limpa e protegida. E não estava. A mulher se limpava após dar para o homem e depois ia para a próxima”, disse.

Atualmente, as mulheres – em grande parte – se conscientizaram da importância do papel unido que desempenham na sociedade. Prostituta de 1998 a 2005 e atualmente militante na causa, a representante do Grupo “Por Elas Empoderadas”, Maria da Paixão Gonçalves, cita a instalação de 20 a 25 prostíbulos na capital. Segundo ela, em parceria com o poder público, todos os locais são monitorados. Na semana passada, um prostíbulo na BR-135 foi visitado pelas equipes da Semus e do Grupo.

Para ela, a proteção contra doenças depende de cada mulher ou gay. “Antigamente, para a gente se proteger, colocava-se a camisinha na boca ou na vagina para o homem não perceber. Alguns se irritavam, cheguei a apanhar certa vez. Mas sobrevivi. Senti vontade de tirar a minha própria vida, mas atualmente tenho dois filhos formados e uma rotina que amo”, afirmou.

“Vivo com amor, um dia de cada vez!”, diz homem que vive com AIDS na capital

O preconceito e outras mazelas da sociedade em geral ainda fazem com que as pessoas se “escondam” e não digam, às vezes, suas enfermidades. A cautela é compreensível, em meio ao perfil que ainda analisa indivíduos por questões raciais, sociais e outros fatores.

A O Estado, o representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS no Maranhão, Ricardo Santos, de 56 anos, aponta que atualmente são 11 mil pessoas identificadas por exames e testes rápidos com o HIV. “Claro que se deve tomar mais cuidados, mas trata-se de uma vida como outra qualquer, que deve ser eximida de preconceito”, disse Santos.

Ricardo Santos, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS
Ricardo Santos, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS

Para ele, a rejeição às pessoas que vivem com HIV parte de quem não registra o entendimento claro da doença. “Se você segue com os tratamentos, todos os pré-requisitos e principalmente com as medicações e cuidados necessários, não há por que razão temer”, disse.

Ele descobriu o vírus em seu organismo há 23 anos. “Fiz relação sexual e desconfiei por um comentário da outra pessoa. Lembro-me que, na ocasião, fiz três exames até confirmar exatamente o que tinha. Não quis acreditar que tinha em um primeiro momento”, afirmou.

Sobre a vivência dele a partir do diagnóstico e, principalmente, a relação com a Covid, o representante aponta aumento do preconceito a partir da doença. “As pessoas já registravam uma rejeição clara a nós como público, e isso elevou-se com a Covid. No entanto, vivo um dia de cada vez e isso que importa. Quem estiver recluso ou reclusa, que procure uma unidade, faça o exame, se trate e viva sua vida”, disse.

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Desde o início da pandemia, os públicos que vivem com a AIDS ou o HIV também foram ou são citados entre os que são contemplados com a vacinação contra a Covid-19. Por ora, não há uma relação científica entre uma e outra doença.

De acordo com dados da Semus, até o momento, a capital registra 669 pessoas com o HIV e vacinados contra a doença. Entre os locais que vacinam, estão o Centro de Testagem e Aconselhamento do Anil, do Lira, além do Serviço de Apoio Especializado do Bairro de Fátima e o Hospital Presidente Vargas.

Quadro em São Luís: otimismo, mas com alerta!

De acordo com a coordenação do setor que cuida das Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria Municipal de Saúde (Semus), registra-se uma queda no número de casos e óbitos da AIDS de forma gradativa. No entanto, considerando apenas o período entre os anos de 2014 e 2019, última atualização do perfil epidemiológico, é observada uma variação de mortes e redução de mortes no último ano de análise.

Entre 2014 e 2019, último balanço atualizado dos casos da AIDS na capital, foram registradas 2.856 ocorrências da doença, ou seja, casos comprovados da enfermidade na capital maranhense.

Em 2015, com 527 casos, foi o período com maior registro de ocorrências da doença no período citado. Quanto a óbitos, ainda de acordo com a SES, foram 554 óbitos no período entre 2015 e 2019 em virtude do vírus da AIDS. Há seis anos, com 136 mortes, foi o ano com maior índice de mortes neste período.

Médico Bernardo Bastos
Médico Bernardo Bastos

Experiência no tratamento e apoio: o médico que cuida de pessoas com AIDS

Integrante do grupo “Médico sem Fronteiras”, que auxilia pessoas em todo mundo na assistência da saúde, o médico Bernardo Bastos, que integra a equipe de assistência do Centro de Saúde do Bairro de Fátima, se orgulha da assistência a este público.

Com experiência de quase dois anos de trabalho no Zimbábue (país do sudeste africano), em Harare na capital e em cidades próximas, o médico viu as mazelas da AIDS no continente. “Há incidência de jovens e mulheres. As taxas de infecção são altíssimas e, em termos de comparação, apesar de precisarmos de avanços, estamos à frente”, disse a O Estado.

Porém, em avanços na política de assistência, o médico ainda vê demandas a serem suprimidas. Segundo ele, a identificação dos potenciais casos é o principal desafio. “É preciso contar com o diagnóstico antecipado para facilitar o trabalho de construção do perfil do paciente e encaminhamento para tratamento”, afirmou.

Números

Casos diagnosticados de AIDS (entre 2014 e 2019)* na capital

2014 – 473 casos
2015 – 527 casos
2016 – 436 casos
2017 – 519 casos
2018 – 486 casos
2019 – 415 casos

Óbitos ocasionados de forma comprovada por AIDS em São Luís

2015 – 136 óbitos
2016 – 121 óbitos
2017 – 94 óbitos
2018 – 88 óbitos
2019 – 110 óbitos

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde (Semus)

*Resultados de 2020 somente no fim do primeiro semestre de 2021

Ação de vacinação contra a Covid-19 para pessoas vivendo com HIV na capital

CTA Anil: 142 doses aplicadas.

Hospital Presidente Vargas: 249 doses aplicadas.

SAE Fátima: 217 doses aplicadas.

CTA Lira: 61 doses aplicadas.

Total: 669 doses aplicadas

Alguns fatos históricos da AIDS entre 1980 e 1990

1980
Ano em que o boletim epidemiológico reporta o primeiro caso de AIDS no Brasil, reconhecido dois anos mais tarde

1981

Reconhecimento da HIV/Aids como uma epidemia, pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA

1982
14 países relatam ter casos de AIDS

1983
No dia 12 de julho, é publicada a seguinte manchete acerca de caso de AIDS no país: “Brasil registra dois casos de câncer gay”

1985
Ocorre a primeira conferência internacional de AIDS em Atlanta (EUA): 51 países anunciam ter casos de AIDS entre suas populações

1987
62.811 casos de AIDS em 127 países são relatados à OMS

1988
Instituído o 1º de dezembro como Dia Mundial de Luta contra a AIDS, com o tema: “Junte-se ao esforço mundial”

1990
Mais de 307 mil novos casos de AIDS são reportados à OMS; estimativas falam em quase 1 milhão de casos

Fonte: Ministério da Saúde (MS)

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