Comentário

Um olhar para a saga Tribuziana

Idealismo, cultura e poesia se juntam numa existência passageira na obra do poeta ludovicense

José Fernandes/Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
(Bandeira Tribuzi)

São Luís- Por saudosismo, reli, nestes dias de obrigatório recolhimento, o livro Breve Memorial de um Longo Tempo, último da lavra de Bandeira Tribuzi, cidadão que cedo nos deixou e que tive o prazer de conhecer e com ele manter alguns bons contatos, a partir dos meus tempos na Umes (União Maranhense dos Estudantes Secundários), quando nós, dirigentes da entidade, aproveitávamos da sua vasta cultura, como conferencista convidado, ouvindo-o em esclarecedoras palestras sobre a realidade social e política do Brasil e do mundo. Com esse introito, reparto, com quem me lê, algumas breves recordações que dele me ocorreram.

Espírito pioneiro, da Universidade de Coimbra, em Portugal, onde se formou em Economia, trouxera consigo para o Maranhão um acendrado cabedal de conhecimentos da matéria, acrescido por desbravadora bagagem literária, da qual se utilizou para introduzir o Modernismo na poesia maranhense, influenciando os jovens beletristas a ingressar naquele Movimento renovador, após o lançamento do seu primeiro livro de poemas - Alguma Existência.

Admirando-o como conferencista e pensador, aproveitamo-nos de sua boa vontade e o levamos, Aziz Santos e eu, à nossa terra natal, onde desenvolvíamos um projeto cultural, e a juventude de Arari, atenta e respeitável, teve o privilégio de ouvi-lo em duas instrutivas alocuções, compatíveis com o nível instrutivo da plateia.

Dedicou-se ao estudo da realidade maranhense, notadamente sobre o setor produtivo e repassou esses conhecimentos aos discípulos na Faculdade de Economia; implantou projeto nessa área – projeto transformado em livro que alicerçou um planejamento estratégico para o nosso Estado, a quem servira, colaborando com o seu desenvolvimento social e econômico.

Como jornalista emérito, dividia com José Sarney a direção e a redação do jornal “O Estado do Maranhão”, e, fraternos amigos, redigiram memoráveis editoriais, que se tornaram antológicos na imprensa maranhense. Apesar de adotarem ideologias díspares (Sarney progressista liberal e Tribuzi teórico marxista), admiravam-se, mutuamente, o primeiro considerando-o o maior poeta do Maranhão, citando-o, em verso, quando presidente da República, no discurso de abertura de um Congresso Internacional, na ONU.

Apesar dos seus inúmeros afazeres, Bandeira Tribuzi, notívago, às vezes varava as noites em conversas amistosas com amigos habituais, distribuindo, nos bancos da praça João Lisboa, o seu saber diversificado e ideias lúcidas. Dormindo pouco, às seis da manhã já estava a caminho do mercado - obrigação caseira que cumpria diariamente, presenciada por mim, vizinhos que éramos, vizinhos, também, do grande poeta Nauro Machado.
Como suplente de deputado, teve cassados os seus direitos políticos, injustamente considerado subversivo pela ditadura militar de 1964. Preso e recolhido ao quartel do 24 BC, junto com outros líderes como Maria José Aragão, William Moreira Lima, José Mário Santos e outros, Tribuzi era um prisioneiro diferenciado – recebia a visita de oficiais daquela corporação, que se deslumbravam com a sua palavra fácil e culta.

Amistoso, gostava de chamar pela alcunha de poeta as pessoas que lhe eram próximas; prestimoso, ajudava a muitos que lhe solicitavam ajuda, e sacrificava-se ao acolher perseguidos políticos que de longe vinham em busca de abrigo e proteção. Era um misto de descrente religioso e de prosélito franciscano.
Musicista exímio, compunha e executava ao piano belíssimas canções, inéditas quase todas, com exceção da “Louvação a São Luís”, vitoriosa num festival de música, por um júri popular, hoje adotado como Hino Oficial de São Luís.

Ao completar 50 anos de idade, próximo ao seu prematuro falecimento, nessa mesma idade, como se fora um presságio, Tribuzi foi alvo de imprevisível e portentosa homenagem, por iniciativa de seus amigos e admiradores do Maranhão e do Brasil. Estive presente, como neófito repórter, num almoço comemorativo à data, ao ar livre, no antigo “Hotel Quatro Rodas”, quando, numa rara e feliz oportunidade, conheci pessoalmente, entre outros ícones da literatura, o então maior romancista das Américas – Jorge Amado, que viera da Bahia para prestigiar o companheiro de letras e ideais.

Seu nome próprio era José Tribuzi Pinheiro Gomes, mas foi com o pseudônimo Bandeira Tribuzi que se imortalizou, nome dado a um Memorial e a uma das pontes que unem a cidade histórica à cidade nova de São Luís - a Ponte Bandeira Tribuzi -, a mesma ponte que o presidente Figueiredo (aquele que dizia gostar mais de cavalos do que de gente) se negou a vir inaugurar, por repúdio à ideologia do homenageado.

Se estivesse vivo, estaria completando 94 anos, ele que fora um dos mais ecléticos e esclarecidos homens do nosso tempo, executor de uma obra que engrandeceu e engrandece, ainda hoje, a terra maranhense.
Tribuzi tem sido lembrado, constantemente, pela imprensa, e recebido louvores de destacados intelectuais. Mas ainda está a merecer uma substanciosa biografia, que evidenciará, inteiramente, as suas realizações, para perpetuá-las perante as gerações futuras.

*Da Academia Ludovicense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, autor, entre outros, do livro Ao Longo do Caminho

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