Homenagem

Uma carta para Arlete

Sílvia Furtado* / Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Arlete Nogueira  da Cruz  celebra 85 anos
Arlete Nogueira da Cruz celebra 85 anos (Arlete Nogueira da cruz)

Arlete querida,


Meu coração ficou contente quando soube que iria te escrever, mas quando o amor é grande, vem o medo de emudecer. Você sabe o carinho imenso e a admiração que tenho por você, mas que hoje, nesses seus 85 anos, coloco-os aqui em palavras.
Um dos momentos recordativos mais felizes da minha vida foi a minha temporada com você, Arlete Nogueira da Cruz! E sou muito grata por ter desfrutado dessa convivência: das tardes na rua dos Prazeres, do assoalho de parquet e da frondosa mangueira, da lembrança dos seus olhos profundos, sérios e sorrindo com delicadeza, da veemência com que expunha os pontos de vista e do gosto com que trazia recordações literárias, das conversas generosas contigo, com Nauro, Chagas e Flavio Reis.
Mas a proximidade não foi apenas física e intelectual, foi do nascimento de um amor quando da imersão nas suas letras, de uma densidade à flor da pele. Esse périplo começou bem antes dessa temporada, quando A parede chegou a mim e a admiração se instalou. Depois veio a Litania da Velha e foi o período mais intenso da temporada, foram meses de leitura imersa nos dísticos cujas palavras convocavam o respiro, o desejo, o não-saber profícuo que me levava a emaranhar na tessitura poética e a viver a suspensão. Depois vieram outros lançamentos, sempre admirando você atrás das flores, nas palestras e nos escritos. E eu, sempre insaciável, esperando por mais.
Nessa época, também, lembro-me de encontrar Fred, Murilo Santos, dona Geralda e seu sobrinho nas filmagens da Praia Grande, era o filme da Litania tomando forma e ali tinha vida pulsante.
Arlete, volto novamente aos versos de A litania da velha, primeiramente ao segundo dístico do poema, que enuncia a dor de viver:
- O tempo dói na ferida aberta da recordação.
E depois vou ao final do poema, ao único monóstico e ao último verso, que coloco aqui juntos:
O punhal enfiado no desvão da memória perfura o horror.
O gosto amargo que azinhavra e marca as palavras mortas.
pois eles mostram, retomando a enunciação do segundo dístico do poema, que as palavras, qual punhal enfiado no desvão da memória, perfuram o horror, demarcando o lugar vazio, fazendo-nos respirar nessa suspensão poética. Assim, a beleza jaz nas palavras que morrem e dão vida.
Arlete querida, essas palavras mortas dão vida e a tornam imortal, mas mesmo assim, desejo-lhe os melhores 85 anos de vida e que venham muito mais!
Com carinho, afeto e amor, Sílvia Furtado

*Sílvia Furtado é professora

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