Saúde

40 anos do reconhecimento da AIDS como uma epidemia no mundo

O Estado traça uma cronologia da doença, neste 5 de junho, que marca as quatro décadas dos primeiros casos da enfermidade, que continua a ser um dos grandes desafios para a saúde global

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Aids foi identificada como epidemia há quatro décadas
Aids foi identificada como epidemia há quatro décadas

São Luís - Em 5 de junho de 1981, no boletim do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, foi descrito o caso de cinco jovens homossexuais da Califórnia, internados inicialmente com pneumonia. Destes, dois haviam falecido quando o relatório fora divulgado. Dentre os perfis, pessoas entre 29 e 36 anos, descritos como “saudáveis” antes de serem acometidos com uma doença. A chamada PCP - uma consequência do então vírus desconhecido - foi identificada como um agravante que atingia os pacientes em seus sistemas imunológicos. O fato chamou a atenção dos médicos.

Há exatos 40 anos, a AIDS era identificada oficialmente como uma doença epidêmica e, no ano seguinte, a doença foi denominada Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, Sida, em inglês AIDS. A pandemia da AIDS continua a ser um dos grandes desafios para a saúde global.

Após a PCP, pessoas começaram a falecer a partir de um tipo raro de câncer – o sarcoma de Kaposi, a partir de perfis de pessoas gays. Na oportunidade, foi criada uma força-tarefa para o combate das infecções oportunistas. Era o pontapé, ainda que desconhecido na época, de uma das doenças mais mortais da história da humanidade.

Segundo pesquisas, anos mais tarde, a doença surgiu a partir de um vírus chamado SIV – encontrado no sistema imunológico dos chimpanzés e do macaco-verde africano. No Brasil, apesar de reconhecimento da presença da doença a partir de 1980, porém a comprovação científica que ligara as mortes à AIDS somente ocorreu dois anos mais tarde.

A AIDS, posteriormente, comprovou-se como uma doença infecciosa e transmissível. Em 1983, o agente etimológico foi identificado, ou seja, um “retrovírus humano, atualmente denominado vírus da Imunodeficiência humana”.
Ao longo dos anos, nomes emblemáticos da sociedade em diferentes campos de produção cultural e intelectual não resistiram à doença.

Famosos morreram em decorrência da AIDS

De acordo com pesquisa de O Estado e registros da época, em 25 de junho de 1984, o filósofo, historiador e crítico literário francês, Michel Foucault morreu aos 57 anos de idade. Segundo jornais da época, a causa apontada da morte foi a AIDS. Pessoas próximas apontam que o pensador viveu por 20 anos ao lado de seu companheiro, Daniel Defert.

Quase quatro anos mais tarde, o cartunista mineiro Henrique de Souza Filho, mais conhecido como Henfil – herdou da mãe a hemofilia – distúrbio que impede a coagulação do sangue. A doença faz com que a pessoa enquadrada neste perfil está mais “suscetível” a hemorragias.

Ele passou a viver com o HIV a partir de uma das transfusões de sangue a que era obrigado a se submeter e morreu aos 43 anos de idade.

Em 20 de julho de 1989, o ator Lauro Corona – integrante de várias telenovelas como Dancin´Days, de Gilberto Braga, em que interpretou o jovem Beto, morreu aos 32 anos vítima de complicações decorrentes da AIDS, segundo imprensa da época. Uma das mortes mais marcantes e emblemáticas do período foi a de Agenor de Miranda Araújo Neto, mais conhecido como Cazuza.

Cazuza, um dos artistas nacionais levados pela AIDS
Cazuza, um dos artistas nacionais levados pela AIDS

O cantor e compositor morreu aos 32 anos vítima de complicações causadas pela AIDS. Em 1991, o vocalista da banda britânica Queen, Freddie Mercury, morreu aos 45 anos de idade, vítima de broncopneumonia (acarretada pela AIDS), um dia depois de se assumir, publicamente, soropositivo.

Em 1996, o líder da banda Legião Urbana, o músico Renato Russo morreu aos 36 anos após complicações causadas pela Aids. Um ano mais tarde, o sociólogo Herbert José de Sousa, também conhecido como Betinho. O sociólogo era portador da mesma doença do irmão Henfil.

Vítimas que, devido à ausência de informações ou esclarecimentos, sucumbiram pela falta de proteção imunológica.

Freddie Mercury também morreu em decorrência da AIDS
Freddie Mercury também morreu em decorrência da AIDS

Evolução da doença e tratamento

Em 1985, ocorre a primeira conferência internacional de AIDS, na cidade norte-americana de Atlanta. Na ocasião, 51 países anunciam ter casos da doença entre suas populações. Já no ano de 1987, o mundo estava mais espantado e assolado com a doença, pois 62.800 casos foram registrados até aquele ano em 127 países, de acordo com relatos da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O esforço em prol da doença vira campanha anual, com a instituição do 1º de dezembro como o “Dia Mundial de Luta contra a AIDS”. Na oportunidade, o tema foi “Junte-se ao esforço mundial”, em clara alusão à mobilização necessária em prol da doença, em especial nos países de terceiro mundo.

Em 1987, foi aprovado o AZT, a primeira droga com atividade contra o vírus. Embora os estudos mostrassem que o AZT prolongava a sobrevida dos doentes tratados na fase de aids já instalada, os benefícios do tratamento eram, em clínica, pouco convincentes.

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Os públicos ainda reprimidos e os desafios do combate à AIDS

Em 1990, novos dados da OMS apontam que mais de 307 mil casos da doença eram registrados até o citado ano. No entanto, novas estimativas falavam em um crescimento de pouco mais de um milhão de casos. Era o descontrole da doença em visão perceptível. O inimigo invisível havia se espalhado pelo mundo, apesar das tentativas frustradas até então de tratamento das grandes potências, como Estados Unidos e União Soviética.

No final de 1995, surgiram no mercado os inibidores de protease e um novo paradigma de tratamento: a associação de drogas. Foi uma revolução: nem o mais otimista de nós sonhava que a doença se tornasse controlável em tão pouco tempo. Medicações atualmente estão registradas no estoque das unidades de saúde da capital, como o SAE (Serviço Especializado) no Bairro de Fátima. O serviço será ampliado e terá modificações a partir do segundo semestre deste ano.

Além da estrutura de apoio, o monitoramento dos possíveis casos é fundamental. Nas últimas semanas, em alusão ao mês dos 40 anos da pandemia, a Secretaria Municipal de Saúde (Semus) promove atividades para identificação de pessoas com HIV. Na sexta-feira, dia 28 de maio, representantes do programa IST/AIDS estiveram na Praça Nauro Machado promovendo testes, distribuindo testes rápidos e dando orientações acerca do uso dos preservativos.

Estudantes de enfermagem cuidam de pacientes em hospital de Nova York, na décadas de 1980
Estudantes de enfermagem cuidam de pacientes em hospital de Nova York, na décadas de 1980

Legislação que protege

Em 2014, o Governo Federal, por meio da presidenta Dilma Rousseff, sancionou lei que considera crime a discriminação de pessoas portadoras do HIV e AIDS. Segundo a legislação, o crime, com pena de um a quatro anos de prisão, está previsto na Lei nº12.984, publicada no Diário Oficial da União (DOU).

Segundo o texto, “constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de AIDS, em razão da sua condição de portador ou de doente, qual seja, a de recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado”.

Saiba Mais

Benefícios futuros com o desenvolvimento de pesquisas contra a AIDS

- Diminuição da taxa de mortalidade relativa à AIDS

- Maior facilidade de acesso ao diagnóstico através da implantação dos testes rápidos na rede pública

- Facilidade de acesso aos preservativos nas unidades básicas de saúde e a Redução da transmissão vertical do HIV

Fique por Dentro

Como estamos hoje?

A mera prevenção e contabilização de mortes, ao longo dos anos, deu lugar a formas de tratamento e controle mais eficazes. A O Estado, o coordenador do Programa IST/AIDS de São Luís, Wendell Alencar, apontou mudanças no combate nos últimos anos. “Trabalhamos a prevenção sob a perspectiva combinada, implementando outras estrategias de controle da epidemia, não somente do HIV mas de outras ISTs [Infecções Sexualmente Transmissíveis], em que a medicação negativa a carga viral, contribuindo para uma qualidade de vida melhor, interrompendo a transmissibilidade do HIV”, disse.

A camisinha, segundo o gestor, não é a única forma preventiva. “A possibilidade de ter a própria medicação como prevenção, no caso da PREP. É um avanço dos tempos atuais em relação aos primeiros passos difíceis da doença”, afirmou Alencar.

Ele enfatizou ainda a presença da recusa na aceitação das pessoas com HIV. “Muitos direitos foram conquistados no mundo todo, mas que ainda precisam constar na pauta para novos avanços, na perspectiva da desconstrução de mitos, tabus e preconceitos”, finalizou.

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