Cultura

Banca de Revistas: espaço democrático e de conveniência cultural

Nelin Vieira / Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Banca de revista que ficava na Praça João Lisboa
Banca de revista que ficava na Praça João Lisboa (banca de revista João Lisboa)

São Luís - José Ewerton Neto, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras, que escreve na coluna “Opinão” deste jornal, no ano passado, publicou o artigo “A arte de botar banca”, falando da inquietação dos proprietários de bancas de revistas, sobre a notícia de que iriam ser retiradas do centro da cidade, em decorrência da obra de requalificação urbanística da Rua Grande e das praças Deodoro e do Pantheon, realizada com recursos públicos provenientes do Governo Federal, por meio do PAC Cidades Históricas, iniciada em 9 de outubro de 2017, e prevista para ser concluída, em 8 de março de 2019.

O colunista, que foi meu colega do curso de pós-graduação em Jornalismo Cultural na Contemporaneidade, realizado pela UFMA - Universidade Federal do Maranhão (2007/2008), poucos dias após da publicação de sua crônica, ao nos encontrarmos, lembrou-me que o tema da minha dissertação, havia sido “Banca de Revistas: Um espaço democrático, heterogêneo e de conveniência cultural”, onde eu discutia esse estabelecimento, como o espaço de produção e disseminação de sentido, e entendida como uma espécie de entroncamento de informações, o que vem caracterizá-la como específico na paisagem da cidade, buscando avaliar os diferentes sinais presentes na banca de revistas, na condição de portadores de significados e que indicam modos de convivência social.

Nessa nossa conversa, também relembrei ao amigo, que no meu trabalho, havia citado o vereador Mário Celso (PSB), de Curitiba (PR), que tinha apresentado um Projeto de Lei em 2004, para tornar as bancas de revistas um órgão oficial de turismo, devido ao “acesso ao mundo infinito de bens culturais”, e geralmente utilizarem espaços públicos, que poderíamos até considerá-las uma “mídia ao ar livre” (ou um outdoor de superfície), ampliando assim, as suas atividades que prestam grande serviço de informações aos turistas que buscam a cidade paranaense; tanto que ao justificar o seu Projeto de Lei, Mário Celso – que é um defensor incansável dos direitos dos proprietários de bancas de revistas –, disse que “os jornaleiros são verdadeiros relações públicas do município e devem ser respeitados por isso.”

Sobre o público de bancas de revistas, destaquei no meu artigo, que: “essa gente que perambula pelos estreitíssimos corredores de uma banca de revistas, quer ser surpreendida pela manchete palpitante, febril, pela última foto do ídolo, pelo corpo escultural da ‘gostosona’ da novela das oito, pela notícia do seu time; pelo escândalo político que ferve de excitação os analistas de plantão; pelos esclarecimentos sobre o aumento, quase que diário, do litro da gasolina, ou pela esperada queda do dólar. A celeridade faz parte da vida da banca, como da vida da cidade, e seu espaço é pensado justamente para que o leitor não se demore muito, apenas o suficiente para recolher o que lhe interessava ou o que lhe interessou ali, ao sondar o que tem à sua disposição.”

Na banca do Dácio, eu aprendo cultura e também empresto
Há pouco tempo, quem passasse pela banca de revistas do Dácio Melo, localizada no Projeto Reviver, na Praia Grande (próxima ao Teatro Odylo Costa, filho), em São Luís (MA), iria encontrar o cantor e compositor maranhense, Antônio Vieira, que aos 86 anos de idade, comparecia religiosamente à banca do amigo Dácio, de segunda a sexta-feira, a partir das seis horas da tarde, e geralmente só ia embora, lá pelas nove e meia da noite. Ele fazia parte do “grupo das seis e meia” que se reunia debaixo do pé de amêndoa, em frente ao comércio, e quando o entrevistei para este trabalho, o mestre Vieira, um homem de fala mansa e de sorriso largo, me respondeu o seguinte:
– Eu venho aqui na banca do Dácio, para me enriquecer culturalmente e também emprestar cultura.
– Aqui, meu filho, vem professores de universidades, jornalistas, estudantes, cantores, compositores, artistas – e pessoas simples, pessoas do povo...
– Como você está vendo, aqui não se fala mal da vida alheia – a não ser que tenha alguma coisa de cultura pelo meio (risos...).

E esse, era um dos diferenciais do jornaleiro e incentivador da arte teatral, Dácio Melo, que transformou sua banca de revistas em um ponto de encontro de pessoas de diferentes níveis culturais, e que por sinal, é uma das poucas existentes nos espaços públicos da nossa cidade, porque de uns tempos pra cá (para tristeza dos jornaleiros e clientes), nas praças que foram reformadas (Alegria, Benedito Leite, Odorico Mendes, Pantheon e Deodoro), essas bancas, importantes “espaços democráticos, heterogêneos e de conveniências culturais”, por determinação de pessoas “avessas à cultura”, não voltaram mais.

Cabe ainda aqui registrar, que as bancas de revistas da João Lisboa, em meados do primeiro mandato do Edvaldo Holanda (2013 – 2016), foram retiradas, sob o pretexto de que a praça iria ser reformada, e só – quase cinco anos depois –, no dia 15/07/2019, é que foi divulgado o termo de compromisso para novas obras de requalificação do Centro Histórico, onde contempla a construção da Praça das Mercês e reabilitação urbana do conjunto tombado da praça João Lisboa e Largo do Carmo e seu entorno.

Pena que o jornaleiro João Mendes (Seu Marreco), que ali trabalhava desde o início da década de 50, onde começou vendendo o Jornal do Povo, Pequeno, O Imparcial, O Combate, O Pacotilha Globo, e o Jornal do Dia, posteriormente adquirido pelo grupo Sarney, que o transformou no jornal O Estado do Maranhão, em 1973, já não esteja mais aqui entre nós, para ver o início da obra, que é uma parceira do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Prefeitura de São Luís e a empresa de mineração, Vale.

O Sindicato dos Jornaleiros do Maranhão, através do Movimento Viva as Bancas, ressaltou que “o programa de revitalização das praças públicas é plausível e de grande valor social, por meio do qual se engrandecem os bairros, deixando a cidade com característica harmônica, com belas jardinagens e áreas de vivência”, no entanto, não esconde a indignação, frustração e a angustia, com o desrespeito com os jornaleiros – e principalmente, com os leitores –, no momento em que o poder público, “arranca gradativamente o multicolorido que as bancas de revistas trazem”; por isso, está lutando para incluir no projeto arquitetônico, a instalação definitiva dessas bancas, “porque elas não vendem apenas papéis; mas informações da cidade e do mundo – além de vincular amigos e ser um ponto de pessoas de diferentes níveis culturais.”

*Nelin Vieira é jornalista e escritor
E-mail: nelinvieira@hotmail.com
e (98) 99112-4738

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