História

CGJ rememora 408 anos das Leis Fundamentais do Maranhão

As leis eram rigorosas e previam penas severas, incluindo a morte para a transgressão de algumas delas, salvo a legítima defesa, já prevista no texto; deixaram sua marca nos estudos jurídicos ao longo da história

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Em solo maranhense, os franceses buscaram consolidar o que ficou denominada de França Equinocial
Em solo maranhense, os franceses buscaram consolidar o que ficou denominada de França Equinocial (França Equinocial)

SÃO LUÍS - A instituição das Leis Fundamentais do Maranhão completam, neste 1º de novembro, 408 anos. Em homenagem a esse acontecimento, que remonta a própria história do Maranhão e, notadamente da sua capital, São Luís, a Corregedoria Geral da Justiça rememora essa que é considerada a precursora das constituições americanas.

Naquele período, com o estabelecimento da União Ibérica, Portugal teve a Coroa subjugada à Espanha, no reinado de Filipe II, trazendo consequências na organização administrativa de Portugal e suas colônias. As leis portuguesas que vigoravam sob o Código Manuelino, cederam lugar ao Código Filipino, que se estendeu em terras lusitanas além-mar.

O período turbulento na história de Portugal, refletiu na administração das colônias mundo afora, inclusive em terras tupiniquins, cujo sistema ainda se baseava nas capitanias hereditárias. O reflexo da precária administração se deu em vários aspectos, inclusive no sistema de defesa das colônias, razão pela qual o litoral brasileiro era constantemente alvo de incursões por outras nações, a exemplo de Inglaterra, Holanda e França.

De todas as tentativas, a que parece ter logrado maior êxito foi aquela empreendida pelos franceses, que conseguiram aportar na costa maranhense e se estabeleceram durante alguns anos. No novo porto seguro, edificaram o Fort Saint-Louis, uma homenagem do chefe da expedição e fundador da vila, Daniel de La Touche, ao jovem Luís XIII, Rei de França e Navarra.

França Equinocial

Em solo maranhense, os franceses buscaram consolidar o que ficou denominada de França Equinocial, em alusão à proximidade com a Linha Equinocial (Linha do Equador). O forte deu origem à povoação em formato de pequena vila, local onde hoje paira imponente o Palácio dos Leões, sede do Governo do Estado.

Mas outro episódio chamou atenção e até os dias atuais é analisado sob a ótica dos estudos constitucionais. Com a instalação dos franceses, institui-se o primeiro conjunto de normas, que se têm notícia, elaborados em terras americanas: as Leis Fundamentais do Maranhão, datada de 1º de novembro de 1612.

Naquela época era costume a manutenção das leis vigentes nas nações conquistadoras sob suas colônias. Todavia, no caso das Leis Fundamentais, as normas francesas sofreram alterações e foram adequadas à realidade local, originando um compêndio normativo original. As normas eram genuínas, elaboradas especificamente para a nova terra, e incluíam temas como direito canônico, penal e civil.

As Leis Fundamentais eram rigorosas e previam penas severas, incluindo a morte para a transgressão de algumas delas, salvo a legítima defesa, já prevista no texto. Eram comuns os açoites ao pé da forca, para servir de exemplo; trabalhos forçados nas obras públicas, com a perda da dignidade e sem direito ao soldo pelos serviços executados.

Chefe supremo

Pela promulgação das Leis Fundamentais e criação de um Corpo de Justiça, o historiador Milson Coutinho considerava Luís XIII, pelo menos na teoria, “o primeiro chefe supremo do Judiciário do Maranhão”, título que lhe conferiu na obra de sua lavra: Ouvidores-Gerais e Juízes de Fora. Livro Negro da Justiça Colonial do Maranhão, 1612-1812.

Apesar de vigorar somente até 3 de novembro de 1615, data registrada na história como o dia da rendição dos invasores franceses, após batalha vencida pelos lusitanos, as Leis Fundamentais deixaram sua marca nos estudos jurídicos ao longo da história. Conforme narra doutor em Direito do Estado, José Cláudio Pavão Santana, o conjunto de normas tem valor constituinte.

Em sua tese, As Leis Fundamentais do Maranhão: Densidade Jurídica e Valor Constituinte, Santana analisa a natureza das normas sob os aspectos cronológico, territorial e normativo, ressaltando a contribuição da França Equinocial ao Constitucionalismo Americano. Ele afirma que com as Leis Fundamentais, os franceses contribuíram significativamente com o estudo do Direito Constitucional, em período denominado de “pré-constitucionalismo”, que remete ao estudo da formação do Estado Constitucional, anterior ao século XVIII.

O autor constata que as bases das normas revelam preocupações que mais tarde foram assentadas em cartas constitucionais, inclusive a Constituição da República de 1988. E assegura que as Leis Fundamentais do Maranhão precedem todas as normas escritas no continente americano que tenham por propósito a formação de um Estado.

Em seus estudos, Santana narra que as normas editadas em solo ludovicense, possuíam singularidades em sua concepção e formalização. “Todas as leis que chegavam às colônias na América chegavam, prontas, emanadas das coroas. As Leis Fundamentais foram concebidas, escritas e publicadas aqui”, afirma.

Diversas normas

O pesquisador também destaca que diversas normas aqui instituídas pelas Leis Fundamentais, antecederam e figuraram em constituições mundo afora, como “a integridade moral e física da mulher, a pena de morte, o açoite, o sossego público e o tributo, que foram conquistas do Estado moderno”, destaca.

Essa também foi a posição adotada por Coutinho, que afirma: “Que se saiba, nas três Américas – Central, do Norte e Sul – as Leis Fundamentais do Maranhão foram as primeiras com esse caráter constitucional publicadas em nosso hemisfério”.

Embora persistam as controvérsias acerca da fundação de São Luís por franceses, bem como os mitos que rondam as batalhas que se sucederam frente aos lusitanos, é inegável o pioneirismo das normas constitucionais. Assim, não se pode negar o fato de que a instituição das Leis Fundamentais está na base da história do Poder Judiciário no Maranhão, quiçá nas américas, servindo, até os dias atuais como fonte de estudos para o ramo constitucional do Direito.

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