Artigo

Tempo de eleição

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

O ano era 2005. Estava no início do período Legislativo, quando liguei para o suplente de deputado estadual Afonso Manoel solicitando que comparecesse ao meu gabinete na Assembleia Legislativa. Ao chegar, entreguei a ele um envelope. Ao abrir, ele ficou atônito com o conteúdo. Era a minha renúncia, abdicando a seu favor, do último ano de meu mandato.

Havia lido um poema de Jessiê Quirino, que discorria sobre a vida de candidato em busca de sua eleição:

“Primeiro - dizia o poeta - era preciso começar a juntar dinheiro, para depois começar a juntar gente. Ficar refém da língua do povo. Levar fama de ser corno, baitola e ladrão. Gritar aleluia em igreja de crente. Alegrar sessão espírita. Assistir meia missa e sair comungado. Botar no braço menino novo com fundo cagado. Tomar cerveja quente de espuma murcha. Entregar taça de campeão a time safado. Chorar em velório de desconhecido. Comprar votos em dia de eleição e, depois de eleito, começar tudo de novo... Deus me livre de eu sair candidato!”

Por essas e tantas outras, tomei a decisão de abandonar a política partidária. A paz de um final de semana em casa, com a família, lendo sossegado um bom livro e ouvindo uma boa música, não tem preço! É bem verdade que há a outra face da moeda, sobretudo, aquela em que você pode utilizar do seu mandato para agir em prol da comunidade e lutar pela melhoria da qualidade de vida das pessoas de seu Estado.

Neste final de semana, presenciei um evento que me deixou emocionado. Fomos instalar o primeiro sistema de energia fotovoltaica no povoado Ponta do Mangue, na casa de Dona Maria do Celso, uma líder comunitária de quase 80 anos de idade que, assim como seus pais e avós, havia nascido naquele longínquo rincão encravado nas areias brancas do atual Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Uma vida inteira comendo alimentos salgados, puxando água de poço, queimando pestanas pela fuligem das lamparinas a querosene, na esperança de um dia poder ver o semblante de seus filhos e netos dormindo ao serem iluminados pela luz de uma lâmpada elétrica.

E esse dia, enfim, chegou! Toda a comunidade, eufórica com a chegada da luz, presenciava o início dessa nova etapa de vida para eles.

Essa cena me fez relembrar as comemorações feitas por uma outra comunidade, desta feita, no meu tempo de deputado, quando pude interceder junto ao Governo do Estado para levar energia ao povoado Mata Praga, em São Vicente Ferrer.

Em um certo dia de verão, próximo ao Natal, decidi compartilhar com os moradores a chegada da luz. Cheguei cedo ao povoado e a obra ainda não havia sido concluída, mas os moradores estavam em festa. Mataram um boi para o churrasco, tinha cerveja gelada no gelo e farta distribuição de cachaça. E, como em toda festa que se preze, tinha também um bêbado!

- Deputaaaado!... Repetia o bêbado toda vez que se aproximava. Com aquele bafo de cana, ele não desgrudava de mim. Para onde eu ia, lá estava o bêbado: − deputaaaado!...

Já estava no limiar de perder a paciência com o bêbado, quando no final da tarde faltou bebida e vieram até a mim solicitando que mandasse comprar mais. A inauguração seria feita ao pôr do sol. Mandei comprar uma caixa da branquinha, e dar logo duas garrafas ao bebum, na esperança de que ele capotasse e me deixasse em paz.

Chegada a hora da inauguração (não vi mais o bêbado...), toda a comunidade postou-se a meu redor em frente à capela para a solenidade de inauguração. Pela primeira vez na vida a luz elétrica faria parte do cotidiano daquele povo.

Lembrei a cena dos lançamentos ao mar dos grandes navios, onde o armador estoura uma garrafa de champanhe nos cascos das embarcações. Vou fazer algo semelhante! Pensei cá com os meus botões! Chamei o eletricista (Passo Longo, era o seu nome) e pedi a ele que pegasse uma escada e um cabo de alumínio e amarrasse uma das extremidades no topo de um poste. Na outra ponta, amarrei cuidadosamente o gargalo de uma garrafa de cachaça e me afastei uns dez passos. Ante o olhar curioso de todos, levantei a garrafa até a altura da cabeça, aprumei o cabo na direção do poste e soltei.

Antes que a garrafa estatelasse no pé do poste, surge do meio da multidão um vulto acompanhado de um enorme grito:

- Deputaaaado!... Nãããããããão! ...

Era o bêbado, que se abraçou à garrafa de pinga, não permitindo que se desperdiçasse aquele precioso líquido.

Estragou meu ritual, mas até hoje a comunidade lembra de seu deputado. E do bêbado também.

José Jorge Leite Soares

Ex-deputado estadual, membro da Academia Pinheirense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

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