Entrevista

"O SUS é o maior programa médico-social do mundo"

Reeleito como presidente da Academia Maranhense de Medicina, o médico e professor José Márcio Soares Leite defende a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) como fundamental para a saúde pública do país

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
José Márcio Leite é presidente da Academia Maranhense de Medicina
José Márcio Leite é presidente da Academia Maranhense de Medicina (José Márcio Leite)

São Luís - O Professor Doutor José Márcio Soares Leite é Professor da Pós-graduação e Coordenador do Curso de Medicina do UNICEUMA em São Luís/MA. É autor dos livros: “Na Contramão da Doença”; “A Situação do Câncer no Maranhão”; “Na Direção da Saúde” (impressos) e “Reflexões sobre a Saúde Pública e A Medicina no Maranhão: Da Colônia à República” (versão online). Foi reeleito, no dia 20 de outubro de 2020, presidente da Academia Maranhense de Medicina para o quadriênio 2020/2024. Nesta entrevista, ele aborda a importância do SUS e sobre os desafios da saúde pública no Brasil.

Na sua opinião, quais os principais avanços alcançados com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS)?

O SUS é o maior programa médico-social do mundo, pois atende a mais de 150 milhões de brasileiros, com acesso universal e gratuito. Evidentemente que tem problemas, mas entendo que o SUS não é um problema sem solução, mas uma solução com problemas. O SUS tem também exercido um papel simbólico, ao demonstrar a possibilidade e a importância da solidariedade, ao confirmar a necessidade de haver espaço social de não mercado, em que a gestão e o planejamento se orientam a partir das necessidades sociais e não somente da doença, ou seja, o cliente é visto na sua integralidade, dentro de uma visão coletiva e integral, e não somente individual, pois compreende a promoção da saúde, a prevenção das doenças, a cura e a reabilitação, e que envolve também a família e a comunidade, reconhecendo na gênese do processo saúde-doença, não apenas fatores biológicos, mas também fatores condicionantes e determinantes socioeconômicos, educacionais, culturais e ambientais.

Que problemas o senhor identifica no SUS e quais as perspectivas para a universalização efetiva da saúde no Brasil?

Os principais problemas do SUS são o financiamento inadequado, falta uma definição na prática e não somente na teoria, o papel de estado e municípios na gestão do SUS, e ainda, a inexistência de uma política de recursos humanos para a saúde, com a implantação de um Plano de Carreiras, Cargos e Vencimentos, com remuneração adequada, com localização físico-geográfica duradoura dos profissionais de saúde, permitindo que o cidadão reconheça nos serviços de saúde o seu serviço e o serviço de saúde reconheça na população a sua população, a necessidade de investimento em uma política de educação permanente, do desenvolvimento efetivo de um trabalho em equipe multidisciplinar, a humanização do atendimento, da inexistência de linhas guia, que são os protocolos clínicos nas Unidades de Saúde, e de linhas de cuidado, que regulam o fluxo de pacientes entre as diversas Unidades de Saúde de uma rede poliárquica de atenção à saúde, integrada e articulada, a partir da atenção primária em saúde, que deve atuar também como um centro de comunicação e regulação, com exceção das urgências e emergências, de consultas e exames especializados para as Policlínicas, da regulação médica das urgências e emergências, incluindo a atenção pré-hospitalar de urgência e emergência feitas pelo Serviço Médico de Urgência (SAMU) e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Para que ocorra uma efetiva universalização, precisamos entender que cuidar da saúde não consiste somente em tratar os enfermos, mas promover a saúde e prevenir a doença, por meio de vigilância em saúde, educação em saúde e de um trabalho intersetorial com outros Órgãos de governo, na busca do desenvolvimento social do indivíduo, das famílias e da comunidade onde estão inseridos.

Quais os desafios atuais da formação e pesquisa no âmbito da pós-graduação em Saúde Pública e, especialmente, na área de Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde?

Com a edição da Resolução nº 03/2014 do Conselho Nacional de Educação CNE), busca-se a formação de um médico generalista, que a par da competência técnica na sua área de atuação, tenha conhecimento epidemiológico-social da realidade da saúde pública brasileira, com a inserção na Matriz Curricular dos novos Cursos de Medicina dos Eixos Temáticos, Interação Ensino, Serviço, Comunidade e Gestão e Iniciação Cientifica, para estimular as pesquisas loco-regionais. A formação em Saúde Pública se ampliou e inclui cursos de graduação, especialização, residência, pós-graduação acadêmica e profissional (mestrado e doutorado). A pesquisa em Saúde Pública se expandiu nos últimos anos, mas, mesmo assim, se ressente de maior incentivo financeiro por parte dos Órgãos de fomento e também de democratizarmos o acesso a periódicos e revistas indexadas, para suas publicações.

Como o senhor vê a evolução da relação médico-paciente ao longo dos seus anos de atividade profissional?

O médico de família foi substituído por uma medicina de atendimento em sua maioria no ambiente hospitalar, tecnicista e altamente especializada. Nessa nova Medicina, contudo, não deixou de existir a relação médico-paciente, pois é intrínseca à formação médica. Melhores médicos serão aqueles que melhor ouvirem a queixa dos seus pacientes e que possam compreender o ser humano dentro de uma visão biopsicossocial.

A propósito da formação médica, o senhor observa diferenças objetivas entre o ensino médico da sua época de estudante e o dos dias atuais? Vê diferenças no que tange à incorporação dos princípios que regem a prática médica, tais como a ética, o compromisso com o paciente, a atenção aos valores humanísticos, etc.?

O curso tradicional era estruturado no modelo biomédico, ou seja, voltado para o indivíduo, embora balizado pelos postulados éticos e de humanização que são intrínsecos da medicina. O curso médico atual espelha-se na Resolução O3/14 do CNE, que visa a formação de um médico generalista, com formação técnico-científica, por meio de competências, habilidades e atitudes, mas com visão epidemiológico-social e não somente biológica, individual, mas coletiva, voltado às famílias e comunidades.

Qual a sua opinião sobre o trabalho multidisciplinar? Por que isso é tão importante?

O trabalho em equipe é fundamental, exercido de forma integral, articulada, visando a saúde integral dos clientes. Existem patologias que exigem um trabalho multidisciplinar, a exemplo das doenças crônico-degenerativas.

Qual o papel da Academia Maranhense de Medicina? E qual a principal objetivo a ser cumprido pela Diretoria eleita para o quadriênio 2020/2024 ?

A Academia de Medicina do Maranhão, pautada nos seus ensinamentos, nos seus exemplos de sabedoria e entusiasmo, vem escrevendo a História da Medicina no Maranhão e contribuindo de forma dinâmica, por meio de seus pares, para seu aprimoramento. Lutar pela conservação dos postulados éticos e da cultura médica, a par da aceitação dos avanços técnico-científicos da medicina que não contrariem esses postulados, este tem sido o papel da Academia Maranhense de Medicina nos seus 32 anos de existência. Nessa nova Gestão vamos inserir a Academia que já possui um site e um periódico, O Esculápio, no mundo virtual, por meio de Lives, Webimar, videoconferências etc. e do acesso dos Acadêmicos e Acadêmicas à Biblioteca Virtual e buscarmos uma integração com os estudantes de medicina, promovendo junto a eles palestras interativas sobre a Política Nacional de Saúde e temas médico-científicos.

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