Opinião

Se fosse padre seria …

Sarney foi politicamente e intelectualmente realizado contabilizando inúmeras conquistas ao longo da vida

Fernando Novaes* / Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
José Sarney é escritor e político
José Sarney é escritor e político (Sarney)

Fernando Novaes*
Especial para o Alternativo

São Luís - Quando pretendo fazer uma crônica puramente jornalística, não consigo desamarrar-me de minha veia poética. Isso, às vezes, me leva a não obedecer ao fato como real, objetivo.

Reconheço que o eu lírico, o subjetivismo e minha linha literária ficam permeando a crônica.

Nasci em Coroatá, criei-me em Pirapemas, de Viriato Corrêa e João Lisboa, eduquei-me, em parte, em Recife (Marista e Colégio Nóbrega). Excetuando Recife, a Estrada de Ferro São Luís – Teresina era o transporte, quase único, que interligava esses municípios e, em especial, levava-me até o fim da viagem: Engenho D’água, de Caxias, que hoje é meu segundo domicílio.

Era uma viagem maravilhosa, rica de belas paisagens que margeavam o rio Itapecuru, proporcionando muito prazer, alegria e música do poeta popular João do Vale.
Em 1958, ainda adolescente, em Coroatá, soube que foi eleito deputado estadual um jovem, da oposição, José Sarney, com a maior votação. Depois disso, deputado federal, governador, senador, presidente do maior partido da América Latina, vice-presidente da república, presidente da república e, por fim, discursou na ONU.

Quem teve, no Brasil, ou em outros países essa trajetória política? Sei que muitos ex-presidentes ficaram “enciumados" para não dizer aquele velho sentimento: inveja.
Grandes estudiosos, renomados psicólogos e psiquiatras afirmam que todo invejoso é talentoso. Só podemos ter inveja de algo muito significante, memorável, eminente.
Temos muitos exemplos na história. Um bem relevante é o filme “Amadeus”. O compositor que o invejava era de grande talento, o mais respeitado e admirado na época, Salieri, mas via Amadeus como superior a ele. Ninguém pode sentir inveja da mediocridade, da insignificância, aí a afirmativa mais uma vez: “todo invejoso é talentoso”.

No Brasil, podemos citar inúmeras personagens que poderiam ser invejadas: Pelé, Garrincha, Guga, Éder Jofre, Maria Ester Bueno, Marta Rocha, Emerson Fittipaldi, Ayrton Senna, Tiradentes, Chico Mendes, Noel Rosa, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Roberto Carlos, Santos Dummont, Oswaldo Cruz, Oscar Niemeyer, Machado de Assis, Portinari, Lúcio Costa, Chico Buarque, Gonçalves Dias, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, Ferreira Gullar, João do Vale, Joãozinho Trinta, Alcione – a Marrom – Papete e tantos outros.

Voltando ao José e Sarney, quando de um carnaval, em São Luís (que já foi o 3° do Brasil; Rio, em 1° e Recife, em 2°), estava eu, minha família e amigos, na Rua do Passeio, em frente a casa da família Sarney, e, devido ao estado etílico de alguns, inclusive eu, precisamos do apoio da casa e lá fomos muito bem recebidos por todos.
Conversei demoradamente com ele, relatando fatos aqui já registrados na crônica. Fiquei impressionado com sua delicadeza e seu modo de escutar as pessoas, com muita atenção.

No início de sua carreira política, eu – um jovem que amava os Beatles e a Jovem Guarda - admirava-o bastante por fazer oposição ao viturinismo. Nunca me esqueci de um discurso seu quando candidato a governador: “Das dunas de Tutóia às barrancas do Gurupi ecoa uma voz nova...”.

Daí, já tínhamos, também, um outro Sarney: o intelectual. Essa crônica não se propõe a fazer uma análise literária de suas obras. Li-as e as considerei de grande valor literário, documental e ficcional. Lembro-me de uma passagem em uma de suas histórias (estórias): “Nunca vi cemitério de covarde nem valente de cabelo branco”.

Politicamente, não segui sua trajetória. Na época do bipartidarismo, fui filiado ao MDB, fazendo parte do Diretório. Depois filiei-me ao PT, sendo vice-presidente. Tive uma ligeira passagem pelo PSDB (aquele de ex-exilados de centro-esquerda, com ideias progressistas). Essa breve passagem foi devido aos grandes conflitos no PT do Maranhão. Hoje, sou filiado ao PCdoB.

Também, como professor - 50 anos de Magistério em 65 Instituições de Ensino (quem sabe Livro dos Recordes - Guinness Book) estou engajado numa melhor política educacional do Maranhão.

Ratificando, na política, Sarney foi de deputado a orador na ONU. Politicamente, realizado.

Na literatura, é membro das Academias de Letras maranhense, piauiense, brasiliense, brasileira e de Ciências de Lisboa. Intelectualmente, realizado.

Enfim, Sarney só não é Papa porque não foi padre.

*Fernando Novaes é professor de Língua Portuguesa, Literaturas e Membro da Academia Atheniense de Letras e Artes (AALA).

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.