Reconhecimento

Para ressurgir da sombra

Luiz Franco de Mello é um dos últimos remanescentes dos grandes pesquisadores que merece o reconhecimento da comunidade intelectual maranhense

José Fernandes* Especial pra o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17
O pesquisador Luiz Franco de Mello
O pesquisador Luiz Franco de Mello (luiz melo)

São Luís - Espero encontrar as palavras certas para expor, em poucas linhas, embora por via oblíqua, as principais nuanças procedimentais da trajetória, um tanto erradia, de uma pessoa incomum, que faz parte do meu círculo de relacionamento

Na verdade, retratar Luiz Franco de Mello é tarefa que caberia em um livro inteiro, tão diversificado vem sendo o seu caminhar pelas estradas do mundo, principalmente quando a minha intenção é enaltecê-lo pelo que entendo que ele tem feito, nos interlúdios do seu caminhar e no silêncio de seu anonimato, em favor da memória histórica e literária do Maranhão.

O que me dificulta, porém, é que, para ser fiel ao que escrevo, tenho de adentrar, ligeiramente, também na sua vida pregressa, repleta de descaminhos, sem contrariá-lo, pois sei que ele é um cidadão reservado, que se mantém à distância do público e não gostará de ter sua intimidade desnudada, assim, sem mais nem menos. Mas tentarei ser sutil ao traçar, de relance, o seu perfil, sem abrir mão da realidade factual.
Nascido numa família remediada, no interior do Estado, Luiz Mello cedo trabalhou com seu pai, sem remuneração, passando a residir com parentes próximos, fora da terra natal, e depois a subsistir sozinho por este Brasilzão desigual.

Morando os primeiros anos em São Luís, nunca se casou nem namorou, porque se considerava feio e gago. Para disfarçar a gagueira e desinibir-se, bebia muita cachaça e, aí, tudo piorava, porque as mulheres o rejeitavam, não pela feiura, mas em razão do odor alcoólico que exalava. Passou a “satisfazer-se”, pela vida afora, com mulheres livres, mediante pagamento. Solteiro ficou e solteiro permanece.
Por muito tempo perambulou pelas antigas boates das ruas da Palma, da Saúde e 28 de Julho, bebendo à sua custa ou à custa de conhecidos endinheirados. Raro é o boteco ou “inferninho” que, naquele tempo, ele não tenha frequentado, nas adjacências do bairro do Desterro, e até neles dormindo nas mesas fétidas, nas noites de desvario.

Inobstante esses deslizes, estudou em boas escolas, instruiu-se e, inteligente, adquiriu considerável cultura literária. Fez concurso público e foi aprovado, mas nunca obteve o privilégio de ser nomeado, por atropelos diversos, mesmo ingressando com vários recursos perante a Justiça, que se postergaram por décadas e ainda se postergam até hoje, o que não é anormal em nosso país. Por tudo, sente-se marcado pela desdita.

Aprendeu a redigir muito bem; foi revisor e copidesque de jornais, trabalhando ao lado de jornalistas como Walber Pinheiro, Paulo Morais e Carlos Cunha. Literato de imaginação aguçada, escreveu e publicou livros de contos, que foram bem aceitos, recebendo elogios de gente entendida no ramo. Angariou boas amizades e se relacionou com conhecidos intelectuais, quando morava no Rio, como Josué Montelo, Franklin de Oliveira, Manoel Caetano Bandeira de Melo, Lago Burneth e outros, relacionamentos interrompidos por se acostumar a perturbá-los nos seus apartamentos e ambientes de trabalho, sempre bêbado; em consequência, fora proibido de procurá-los.

Depois de muito infligir contra si mesmo, curou-se do alcoolismo e permanece abstêmio até hoje, graças aos Alcoólicos Anônimos. Sem emprego fixo, transmudou-se, por vontade própria e persistência, em exímio pesquisador de obras antigas, de vários gêneros, de anais e fatos históricos, para instituições e escritores – mais intensamente para o escritor Jomar Morais, de quem se tornou íntimo. Levantou dados, escreveu e editou um denso livro sobre as artes plásticas desta província. Durante extensos períodos, esteve sob o manto protetor de Bandeira Tribuzzi, que muito o ajudou, por espontânea benevolência, nos seus constantes apertos financeiros, até a morte prematura desse ícone da inteligência gonçalvina. Por um bom tempo, manteve contatos com vários intelectuais, nesta capital. Revela que alguns deles, atualmente, o discriminam, por ele ser pobre, doente e prolixo demais ao conversar por telefone.

Ultimamente, Luiz Mello, com mais de 70 anos, que deambula claudicante com o auxílio de uma bengala com suporte metálico junto a um dos braços, sobrevive mediante uma aposentadoria de um salário mínimo. Reside, solitário, num pequeno apartamento, em bairro distante, na periferia da Ilha, sem clientes, que debandaram, preferindo as facilidades da internet. Por sua conta e risco - e desfastio -, continua a pesquisar na Biblioteca Pública do Estado, onde sente que não é bem aceito. Vez por outra, publica essas pesquisas em livros de real valor, como, por último, a obra “Variedades Históricas Maranhenses” - uma seleção de preciosos estudos do insigne professor Jerônimo de Viveiros.

Detentor de variados talentos, e capaz, se for curado dos seus achaques, de empreender, ainda, grandes e úteis labores, Luiz Franco de Mello, um dos últimos remanescentes dos grandes pesquisadores, que enorme folha de serviços vem prestando às letras - ainda sofrendo as consequências de tempos obscuros -, merece o reconhecimento da comunidade intelectual maranhense, guardiã, à distância, de imenso patrimônio imemorial, cuja preservação depende dos cuidados que venha a proporcionar aos que ajudam a levantar a cultura da nossa velha gleba, meio esquecida das coisas do espírito.

Ao Luiz Mello, saúde e vida longa!


*José Fernandes é sócio honorário do IHGM e membro da Academia Ludovicense de Letras, autor do livro “Ao Longo do Caminho”.

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