Entrevista

"Vou me reorganizar e tirar a cabeça do tribunal, como julgador"

Desembargador se aposenta do Tribunal de Justiça no dia 15 deste mês, após quase 40 anos na magistratura; ele é natural de São Luís, estudou em escola pública e foi jogador de futebol

Ronaldo Rocha da editoria de Política

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17
(Desembargador José Bernardo Rodrigues)

SÃO LUÍS - O desembargador José Bernardo Silva Rodrigues deixa na próxima sexta-feira (15) a função de membro da Corte do Tribunal de Justiça do Maranhão. Ele se aposenta do cargo depois de quase 40 anos dedicados à magistratura.

Natural de São Luís e filho de família humilde, José Bernardo estudou em escola pública [Liceu Maranhense], cursou Direito na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), passou em concurso público para o cargo de juiz em 1981 e foi alçado, por merecimento, ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça em 31 de julho de 2008.

José Bernardo se tornou o primeiro Ouvidor Geral do Poder Judiciário do Maranhão [de maio de 2010 a dezembro de 2011], foi eleito vice-presidente do TJMA e já exerceu todas as funções no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão: juiz eleitoral; diretor do Fórum Eleitoral Desembargador Arthur Quadro Collares Moreira e membro efetivo da Corte Eleitoral por dois biênios consecutivos; sendo presidente do TRE-MA; vice-presidente; Ouvidor Eleitoral e corregedor.

Antes disso, ele chegou a ser jogador profissional de futebol, com breve carreira iniciada no Moto Club, com destaque logo em seguida ao passar pelo antigo Graça Aranha Esporte Club [ganhou notoriedade e foi classificado como jogador revelação] e encerrou a sua trajetória no esporte pelo Maranhão Atlético Clube (MAC).

Abaixo, a íntegra da entrevista com o magistrado, que se aposentará do TJMA depois de uma carreira toda dedicada ao Direito.

Depois de quase 40 anos na magistratura, você acredita que conseguiu deixar um legado não só para a família, amigos e servidores do Judiciário, mas também para as pessoas de origem humilde e que batalham diariamente para conquistar um espaço na carreira profissional?

Eu acredito sim e isso é fundamental. Ronaldo, se há um detalhe que eu aprendi nesse percurso todo é de que nós devemos ter muito cuidado com o princípio da igualdade. Todos falam em igualdade, mas ‘Papai do Céu’ não fez nada igual aqui na terra. Nós precisamos estar atentos às diferenças, nós precisamos nos conhecer, precisamos conhecer o outro para que possamos nos situar na vida; saber dos nossos talentos, dos nossos dons e viver a nossa vida, não a vida do outro. Quando a gente descobre isso, a gente começa a vencer. Esse foi um grande fundamento e eu aprendi isso quando frequentava, ainda jovem, a Igreja São Vicente de Paulo, lá no Apeadouro, pertinho da casa do papai e da mamãe.

Acredito que foram inúmeras as dificuldades para que vossa excelência alcançasse a magistratura. Foi uma carreira desempenhada com excelência. Comente um pouco sobre isso.

Aliás, as dificuldades se apresentam à vida de todos, quer seja branco, negro, gordo, magro. Todos têm barreiras para ultrapassar e vencer e isso até o esporte demonstra. Talvez pelo fato de ‘Papai do Céu’ ter colocado no meu caminho o futebol - e me disseram que eu fui craque -, enxergo ali naquele esporte o espelho da vida. Ali a gente verifica a luta Davi contra Golias, os pequenos contra os grandes. Eu joguei também em time pequeno, e quando o pequeno vence um time grande é um feito extraordinário. Se você for verificar a Bíblia vê que nem sempre o melhor é o vencedor, tudo depende do tempo e das circunstâncias. O futebol então me fez ver que com esforço, dedicação e seriedade em tudo aquilo que vamos fazer, é possível vencer. Agora precisamos estar conscientes do nosso talento e dos nossos dons, porque eu jamais poderia pretender ser um jogador de futebol profissional igual a Pelé. Papai do Céu permitiu e deu os talentos para ele [Pelé]. Os meus, são os meus.

Essa então é uma lição que você carregou por toda a sua trajetória: na academia, na advocacia e na magistratura...

Quando nós fazemos essa diferença, ou seja, afastamos esse princípio de igualdade, não é imaginando que a gente seja melhor do que o outro, é imaginando que a gente tem de viver feliz com a nossa vida, com o nosso talento, com os nossos dons. Você pode ser realmente feliz, muito mais do que quem tem tanta coisa intelectualmente, economicamente e não se realiza. A minha vitória está exatamente neste ponto: eu nunca quis ser igual a ninguém, nunca quis ser melhor, e superei as dificuldades, porque eu vivi em dificuldades. Superei tudo isso e estou agora só ‘nadando’ na minha vitória.

E como você classifica toda essa experiência na magistratura, depois de ter atuado como juiz, desembargador no Tribunal de Justiça e ocupado todas as funções no TRE?

Indiscutivelmente, eu saio do tribunal deixando colegas e amigos, sobretudo, amigos. Me permitiram ser eu mesmo, com o devido cuidado de não ferir suscetibilidades, mas atuar do meu jeito, fundamentar do meu jeito, estudar, expor as minhas razões para decidir. Eles me permitiram isso. Então, hoje eu compreendo que os princípios fundamentais da vida são: primeiro, a liberdade; o segundo eu tiro a igualdade e coloco a dignidade e o terceiro é a fraternidade. Você imagina se nós temos vida e saúde com liberdade, dignidade e fraternidade, eu não posso reclamar de nada da vida. Por isso não reclamei de nada na saída e por isso ninguém nunca me vê reclamando.

Sim…

Se não há condições de lutar pela vitória, então não pode entrar no jogo. Existe um ditado antigo que dizia: quem não pode com o pote não pega na rodilha. A rodilha, vocês jovens não viram isso. Sem água encanada, as pessoas precisavam buscar a água em algum lugar, com o uso de um pote. No pote havia uma parte mais estreita e era necessário carregar aquilo na cabeça, utilizando um pano dobrado. Por isso que se dizia, aquele que não pode com o pote não pega na rodilha. Eu peguei no pote porque eu tinha como carregar o pote e foi isso que nós fizemos para poder vencer. Os que estão lá ainda hoje têm mais condições do que na minha época, porque hoje há informação. Na minha época não existia nem energia elétrica, quanto mais informação. Não tinha água encanada e nem rua, era apenas um caminho para sair e pegar um ônibus para ir à escola. Com toda essa luta, eu venci.

Que mensagem você deixa aos colegas magistrados e servidores do Judiciário?

A do Eclesiastes: tudo depende do tempo e das circunstâncias. Eu preciso estar situado. Nós estamos vivendo num tempo diferente, de circunstâncias diferentes e eu preciso enfrentar a vida como ela está, como ela é agora. Mesmo porque, também diz em Eclesiastes que é um livro que eu releio, tudo é vaidade. A única coisa que interessa mesmo em nossa vida é comer, beber e fazer o bem, enquanto a gente tem vida. Essa é a mensagem para todos

E o que fazer agora, após a aposentadoria?

Primeiro, tirar a cabeça do tribunal, como julgador. Rearrumar a cabeça para seguir novo rumo. Agora é hora de descansar. Mas, de uma coisa eu tenho certeza, não vou ficar parado, continuarei trabalhando, só ainda não parei para pensar que atividade seguir.

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