Fé e proteção sanitária

Fechar ou não fechar templos e terreiros para conter a Covid-19

O Estado ouviu representantes de manifestações religiosas acerca do tema; pensamento é unânime que é necessário equilibrar a preservação do exercício do culto e das medidas sanitárias

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Igreja Católica concorda com o STF, mas pensa em flexibilização com restrições
Igreja Católica concorda com o STF, mas pensa em flexibilização com restrições

São Luís - A liberdade de crença e consciência está prevista na Constituição Federal. Diz o artigo 5º da Carta Magna que é “assegurado o livre exercício dos cultos religiosos”. Desta forma, está garantido na lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

No entanto, devido à pandemia do coronavírus, foi estabelecido pela sociedade brasileira o dilema entre a garantia de manter esta prerrogativa constitucional e priorizar a proteção das pessoas, já que as principais manifestações religiosas nacionais suscitam a reunião e aglomeração de fieis e seguidores.

Recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve a legalidade do estabelecimento de proibições de manifestações religiosas no estado de São Paulo, com clara repercussão em outros territórios, trouxe à tona o dualismo entre a liberdade para a prática de crenças e cultos de fé e o controle epidemiológico.

Ainda que com possibilidades de promoção de missas, cultos, reuniões e trabalhos de forma online, determinados credos veem a presença física dos fiéis e seguidores como fundamental para o estabelecimento pleno das atividades. O Estado ouviu representantes do catolicismo, do segmento evangélico, do espiritismo e das religiões de matriz africana, para saber o que pensam dessa dicotomia.

O choque de dois direitos (o da fé e o da proteção sanitária com garantias claras do Estado) é um assunto que suscita debates. O objetivo desta reportagem não é fazer prevalecer uma religião sob a outra e sim esclarecer o leitor acerca do tema e o que os diversos credos executam para manter a força da fé, ao mesmo tempo mediante o controle relativo da Covid-19.

Entenda a decisão
No dia 8 de abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos votos (9 a 2), decidiu manter a restrição temporária da realização de atividades religiosas coletivas no estado de São Paulo. A Corte teve o entendimento de que tal proibição, neste caso, não fere o chamado “núcleo essencial da liberdade religiosa e que a prioridade do atual momento é a proteção à vida”.

Logo, a Corte Suprema considerou constitucional o dispositivo do Decreto Estadual nº 65.563, de 2021 que, em caráter emergencial, vedou excepcionalmente a realização de cultos, missas e “outras cerimônias religiosas” a fim de contar a disseminação do coronavírus.

Para o ministro do STF, Gilmar Mendes, a imposição de tais proibições, além de não violar o direito à liberdade religiosa, foi corroborada em nova Nota Técnica do Centro de Contingência do Coronavírus.

A partir do parecer do Supremo, cada religião teve o seu próprio entendimento acerca da manutenção e extensão ou não acerca das medidas de proteção sanitária.

Oferendas ainda são colocadas em terreiros afro para manter a fé, na pandemia
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Posicionamento estadual
O Governo do Maranhão já havia acatado parcialmente a manifestação do Supremo, mantendo as atividades religiosas, no entanto, com restrições.

O Decreto nº36.653, de 5 de abril de 2021 alterou o artigo 11 do Decreto nº36.531, de 3 de março de 2021, e passou a vigorar com outra redação. Ou seja, “o nível de ocupação máxima do templo ou congênere” seria inicialmente limitada a 25% da respectiva capacidade. E ainda deveria se estimular o uso, entre os frequentadores, de máscaras faciais para proteção, do distanciamento entre os indivíduos e adotadas medidas para que o “ambiente seja o mais arejado possível”.

No entanto, na sexta-feira, 16 de abril, o governador do Maranhão, Flávio Dino, determinou a capacidade permitida de templos para 50%, com precaução necessária para as pessoas consideradas idosas ou de grupos risco. Além desta medida, outras foram anunciadas como a permanência de aulas online em escolas públicas, escolas privadas no modelo híbrido e comércio das 9h às 21h.

As medidas são válidas, de acordo com o governo maranhense, às instituições religiosas em todo o estado. A ação do Maranhão reforça o entendimento do STF e as religiões opinam sobre o tema.

Catolicismo: reabertura das igrejas mediante medidas
Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, existem 40 grupos religiosos no país. No referido levantamento, 64,6% dos brasileiros se declararam católicos. Sobre o entendimento do STF, a representação máxima da religião entende as normas de proteção, no entanto, defende a adoção de medidas de proteção mais flexíveis.

A O Estado, o coordenador da Ação Evangelizadora Missionária da Arquidiocese São Luís, Maranhão, padre Jadson Borba, disse que a vida deve ser protegida, mas que a fé é fundamental para a passagem pelas grandes adversidades da humanidade.

“Nós entendemos que a decisão do STF tem um princípio basilar, com base na palavra. A vida é um dom supremo que deve ser preservado, ainda mais durante a pandemia. A Igreja Católica, bem como as demais instituições, vem se reorganizado a partir de normas que são colocadas”, disse.

Para o padre, algumas medidas vêm sendo tomadas. Em março do ano passado, as igrejas católicas foram fechadas e em julho do mesmo ano houve retomada gradativa das atividades.

“A igreja representa de modo simbólico uma dimensão do ser humano, uma vez que o homem está privado de alguns convívios. Nós enquanto Igreja Católica acompanhamos as normas governamentais. Se for para fechar, acatamos. No entanto, a assistência espiritual é de suma importância para a humanidade e esse trabalho nos faz entender que é fundamental estarmos conectados de alguma forma com os fiéis para superarmos este momento tão difícil para a humanidade. Logo, defendemos um protocolo que garanta as igrejas abertas, ainda que de forma restrita”, afirmou o padre Jadson.

Orientação majoritária
A manifestação do relator orientou a decisão majoritária da Corte. O ministro Gilmar Mendes votou pela improcedência da ação a fim de que seja mantida a aplicação do artigo 2º, II, “a”, do Decreto nº 65.563/2021.

Para Mendes, a imposição de tais proibições, não viola o direito à liberdade religiosa. Os dados, relacionados ao avanço da pandemia, revelam o elevado risco de contaminação das atividades religiosas coletivas presenciais.

Esse entendimento foi acompanhado por outros oito integrantes do Tribunal. Seguiram o relator os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Luiz Fux e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Abriu divergência o ministro Nunes Marques, que votou pela inconstitucionalidade da norma paulista, destacando que a Constituição protege a liberdade religiosa. Ele foi seguido pelo ministro Dias Toffoli. Em seu voto por exemplo, Nunes Marques destacou a importância da religião na vida do ser humano.

Distanciamento entre fiéis é mantido em templos evangélicos
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Evangélicos: proteção à vida é importante
Membros de comunidades evangélicas ouvidos por O Estado entendem que a decisão do STF não proibiu a atividade religiosa. A interpretação é que as medidas tomadas pela instância máxima do Poder Judiciário corroboram às determinações de proteção sanitária.

Para o pastor-presidente da Assembleia de Deus em Timon (MA), Euvaldo Sá, que há 21 anos é líder da comunidade na referida cidade, aponta que o contexto vivido pela sociedade em virtude da pandemia é “inédito e desafiador”. Para ele, a manifestação do Supremo deu mais condições para a prática religiosa.

“A última decisão do STF é somente uma confirmação do que havia sido acordado antes da pandemia. Ou seja, dando total autonomia aos estados e municípios acerca da covid. E os cultos estão nesta seara. Logo se os estados definirem pelo fechamento, nós acataremos. Do contrário, da mesma forma. O Supremo não proibiu a prática religiosa e sim deu mais peso às decisões dos estados e municípios”, disse.

Para ele, o fato de que a religiosidade apregoa – em determinadas correntes – que a fé supera intercorrências naturais deve ser vista de forma relativa. Segundo o pastor, é preciso confiar nas autoridades públicas que monitoram o controle da doença, em especial, no âmbito do estado do Maranhão.

“Se a situação for considerada grave, logo os estados devem respeitar e suspender os atos religiosos. Eu concordo e sempre defendi essa autonomia dos estados, já que as autoridades têm prerrogativa para definir o que é melhor para a população. Eu tenho amor pela vida e não posso corroborar com aqueles que usam somente o ato religioso em si em nome da fé e deixam as pessoas em risco. Nós somos suscetíveis às infecções, às contaminações, à transmissão de qualquer vírus, não estamos imunes somente por que somos religiosos. Tudo o que ajuda a saúde pública sou a favor”, afirmou.

Já o Conselho Eclesiástico da Igreja Cristã, em São Luís, emitiu nota sobre o parecer do STF. Para a entidade, a decisão deve ser analisada no contexto de cada igreja. De acordo com a nota, “cada igreja tem uma realidade que deve ser considerada” e logo “ambientes fechados, pequenos e sujeito a grande quantidade de pessoas, certamente oferecem maior risco de contaminação”.

Por decisão do conselho, nas unidades da Igreja Cristã, “apenas o culto de domingo foi retomado, respeitando o limite de 25% estabelecido por decreto estadual”, com base no Decreto nº36.653, de 5 de abril de 2021.

SAIBA MAIS

Nota da Igreja Cristã Base

Cada igreja tem uma realidade que deve ser considerada. Ambientes fechados, pequenos e sujeito a grande quantidade de pessoas, certamente oferecem maior risco de contaminação. Já igrejas que possam oferecer a segurança sanitária necessária a seus membros, devem funcionar sim, desde que seguindo todas as regras estabelecidas. Na Base, os cultos presenciais estavam suspensos, mesmo sem esta obrigatoriedade. Por decisão do Conselho Eclesiástico, após pesquisa formal entre os membros da igreja, apenas o culto de domingo foi retomado, respeitando o limite de 25% estabelecido por decreto estadual. A presença no templo é garantida por meio de inscrição prévia, feita direto no aplicativo da igreja. Outras providências é o uso obrigatório de máscara; higienização de cadeiras e dependências da igreja; disponibilização de álcool em gel; aferição de temperatura; e distanciamento dos assentos.

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