Artigo

Maradona e Garrincha, mágicos e trágicos

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

Personagens chaplinianos, anti-atléticos, desprovidos de beleza física ou inteligência especial, a quem somente a genialidade seria capaz de sacá-los do lodo da história para convertê-los em mitos, no panteão de guerreiros e ídolos cultuados por uma nação.

Personagens que parecem saídos da ficção mas que, com certeza, vieram da dura realidade dos desesperançados das favelas e periferias. Personagens que, não fosse pelo futebol, estariam condenados ao esquecimento e ao abandono, mas a quem Deus, um dia, parece ter depositado na testa dos mesmos uma estrela dizendo: Vai estrela, brilha no caminho desses gauches da vida, e os torna dribladores do destino.

E deu-lhes a paixão por uma bola de futebol para exercitar justamente isso: o drible. Ao iniciar no Botafogo, Garrincha foi visto de longe pelo craque Nílton Santos, merecendo dele o comentário irônico: “A coisa ta feia por aqui. Até aleijado aparece para jogar futebol!” Mas o aleijado tinha paixão, de fato, pelo drible e ao colocar a bola pelo vão das pernas do craque começou a escrever a sua história dentro desse esporte onde os gênios têm vez.

O outro, argentino, franzino, atarracado, cara de índio que se o futebol não tivesse retirado da periferia faria jus eternamente ao seu biotipo: de garçom de boteco ou vigia de puteiro. Mostrou sua genialidade com a bola desde cedo e o sucesso veio retumbante e avassalador. Eu tive a sorte de ver o embrião disso um dia, quando sua fama despontava, no Maracanã em amistoso contra a seleção brasileira. Então, o índio atarracado não precisava driblar o inferno da droga para chegar ao céu, tanto que eu pude ver o paraíso em seus pés, sem que ele sequer se esforçasse para isso.

A trajetória de ambos fora dos campos todo mundo sabe. Foram dois gênios trágicos, que compuseram o samba (Garrincha). E o tango (Maradona) das multidões nos estádios. Fora deles, aos poucos foram compondo a dança dos inadaptados e politicamente incorretos. Um se entregou à bebida, o outro às drogas.

Após a morte do ídolo argentino, sob o manto da comoção generalizada esperei que da parte dos comentaristas houvesse uma menção à Garrincha, o gênio das pernas tortas que nos deu duas Copas e que foi o mais brasileiro dos Maradonas e vice-versa. No entanto, veio a alusão a um Ayrton Sena, parecido ao argentino apenas no final precoce.

A comparação nada tem a ver. A engenharia e a precisão das corridas de Fórmula 1 não permitem a magia do futebol para amaciar mecanismos, como a uma bola. Ali o que predomina é a condição tecnológica do equipamento onde não há espaço para mágicos, mas para os intrépidos. Sequer nas origens se pareciam. Ayrton Sena era filho de gente aquinhoada, bem apessoado, se pareceu com Maradona na tragédia que comoveu os dois países, mas foram distintos nas paixões, na irreverência e nos sonhos.

“Sua ilusão entra em campo no estádio vazio, e ainda na rede balança seu último gol”. O som nostálgico da antiga balada composta em homenagem a Garrincha, interpretada por Moacir Franco, ressoa insistente em meus ouvidos Talvez porque devesse ser executada agora também nas rádios argentinas, para homenagear o craque, transformada num tango, que os meninos da Villa Fiorito, onde nasceu Maradona, cantariam para homenagear aquele que foi seu maior ídolo.

José Ewerton Neto

Autor de O entrevistador de lendas

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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