Coluna do Sarney

A causa negra também é minha

José Sarney

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

As causas da raça negra e da cultura foram as duas maiores preocupações minhas em 12 anos de Câmara dos Deputados e 40 de Senado. Sou o senador que mais tempo exerceu mandatos naquela Casa. E o político mais longevo da República, com mais de 60 anos de atividade e ainda presente - sem militância partidária, mas Presidente de Honra do MDB, partido a que sou filiado há 36 anos. Exerci por oito anos a Presidência do Senado Federal.

Sempre discordei da maneira como o problema da raça negra era tratado. Só existia o discurso político de retirála da situação de miséria e de segregação
social. Minha visão, que nunca havia sido colocada na República - mas tinha origem em José Bonifácio e Joaquim Nabuco -, era de que somente com ascensão
social, educação, participação em postos de direção ela sairia desse longo caminho de discriminação. Essa foi a solução adotada pelos Estados Unidos,
que em parte deu certo, permanecendo, entretanto, o violento racismo. É que o problema deles era muito mais grave do que o nosso, com as sequelas
da guerra de secessão. Mas lá já chegou um negro à Presidência da República e agora uma mulher negra, Kamala Harris, à Vice-Presidência, como muitos
chegaram a outros altos cargos da República e do poder econômico.

Quando era presidente da República ocorreu o Centenário da Abolição. Em vez de comemorações políticas, criei a Fundação Palmares, com a finalidade
de promover a ascensão social, a educação e as oportunidades de trabalho para os descendentes dos escravos. No Parlamento, como senador, apresentei
o projeto de lei de cotas raciais, que nunca tinham sido tratadas no Brasil e estabeleci que eram o caminho.

O senador negro Paulo Paim pediu me para absorver meu projeto no Estatuto da Igualdade Racial. Concordei, porque meu objetivo não era político,
mas o de criar o debate sobre o problema e lançar a política de cotas para ajudar a resolver a questão. Meu projeto, no entanto, era bem mais amplo, incluindo
os cursos de graduação, os cargos públicos e o financiamento dos estudos.

Orgulho-me de ter tido uma participação na defesa dessa maioria-minoria que continua a sofrer depois de quase 500 anos de presença no Brasil. Nosso
débito com a raça negra é a maior dívida que temos em nossa História.

O Dia da Consciência Negra mostra que se mantém o caminho fracassado do passado. Pensa-se como sempre em dividendos políticos e nada de objetivo
para fazer com que os negros tenham na sociedade o mesmo lugar dos brancos. Outro débito que temos - e digo com a autoridade de quem é um lutador desta
causa e detentor do Prêmio Zumbi, que me foi entregue pelo grande negro José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares - é com o Negro
Cosme, da Balaiada, enforcado no Maranhão, que ficou no esquecimento e devia estar sendo reverenciado junto com Zumbi.

Ele deu o maior exemplo do que precisava a raça negra: criou uma escola no quilombo. Ele já sabia que só a educação liberta.

Publicado originalmente no jornal “O Estado do Maranhão” e no site josesarney.org

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