Entrevista/Carlos Lula

"A segunda onda não está descartada no Estado", diz secretário de Saúde

Em entrevista a O Estado, o secretário de Estado da Saúde e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS), Carlos Lula, falou que, apesar de números controlados, o Maranhão está se preparando para uma possível segunda onda da doença

Bruna Castelo Branco e Bárbara Lauria/Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
O secretário de Estado da Saúde, Carlos Lula falou sobre o cenário de coronavírus e não descartou uma segunda onda da doença no estado (Foto: Bárbara Lauria)
O secretário de Estado da Saúde, Carlos Lula falou sobre o cenário de coronavírus e não descartou uma segunda onda da doença no estado (Foto: Bárbara Lauria)

SÃO LUÍS- Mesmo com a ocupação de leitos nos hospitais considerada controlada, o Maranhão ainda tem muitos desafios ainda em relação ao combate ao Coronavírus, incluindo a possível segunda onda mundial da doença. Essa é a avaliação do secretário de Estado da Saúde, Carlos Lula. Em entrevista exclusiva a O Estado, Lula falou sobre a elaboração de um novo plano de contingência para a Covid-19, o acompanhamento de possíveis casos de reinfecção, a preocupação com o período chuvoso e com as festas de fim de ano.

Secretário, vamos começar falando sobre essa possível segunda onda da Covid -19 no mundo. Alguns países já pararam atividades, informaram que devem decretar um novo lockdown. Como o Maranhão vai se preparar. Já temos estratégias para essa possível segunda onda?

Ouça o áudio da entrevista:

A gente tem um plano de contingência sendo elaborado para 2021. A segunda onda não está descartada no Estado, isso é importante dizer. Fica difícil fazer uma análise única do Brasil porque a Covid atacou os estados de maneira diferente, mas eu posso dizer assim, de algum modo, a gente nem saiu da primeira onda. Na verdade, a gente tem uma grande onda, ora sobe, ora desce, a gente está tendo um recrudescimento muito lento já há muitas semanas, mas muito devagar, depois daquele primeiro grande pico. O que aconteceu na Europa? As medidas de contenção dos países funcionaram. Então se você pegar o gráfico, você olha o número de casos aumentando aí despenca, praticamente zera. Tem o verão, vai abrindo paulatinamente a atividade econômica e agora a preocupação deles é por conta do inverno. Por que o inverno? A tendência é as pessoas ficarem mais em lugares fechados e é a nossa preocupação com os estados do Norte e Nordeste, porque já começa a chover e a tendência é ter mais síndrome gripal no começo do ano, passa a chover, a gente fecha a janela e em locais fechados e é muito mais fácil a transmissão do vírus. O que é diferente da primeira para a segunda onda é que parece que a medicina conseguiu lidar melhor com a doença agora. Não tem tratamento, não tem vacina ainda, mas a sobrevida das pessoas parece ser maior nesse momento. No Brasil, a gente tem já nos estados do Norte um aumento bem considerável de casos. O Amazonas tem 95% de ocupação dos leitos de UTI novamente, o Amapá tem ocupação de leitos alta, o Pará aumentou, o Ceará também, tanto que está reabrindo leitos, só que lá eles conseguem enxergar claramente o aumento da taxa de internação, o que a gente ainda não enxerga aqui. Eu tenho mantido o alerta, para a gente não perder isso de vista, mas a nossa ocupação é muito baixa.

Nos últimos relatórios da SES tem maior número de óbitos, embora não tenham sido registrados nas últimas 24h, no interior do Estado. No começo era muito em São Luís, há um relaxamento no interior?

Os municípios têm um prazo de 120 dias para lançar os óbitos, então, as vezes, a gente vai enxergar os óbitos meses depois, então estamos em novembro, vamos ter óbito de agosto, de julho…

Então, de repente o período mais crítico já passou?

Já passou, às vezes o município lança 40 óbitos de uma vez, esses óbitos são de vários meses atrás. Aí tarda esse lançamento, se a gente for olhar para o presente, a curva de casos e de óbitos por dia, diminuiu muito a letalidade no estado de maneira geral, a gente está praticamente sem óbitos no dia.

Nós estamos preparando uma campanha de mídia mesmo para voltar a pedir para as pessoas usarem máscarasCarlos Lula, Secretário de Estado da Saúde

Vocês pretendem intensificar uma campanha de conscientização das pessoas? No começo, as pessoas estavam um pouco mais preocupadas, existia uma atenção das pessoas. Hoje em dia, nas ruas, a gente olha as pessoas sem máscara e isso não choca mais tanto

Nós estamos preparando uma campanha de mídia mesmo para voltar a pedir para as pessoas usarem máscaras. A gente está com a taxa de transmissão controlada há quatro meses então as pessoas tendem a relaxar, só que não acabou.

Estamos chegando no fim do ano também, as pessoas vão se reunir no período de Natal, querem reunir a família, vão para o interior, fazem uma festa. Há uma preocupação em relação a isso?

Por isso a gente vai recomeçar essa campanha, para recomendar o uso de máscara e medidas de proteção, higiene das mãos e tentar manter a distância.

Secretário, estamos na reta final da campanha eleitoral. Temos visto fotos de candidatos abraçando eleitores, principalmente pessoas idosas, está acontecendo aglomerações...

Eu tenho uma posição que é muito minha. Eu achava que essa decisão deveria ter sido tomada pelo Congresso quando fez a emenda. A minha posição é que a gente não tivesse eleições este ano. Nada recomendava a gente ter eleições esse ano. Nos Estados Unidos tem uma projeção lá de 200 mil pessoas infectadas em razão das eleições. Então, nada recomendava a gente ter eleições neste momento, só que o Congresso resolveu não tomar essa decisão e a Justiça podia então ter tomado, devia ter dito: ‘olha, não vamos fazer campanha de corpo, vamos fazer campanha de outro jeito, já que é para ter eleição’. Só que a Justiça também não quis tomar essa decisão, então no Brasil inteiro é esse problema. O Amapá suspendeu [campanha eleitoral], mas por que suspendeu? Lá aumentou 600% (número de casos). Aí qual o problema aqui no Maranhão? A gente vê essas atitudes não recomendáveis, mas não olha o aumento da internação. Eu fico sem ter meios para pedir para a Justiça botar um parecer para paralisar porque não aumentou. Se tu me perguntares as razões pelas quais essas atitudes ainda não geraram um aumento no número de casos eu vou te responder que não sei dizer, porque é uma incógnita. A gente tem que ter humildade para dizer que a doença ainda é muito misteriosa. Tudo apontava que a gente ia ter um boom, mas isso não aconteceu. Você vai me perguntar se de repente quando chegou a 40% no último inquérito sorológico, o vírus começou a circular mais devagar? Talvez, mas é uma resposta que a gente não tem. A gente pergunta para os epidemiologistas, pergunta para o pessoal da UFMA e ninguém consegue dar uma resposta. O que eu posso te dizer é que mesmo com essas atitudes, isso ainda não implicou no Maranhão um aumento no número de casos. Agora para sermos prudentes, o ideal é que não houvesse campanha, que não houvesse eleição. A gente sabe que uma campanha acaba sendo feita, seja em São Luís, seja em São Paulo, todo mundo vai fazer aglomeração, não tem jeito. É esperar terminar e passar.

Diversas pessoas na Rua Grande esquecem o uso de máscaras (Foto: De Jesus)
Diversas pessoas na Rua Grande esquecem o uso de máscaras (Foto: De Jesus)

Como está sendo feita a fiscalização nesses pontos que já tiveram reabertura?

A gente continua com a fiscalização com a Vigilância Sanitária, mas precisa de ajuda da sociedade. Tem estabelecimentos que já foram multados três vezes por promover atitudes que ofendem as questões sanitárias. Está tendo shows que não são divulgados, que acontecem dentro de um sítio, ou de um local fechado, a gente fica sabendo depois. É complicado se a sociedade também não ajudar. Já liberamos um bocado de coisas, já liberou bar, festa com até 150 pessoas, então vamos controlando, mas não dá para liberar Carnaval ou festa de fim de ano. Não tem como! O pessoal que faz festa de fim de ano queria uma reunião com a gente, mas vocês acham mesmo que a gente vai ter condições de liberar shows na virada do ano em hotel? Não tem a menor condição. Seria uma irresponsabilidade da nossa parte, eu entendo que para quem vive disso é terrível, mas a gente tem que ter o mínimo de senso agora. Vamos pelo menos esperar, vamos ver se a gente consegue a vacinação no primeiro semestre do ano que vem, aí depois disso a gente passa a ter um ambiente propício a poder voltar esse tipo de atividade.

Como tem o prazo de 15 dias mais ou menos depois do evento para aparecer os sintomas da doença, vocês estão trabalhando com a possibilidade de no início de dezembro, depois das eleições ou então em janeiro, depois das festas de fim de ano, esse boom aparecer?

A gente sempre trabalha com essas referências. Eu pedi a aquisição de mais testes para a gente continuar fazendo a testagem. Eu não sei como será essa transição nos municípios, não sei se os prefeitos quando chegarem já vão ter condições de fazer essas compras, mas da parte do estado, vamos continuar fazendo. A gente tinha feito uma licitação para 80 mil testes, a gente já tinha feito para 50, já autorizei a compra de mais 30 e quero fazer uma licitação para mais de 200 mil testes. Por isso também a importância do inquérito sorológico, eu não posso perder a noção do caminho que a doença está trilhando, ainda mais agora que o número de casos está menor aí eu consigo fazer o rastreamento de contato, aí eu consigo proteger, eu consigo isolar e impedir que a doença se alastre.

Secretário, em uma das coletivas do governador Flávio Dino ele falou sobre três possíveis casos de reinfecção que estavam sendo investigados, a gente já tem alguma resposta?

A gente ainda não teve o retorno oficial por parte da Fiocruz, mas as primeiras amostras aparentam que não seriam casos de reinfecção, mas seriam possibilidades. Essas pessoas elas não geraram o IgG [reagente ou positivo, significa que o paciente teve infecção anterior, com pelo menos 3 semanas, e está possivelmente imunizado], elas ficaram no IgM [paciente está ou esteve infectado, contaminado recentemente e o corpo ainda pode estar lutando contra a infecção], que sumiu e em tese, o corpo delas não imunizou, não gerou anticorpos, provavelmente o apontamento era no sentido de que é o mesmo vírus, ele encontrou novamente uma possibilidade e retornou. Então não é uma reinfecção, é a doença que encontrou uma porta para retornar, mas, de fato, é algo assim que não é comum. Não acontece normalmente nos outros coronas, há muita coisa da doença que a gente ainda desconhece.

São três casos ainda?

Já tínhamos cinco casos.

Então não é uma reinfecção, é a doença que encontrou uma porta para retornar, mas, de fato, é algo assim que não é comum. Não acontece normalmente nos outros coronas, há muita coisa da doença que a gente ainda desconhece.

Em relação a vacina. Existe um impasse no Brasil, como o Maranhão vai se comportar aí?

Para gente chegar naquela reunião que o Ministério da Saúde declarou que ia fazer a compra de vacinas do Instituto Butantan, aquilo não foi uma surpresa, foi construído com muita conversa, muito jogo de cintura com o Ministério entendendo. Acho que passada as eleições municipais, os ânimos arrefecem para a gente ter condição de conversar de novo. Não é prudente a gente investir todos os nossos esforços só em uma vacina, os Estados Unidos, por exemplo, investiu em seis vacinas. E se a vacina de Oxford não der certo? Se ela não der o resultado imune esperado, a gente perde? Vai lá para o rabo da fila? O protocolo que o Ministério da Saúde tinha assinado com o Butantan era no sentido de entrar na fila. Só para a gente entender, a vacina seria produzida no Brasil, ela é desenvolvida na China. Com a eficácia dela comprovada, ela seria produzida no Brasil, assim como a de Oxford, ela é desenvolvida na Inglaterra, mas ela é produzida no Brasil. Alguns estados falaram em firmar parceria com a Rússia, é porque eles têm indústria própria, o Maranhão não tem, quem tem um parque industrial e tem condição de produzir, até pode pensar em fazer uma compra dessas por fora, a gente depende do Programa Nacional de Imunização como a maioria dos estados dependem. Então a gente depende dessa posição do Ministério da Saúde. Agora quanto mais opção a gente tiver melhor, quanto menos opções, mais lento se torna a estratégia de vacinação. A vacina de Oxford vai sair mais barata, um pouco mais de três dólares a dose, seriam duas doses ou talvez uma, A Coronavac seriam duas doses, a dez dólares cada dose, não é barato, a gente tem que pensar bem como será essa estratégia de vacinação, como será feito. Quais são os grupos que de fato iremos vacinar, tem toda essa situação para a gente analisar para ter um prognóstico de vacina. A gente espera muito que no primeiro semestre a gente consiga fazer essa vacinação da população.

O senhor acredita que no primeiro semestre já teremos essa vacina?

Eu acredito que sim. Não para imunizar a maior parte da população, mas pelo menos a população idosa, profissionais da saúde, os que são os grupos de risco.

E os desafios de 2021 em relação a pandemia

A gente tem um desafio imenso que ninguém está falando ainda que é o desafio orçamentário. Construímos 13 hospitais, desses 13, onze vão ficar na minha rede. Onze estruturas permanentes a rede de funcionamento do estado que já tinha muita dificuldade financeira, para 2020 eu consegui porque tive um orçamento de guerra, mas para 2021 é como se tivesse em tese voltado a normalidade, o orçamento que está no Congresso para votar não considera a Covid, eu não sei o que as pessoas estão achando, que no dia 31 a gente vai abrir um champanhe e vai acabar o coronavírus e não vai. Para 2021, a gente está fazendo um plano de contingenciamento também para enxugar a estrutura, para ter recurso para manter 2021 sem contar com dinheiro federal, eu não tenho condições de fazer conta agora com um dinheiro que era para ter, mas o orçamento não previu, esse planejamento a gente está fazendo na ponta do lápis, para não ter o risco de fechar nenhuma unidade ou viver com problemas financeiros no ano que vem. O orçamento do estado já previu um aumento de recursos para a saúde para o ano que vem, mas, ainda assim, pode ser pouco, principalmente se a gente tiver uma segunda onda.

No país tem um movimento antivacina crescendo. Nas primeiras campanhas de conscientização o senhor enfrentou resistência de parte da população, se deparou com alguma situação por causa desses discursos, como o do presidente Jair Bolsonaro?

Ouça o áudio da entrevista:

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