BRUXELAS — Para os populistas da Europa, a derrota eleitoral de Donald Trump, até então um símbolo de sucesso e um forte apoiador seu, já fora bastante ruim. Mas sua recusa em aceitar a derrota e a violência que se seguiu parecem ter prejudicado ainda mais as perspectivas de líderes de ideias parecidas com as dele em todo o continente.
"O que aconteceu no Capitólio após a derrota de Donald Trump é um mau presságio para os populistas", disse Dominique Moïsi, analista sênior do Institut Montaigne, com sede em Paris. "Indica duas coisas: se você os elege, eles não deixam o poder facilmente; se você os elege, veja o que eles podem fazer para inflamar a ira popular".
O longo dia de tumultos, violência e morte quando os apoiadores de Trump invadiram o Capitólio emitiu um claro alerta em países como França, Alemanha, Itália, Holanda e Polônia sobre subestimar a força da fúria populista e de teorias da conspiração em governos democráticos.
Heather Grabbe, diretora do Instituto Europeu de Políticas da Open Society, em Bruxelas, disse que a agitação mostrou como o manual populista baseia-se em uma noção de "nós contra eles e leva à violência".
"É muito importante mostrar o populismo nos leva e como ele brinca com o fogo", acrescentou ela. "Quando você desperta seus apoiadores com argumentos políticos baseados em “nós contra eles”, os outros não são mais oponentes, mas inimigos que devem ser combatidos com todos os meios. Isso leva à violência e torna impossível a concessão do poder.
O quão ameaçadores os populistas da Europa consideraram os eventos nos Estados Unidos pode ser visto por sua reação: um por um, eles se distanciaram dos distúrbios ou ficaram em silêncio.
Na França, Marine Le Pen, chefe do Reunião Nacional, da direita radical, pretende mais uma vez concorrer contra o presidente Emmanuel Macron nas eleições de 2022. Ela foi firme no apoio a Trump, elogiou sua eleição e o brexit como precursores do sucesso populista na França e fez coro à insistência de que a eleição americana foi fraudulenta e ilegítima. Mas depois da violência, que ela disse a deixou "muito chocada", Le Pen recuou, condenando "qualquer ato violento que vise interromper o processo democrático".
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Como Le Pen, Matteo Salvini, líder populista da Liga, partido italiano anti-imigração, disse que “a violência nunca é a solução”.
Na Holanda, Geert Wilders, um destaque líder da direita, criticou o ataque ao Legislativo americano. Com as eleições em seu país em março, Wilders escreveu no Twitter: “O resultado das eleições democráticas deve sempre ser respeitado, quer você ganhe ou perca.”
Thierry Baudet, outro populista holandês de destaque, alinhou-se com Trump e com o movimento antivacinação e, no passado, questionou a independência do Judiciário e de um “parlamento falso”.
Mas, já em dificuldades com os comentários anti-semitas e com rachaduras em seu partido, o Fórum pela Democracia, Baudet também teve pouco a dizer até agora.
Mesmo que os líderes populistas pareçam abalados com os eventos em Washington e nervosos com mais violência na cerimônia de posse em 20 de janeiro, continua a haver uma ansiedade considerável entre os principais políticos em relação aos movimentos políticos anti-elitistas e anti-governamentais na Europa, especialmente em meio à confusão e à ansiedade produzidas pela pandemia de coronavírus.
Populismo europeu
Janis A. Emmanouilidis, diretora de estudos do Centro de Políticas Europeu, em Bruxelas, disse que não há um populismo europeu uniforme. Os vários movimentos têm características diferentes em diferentes países, e eventos externos são apenas um fator em sua popularidade.
"Agora, a questão mais urgente é a Covid-19, mas não está claro como a política se sairá após a pandemia", disse ele. "Mas o medo do pior ajuda a evitar o pior".
A “incrível polarização da sociedade” e a violência em Washington “desencoraja outras sociedades”, disse Emmanouilidis.
"Vemos aonde isso leva, queremos evitar, mas estamos cientes de que também podemos chegar a esse ponto, que as coisas podem piorar".
A possibilidade de um governo populista se instaurar na França ou na Itália aumenta se as economias afundarem, acrescentou. "Deus me livre quando a Europa enfrentar a próxima crise".
Essa preocupação parece ter sido em parte o motivo pelo qual a chanceler Angela Merkel da Alemanha foi tão solícita com a França e com as exigências de Macron, em relação ao pacote de ajuda europeu.
Na Polônia, o governo tem sido muito pró-Trump e a televisão pública não reconheceu sua derrota eleitoral até que o próprio Trump o fizesse, disse Radoslaw Sikorski, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa que agora é presidente da delegação do Parlamento Europeu para as relações com os Estados Unidos.
"Com a derrota de Trump, houve um som nítido de decepção da direita populista na Europa Central", disse Sikorski. "Para eles, o mundo será um lugar mais solitário".
O presidente Andrzej Duda da Polônia, que se encontrou com Trump em Washington em junho, simplesmente chamou a rebelião no Capitólio de um assunto interno." A Polônia acredita no poder da democracia americana", afirmou.
Da mesma forma, o primeiro-ministro Victor Orban da Hungria, um firme apoiador de Trump, recusou a comentar sobre o motim.
"Não devemos interferir no que está acontecendo nos EUA, isso é negócio deles, estamos torcendo por eles e confiamos que conseguirão resolver seus próprios problemas", disse ele a uma rádio estatal.
Oponente político
Sikorski, o ex-ministro polonês, é um oponente político do atual governo em seu país. A Europa, disse ele, precisava “acordar para os perigos da violência de extrema direita” e das teorias da conspiração.
"Há muito mais violência de extrema direita do que violência jihadista", disse ele. "Não podemos presumir que esse tipo de loucura vá embora, porque eles têm sua própria realidade. Precisamos tirar as luvas, a democracia liberal deve se defender".
Enrico Letta, um ex-primeiro-ministro da Itália que agora é reitor da Escola de Assuntos Internacionais de Paris na Sciences Po, disse que Trump "deu credibilidade às atitudes e abordagens disruptivas dos líderes populistas na Europas, e tê-lo fora já seria uma grande problema para eles”.
"Então veio a rebelião, o que mudou completamente o mapa", ele disse.
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