Artigo

A pobreza e a década perdida

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17

A sentença fatal, na forma da batida expressão “década perdida”, parece perseguir o destino dos brasileiros. Essa semana, um estudo sobre os dados do IBGE, em seu Plano Nacional de Amostra de Domicílio Contínua, declara que, em 2020, os muitos pobres ficaram mais pobres e os poucos ricos mais ricos.

O abismo entre ricos e pobres ficou bem maior e mais de 2,5 milhões de brasileiros foram incluídos na terrível categoria dos paupérrimos, aqueles que “vivem” com uma renda mensal de até 89,00 reais.

A Covid-19, sem dúvida, contribui muito para o agravamento dessa desigualdade econômica e social de momento, mas, é bom lembrar, a curva de empobrecimento do Brasil vem já de décadas, com um abrandamento entre 2008 e 2012 e um agravamento vertiginoso a partir da recessão de 2015.

Números e dados aterradores, porém, numa perspectiva filosófica e com a análise das informações de longo prazo, podia ser pior.

O filósofo contemporâneo, Stephen Hicks, nos rememora que em 1834 a expectativa de vida do homem beirava os 35 anos. Morria-se cedo. Então, nessa época, o homem dito como um dos mais rico do mundo, Nathan Rothschild, do alto dos seus 58 anos, podia comemorar sua longevidade.

Em boa forma física e com todos os recursos humanos e materiais à sua mão, Rothschild poderia esperar viver ainda mais tempo. Porém, em julho do mesmo ano, faleceu assistido pelos melhores e mais renomados médicos da Europa, motivo, um furúnculo nas costas. Toda a riqueza do multimilionário não fora capaz de resolver o problema que hoje, trivialmente, seria solucionado pelo mais desafortunado paciente.

Isso porque a penicilina - que salvaria Rothschild com facilidade - só seria descoberta em 1928, por Alexandre Fleming, em Londres. O primeiro antibiótico, revolucionando a medicina, embalaria novas descobertas e empurraria a expectativa de vida da humanidade.

Esse fato verdadeiro serve para nos provocar e o filósofo americano, basicamente, tenta dizer que hoje somos muito mais ricos do que o mais rico dos homens do século XIX, ao menos relativamente.

É um raciocínio válido, a filosofia agradece, mas não atenua a gravidade da situação. Embora o homem seja fruto de sua História e do tempo, o que impacta sua vida é a atualidade, o agora ou, quando muito, o futuro próximo. Afinal, por mais que seja inegável o avanço da medicina nos últimos dois séculos, milhões ainda morrem pelo mundo, vitimados por um germe invisível. Invencível o vírus não é, mas a vacina salvadora ainda parece distante para a maciça maioria da população.

Enfim, o enriquecimento histórico da humanidade, permitindo uma maior qualidade e quantidade nos anos vividos, não serve de alento quando o aqui e agora são de pobreza e até de extrema pobreza, para milhões de brasileiros e centenas de milhares de maranhenses.

Entre números, dados, circunstâncias históricas e justificativas mil, a sina da “década perdida” é lamento recorrente no Brasil. Da Ditadura aos tempos de hoje, passando pela redemocratização, descontrole inflacionário e crises econômicas e políticas seguidas o país avança e recua em solavancos tal qual um velho caminhão de mudança improvisada em estrada de terra. Entre soluços de desenvolvimento econômico e social e lampejos - raros - de acertos de política de governo, o Brasil patina em sua distribuição de justiça social.

Humano, social e economicamente falando, a pobreza é o grande mal a ser vencido. As “décadas perdidas” precisam dá lugar aos tempos de progresso, de geração e partilha de mais riqueza. Se, em uma perspectiva histórica, o avanço social é inquestionável, a pobreza ainda precisa ser efetivamente combatida para que décadas vitoriosas venham.

Márcio Coutinho

Advogado, escritor e membro do IHGM

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