Artigo

Uma forcinha

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

Quando a humanidade tomou conhecimento da própria existência e refletiu sobre a vida, concluiu que tudo tem um fim. Ou, pior ainda, pode ter um fim antes do fim, como no caso da chamada potência masculina. Possibilidade alarmante para os homens de nossa espécie e capaz de lhes causar aflição sem fim. E a metade masculina carregou, durante milhares de anos de evolução, em alguns aspectos, e de involução, em outros, esse medo genuinamente infinito. Bendita a inconsciência dos outros animais, indiferentes a detalhes fisiológicos vulgares como esse.

Finalmente, após uma eternidade de angústia, de tormento, de tortura existencial indizível, o comprimido azul do viagra foi inventado, para alívio dos machos e desemprego e desespero de muitos psicólogos e psicanalistas. O produto prometia dar uma forcinha ao desempenho sexual masculino, embora sem garantia de completa satisfação à parceira. Lamentavelmente, más notícias acabaram surgindo, parte decerto de uma conspiração de algum magnata dono de sofisticada rede de clínicas de saúde mental, sedento de lucro e ferido em seus interesses, ou de alguma associação de mães em defesa da pureza das filhas. Diziam as notícias que aqueles comprimidos causavam problemas de saúde a seus (in)felizes usuários, chegando a matá-los do coração no campo de batalha, não apenas no sentido figurado de causar grande susto, mas no de tirar suas vidas.

O problema como se soube logo, nada tinha a ver com o comprimido, estava em alguns ansiosos consumidores. A fim de testar a pau, na marra, a eficácia do remédio e recuperar sua já vacilante macheza, vários portadores de patologias previamente existentes, incompatíveis com o princípio ativo do viagra, precipitaram-se em experimentá-lo, saindo-se mal, em vez de bem, como esperavam. Aproveitaram-se disso os conspiradores, para espalhar aquelas mentiras, com o fim de desmoralizar a novidade, mas sem sucesso. A acusação era de que o viagra podia até colocar potência num lugar bem definido da anatomia masculina, porém a retirava de outro, o coração, que, sem força para bem desempenhar sua função de bombear o sangue a todos os órgãos de nosso organismo, acabava parando e reduzindo a zero qualquer esperança de recuperação.

Superado esse primeiro ataque traiçoeiro, surgem novos boatos, pois só podem ser boatos as notícias recentes. Desta vez, não mais se fala de ameaças à vida, com base em supostos problemas cardíacos, e sim de cegueira. De fato, a acusação hoje é exatamente esta: o remédio pode cegar. Muitos homens, no entanto, preferem mil vezes o termo politicamente incorreto de “ceguinho” ao de “brochinha”. A coisa, portanto, é grave, muito grave. Antes, a afirmação era direta: tomou, morre. Agora, há uma insinuação sutil. O paciente ficaria cego, no sentido de perder a capacidade de enxergar, mas cego também de desejo. E não mediria as conseqüências de seus atos libidinosos, criando constrangimentos para ele mesmo, suas conhecidas e, até, desconhecidas desprevenidas. Dominado por essa espécie de força cega, ele estaria no fundo dando mostra de fraqueza, segundo os detratores. Daí seria fácil concluir-se equivocadamente pelo perigo social do uso do produto. Tudo campanha de difamação contra o esforço de superação de angústias existenciais dos pobres machos humanos.


Lino Antônio Raposo Moreira

E-mail: lino@academiamaranhense.org.br

Membro da Academia Maranhense de Letras

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