Homenagem

A prosa e a poesia de Arlete Nogueira da Cruz

Arlete Nogueira da Cruz celebra 85 anos como uma escritora completa no amadurecimento pessoal e artístico

Ceres Costa Fernandes* / Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Arlete e Nauro Machado: companheiro de vida
Arlete e Nauro Machado: companheiro de vida (Nauro e Arlete)

São Luís - Arlete Nogueira da Cruz (Machado) faz 85 anos, gentil menina, não levemos em conta o enganoso calendário, passou levemente pelo tempo, do modo como perpassa por entre as gentes, com elegância e delicadeza. Quem tem o privilégio da sua convivência sabe, no entanto, que esta suavidade oculta uma vontade férrea, uma fé inquebrantável em seus objetivos, focados e realizados com método e denodo. Inda mais se disserem respeito à obra de seu amado companheiro, amor maior, que divide com o filho Frederico e os três netos, o seu universo de amores. Sem perder nunca, jamais a gentileza e o savoir faire, deve-se registrar.

O lugar de nascimento de Arlete é emblemático, nasce na estação ferroviária de Cantanhede, município no interior do Maranhão, em 1936. Lugar de passagem. Cantanhede está posto entre a ferrovia e o Rio Itapecuru. O ir e vir de pessoas, pessoas chegando, pessoas partindo, pessoas de passagem, enriqueceu o imaginário da menina de viva inteligência que a tudo observava, ajudando-a a criar cenário mágicos, tipos e personagens. A memória do Rio Itapecuru vai repercutir fortemente na sua criação literária, mais diretamente, na fábula O Rio, escrita em 1967 e publicada somente em 2011, foi inspirada nos lugares, gentes, lendas, encantados e animais, que vivem e habitam no imaginário dos ribeirinhos do Rio Itapecuru da sua infância.

Começou cedo a sua vida literária. De família com tradição literária – sua mãe, Enóy Nogueira da Cruz, que adotava o pseudônimo de Márcia Queiroz – era poeta e colaborava como colunista em jornal, incentivava a filha nas lides literárias. Foi normal para Arlete o que era proibido a outras “moças de família” dos anos de 1950 e 60, escrever em jornal, a convivência com grupos de intelectuais e poetas que se reuniam para conversar sobre literatura e, por que não? Beber. Arlete tudo acompanhava, não bebia cerveja, tiquira, absinto, que sei eu? Bebia as palavras, os poemas, as discussões acaloradas, entre outras coisas, de como salvar o mundo, sempre perdido, sem remédio.

A esse respeito, Arlete revela: “início dos anos 60 ainda, os mais chegados a mim eram justamente, José Chagas, Antônio Almeida, Nauro Machado, Henrique Moreira Lima, Bandeira Tribuzi, Luís de Mello, José Maria Nascimento, Paulo Morais. Nas tardes de sábado, impreterivelmente, eu já podia esperar, lá vinham eles: Antônio Almeida, José Chagas com seu inconfundível saxofone, e Paulo Moraes, disposto a cantar e dançar.[...] “De minha casa, o grupo saía para um barzinho que ficava ali perto, na Rua São Pantaleão, e uma vez insistiram tanto comigo que acabei indo com eles, dia em que fiquei a tomar um guaraná com Bandeira Tribuzi, que conseguiram também arrastar até lá, Tribuzi não bebia cerveja e morava perto de mim, numa porta e janela, na Rua da Inveja.” (Sal e sol, 2011). Tal como Lucy Teixeira e Dagmar Desterro, outros faróis em meio à literatura feminina maranhense, em outras décadas, era a única mulher do grupo.

Arlete é uma das nossas grandes escritoras, uma escritora completa no amadurecimento pessoal e artístico. Prosadora, circula com o seu trabalho, tanto no ensaio literário (Sal e sol e Nomes e nuvens), quanto na prosa de ficção com seus romances, fábula e contos. Em 1961, Arlete Nogueira da Cruz lançava o romance “A Parede”, incentivada por Josué Montello, que, de tão cativado pela obra, “levou o livro para o Rio, andou com ele pela ABL, conseguiu editor, escreveu-lhe generosamente o prefácio e depois publicou uma crônica elogiosa no Jornal do Brasil”. Como nos conta a própria autora, em “Sal e sol”.

“A parede” marca fortemente a carreira literária da escritora, dando-lhe o incentivo e o selo que sua criatividade pedia como prosadora, continuou reverberando em “Cartas da paixão” (ensaios), “Compasso binário” (romance), e “Contos inocentes”.

Não se espere de Arlete uma prosa ou mesmo poesia de arroubos, e hermetismos, as emoções são delicadas, há um refinamento que se aproxima da singeleza e perfeito domínio da linguagem, em tudo perpassa a leveza e a elegância pessoais da escritora. Os romance e contos, colocam-se na categoria dos filosóficos, não fosse ela professora de Filosofia, focam mais no não-dito, no universo interior, e reflexões sobre o que é humano.

Arlete diz que se considera mais prosadora que poeta, mas afirmo que ela brilha nos dois gêneros. Talvez o fato de ter vivido toda uma vida ao lado de um poeta exponencial como Nauro Machado, a tenha levado, de certa forma, a minimizar o valor da sua obra, mas só “A Litania da velha” já bastaria para consolidar o seu lugar na poesia maranhense. Seguem-se “Canção das horas úmidas” e o encantador “O quintal”.

Em “Litania da velha”, a protagonista, a Velha, é uma representação da própria cidade de São Luís. Cidade e pessoa se identificam marcadas pelo abandono e pela metamorfose do desgaste do tempo, representado metaforicamente na cidade pelo salitre e na velha pelos trapos que a vestem e os desgastados chinelos que arrasta.
Arlete prosadora, poeta, administradora atuante de vários órgãos culturais do Maranhão, que mais nos apresenta? A outra faceta de Arlete é o seu compromisso de amor com Nauro e sua obra. Além de proporcionar condições para que ele criasse a sua poesia, ela dedicou e dedica grande parte de sua vida à organização e divulgação da obra de Nauro Machado, um poeta que ultrapassou as fronteiras de nossa província e se tornou dos maiores do Brasil, seu marido e companheiro por mais de 44 anos. Após a sua morte, seu trabalho se concentra na reunião e edição de seus inéditos, em número de seis, sendo que o primeiro, “Canções à roda nos pés da noite”, já se encontra pronto para ser lançado, esperando melhores momentos.

Não se pode pensar Arlete sem Nauro; não se pode pensar Nauro sem Arlete. Nestes 85 anos, estão de parabéns Arlete e a prosa e poesia maranhense.

*Ceres Costa Fernandes é escritora

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.