Refúgio para casais

Largo dos Amores, dos Remédios... a atual Praça Gonçalves Dias

Antigo Largo dos Remédios, conforme descrito em "O Mulato", a praça - que já fora chamada de Largo dos Remédios, atualmente recebe o nome de um dos maiores escritores do país

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

SÃO LUÍS - Antigo Largo dos Remédios, conforme descrito na obra “O Mulato”, de Aluísio Azevedo, a Praça Gonçalves dias – com suas diferentes descrições ao longo dos séculos, variadas configurações arquitetônicas clássicas e localização privilegiada – é um dos pontos mais emblemáticos do antigo mapeamento da Grande Ilha. Suas palmeiras robustas, disposição dos bancos, a conservação do monumento alusivo ao homenageado e, principalmente, a possibilidade de uma vista clássica da “Beira-Mar” tornam o espaço um dos preferidos na cidade.

Atualmente, o espaço ainda é visitado por casais, admiradores e populares que querem passar algumas horas em um local com boa circulação de ventos e cuja inspiração cultural atraem pessoas de diferentes perfis. A Praça Gonçalves Dias reúne grupos sociais, amantes da literatura e outros públicos. Um espaço democrático que se transformou e, ainda que menos frequentado do que já fora em tempos recentes, reúne moradores de São Luís e de outras partes do país e do mundo.

O local, como diz de forma contundente o professor e pesquisador, Antônio Guimarães, já foi chamado de Largo dos Remédios e Praça Gonçalves Dias, mas os namorados a batizaram informalmente de Largo dos Amores. Além da referência pelo viés do perfil de público, a expressão “reduto dos apaixonados” também menciona, ainda que indiretamente, o homenageado.

Gonçalves Dias, em sua biografia considerada oficial, carrega em um capítulo especial o amor e a dedicação a Ana Amélia. Ele a pediu em casamento, mas a família dela, em virtude da ascendência mestiça do escritor, refutou o pedido.

O poeta maranhense Gonçalves Dias
O poeta maranhense Gonçalves Dias

Ana Amélia era filha do comerciante português Domingos José Ferreira Vale e Lourença Francisca Leal Vale. O então caixeiro Domingos Vale atuou em seguida como contador, onde ascendeu socialmente. Ao voltar de Portugal, Gonçalves Dias se hospeda em uma casa na Rua de Santana, em São Luís, em frente à igreja do mesmo bairro. O imóvel é visto até hoje com poucos aspectos originais da época, ou seja, do final da primeira metade do século XIX.

Com o amor entre os dois à flor da pele, Ana Amélia chega a sugerir uma fuga com Gonçalves Dias. No entanto, o poeta abriu mão do amor quase platônico e o casal se distancia. Por ironia do destino, Ana Amélia – anos mais tarde – se casa com outro mestiço e, provavelmente, a contragosto da família.

Mesmo sem o amor de Ana Amélia, Gonçalves Dias permaneceu escrevendo sobre o amor e suas marcas e consequências. Talvez por essa razão a praça na região central da cidade ainda atraia tanto amor. E tantos casais.

Dos mais antigos aos casais recentes, a praça que atrai o amor

Quem nunca namorou na Praça dos Amores? Sem dúvida, por sua localização, pelo seu charme e, principalmente, por sua bela vista, o local é buscado por casais de diferentes perfis e idades.

Em plena tarde de dia de semana, o casal Rosangela Mendes e Raimundo Silva contemplam o charme do espaço público. Juntos há 36 anos, eles afirmam a O Estado que, quando se deslocam para o Centro, fazem questão de passar alguns minutos ou horas no local. “Saímos de uma consulta e, antes de voltar para casa, passamos por aqui”, disse Rosângela Mendes.

A praça não foi o início da história do simpático casal, mas faz parte da biografia de ambos. “Nossos primeiros anos não foram aqui, mas a Praça Gonçalves Dias com sua beleza é sempre confortável para quem passa umas horas aqui”, disse Raimundo Silva.

Ver a praça pela primeira vez

Vindos recentemente de Pastos Bons (MA) – distante 540 quilômetros da capital maranhense – o casal Cassiana Pereira de Sousa e Luiz Carlos Brito dos Santos não conheciam a Praça Gonçalves Dias. Para eles, a arquitetura do local foi um fator de surpresa. “Muita gente falava para nós sobre esta praça, que é histórica. Mas realmente vir aqui pessoalmente é outra sensação. Realmente é tão bela quanto dizem ser”, disse Luiz Carlos.

Os moradores dos arredores do Palácio e construções vizinhas

Com o desenvolvimento do entorno do Centro, abnegados passaram a buscar moradias nesta região da cidade. A Praça Gonçalves Dias é cercada, por exemplo, pelo Palácio Cristo Rei. Seus primeiros proprietários pertenciam a uma família tradicional maranhense que, mais tarde, doou a construção para o clero. No prédio, teria funcionado a primeira Diocese da capital do Estado do Maranhão.

Dentre os moradores vizinhos à praça, estiveram Sousândrade (o homem que trouxe dos Estados Unidos a bandeira do Maranhão e poeta brasileiro cujas obras são consideradas referências para o movimento modernista brasileiro), além do Barão de Itapary (membro da alta sociedade ludovicense).

Outra residência nos arredores da Praça Gonçalves Dias pertencia a um cônsul inglês, cujo nome não fora encontrado na pesquisa de O Estado.

Outro casarão colonial ao lado da Praça Gonçalves Dias é a família Maluf, do casal Alim Rachid Maluf e Lia Damous Maluf. Além dele, há o marcante Palácio Cristo Rei, de história importante para a cidade.

O imóvel foi construído no século XIX pelo arquiteto Manoel José Pulgão. Foi concebido, ainda de acordo com o pesquisador Antônio Guimarães, para servir de residência ao comendador José Joaquim Teixeira Vieira. “O imóvel representa o luxo das famílias ricas do período colonial. Foi vendido em 1900 ao então vice-cônsul dos Estados Unidos, dono de casa bancária de São Luís”, disse Guimarães.

Segundo dizem, o cônsul costumava servir as mais sofisticadas iguarias aos mendigos e necessitados que circulavam nos arredores da Praça Gonçalves Dias e por isso passou a ser chamado de “padrinho”.

Chegada da estátua e outros bustos

Encomendada a estátua de Gonçalves Dias a partir de trabalho, de acordo com informações preliminares, de Portugal, as autoridades da época trataram de obter o logradouro público adequado e fixou-se no Largo dos Remédios.

A 10 de agosto de 1872, data do aniversário de nascimento do poeta, foi assentada a primeira pedra do monumento alusivo à Gonçalves Dias. Houve, inclusive, uma solenidade para o procedimento.

À época, uma das polêmicas foi sobre a disposição da estátua, ou seja, se deveria permanecer voltada para a terra ou para o “mar”.

O Jornal “O Domingo”, em publicações, também entrou na questão “A dúvida que acaba com este parecer é do poeta Araújo Porto Alegre, quando ele diz que a estátua do nosso querido Gonçalves Dias deve olhar para o mar”, afirmou Antônio Guimarães. E assim foi feito.

Uma curiosidade que suscitou O Estado nesta reportagem foi saber se a praça já receberá outros bustos. De acordo com fontes ouvidas, historicamente não há qualquer referência. “Se o corpo de Gonçalves Dias tivesse sido localizado no naufrágio trágico que o vitimou, certamente os restos do poeta estariam ali naquele espaço público”, disse o pesquisador Ramssés Silva.

Curiosidade

Uma lenda relacionada à Praça Gonçalves Dias

Alguns historiadores relatam um aspecto curioso relacionado à Praça Gonçalves Dias. Pessoas mais antigas defendem a tese de que um fantasma denominado de Manguda saía assustando as pessoas no local. Segundo os que confirmam a “lenda”, o fantasma era na verdade um indivíduo que carregava um pedaço de madeira com roupa branca.

O fantasma seria uma estrategia dos comerciantes que negociavam no Jenipapeiro para “esconder” os objetos que vinham no contrabando. Depois, descobriu-se que o Manguda, na verdade, não existia.

Primeiro playground da cidade

Com uma reforma plena em 1939, a Praça Gonçalves Dias foi reformada. Os reparos incluíram no espaço público o primeiro playground da cidade que, posteriormente, fora desmontado pela prefeitura.

Em 1964, ano do centenário de morte do poeta patrono, a Praça – com sinais claros de abandono - foi reformada, recuperando sua característica de grande área ajardinada, com iluminação.

O local ganhou significância na cidade por congregar uma festa religiosa, gerida pela irmandade que congregava setores sociais diversos, sobretudo mulatos. Aliás, a relação entre as ações da igreja e a praça é antiga.

Registro do Jornal do Maranhão, de 1958, aponta que a Igreja dos Remédios, ao lado da Praça Gonçalves Dias recebeu interessados em busca de vagas na Escola Primária dos Remédios (criada pela Associação de Assistência Social da Paróquia dos Remédios). O ato de entrega da escola, datado de 1958, contou com a presença do arcebispo metropolitano, Dom José de Medeiros Delgado.

O escritor e jornalista maranhense João Lisboa uma vez se referiu à festa de Nossa Senhora dos Remédios, que ocorria na Praça Gonçalves Dias. “Esta crônica é só para mim, pois duvido que algum leitor caia na asneira de ler gazetas no dia da Festa dos Remédios [...] Que festa linda! Que lindos amores!”, escreveu em publicação de O Semanário Maranhense.

A Praça Gonçalves Dias dos sorveteiros, dos grupos sociais...

Um dos espaços mais conhecidos da cidade é marcado pelos casais e pela reunião de grupos sociais. Skatistas são vistos com frequência usando o espaço e as construções para a prática de suas manobras. Em dias mais quentes, os sorveteiros de caixa e vendedores ambulantes também são figuras comuns. “Pela tarde e após as três da tarde já é possível vir aqui para vender meu sorvete a clientes”, disse José Aparecido, sorveteiro há três décadas.

Perfil

Antônio Gonçalves Dias teria nascido em Caxias em 10 de agosto de 1823. No entanto, alguns historiadores defendem a ideia de que, na verdade, o poeta é da cidade de Aldeias Altas. De acordo com os arquivos históricos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Gonçalves Dias é o patrono da cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Olavo Bilac.

Com uma poesia autobiográfica e com acervo lírico, em especial, Gonçalves Dias é um dos mais típicos representantes do Romantismo brasileiro.

Em 1838, Gonçalves Dias – aos 15 anos de idade - embarcaria para Portugal para prosseguir nos estudos, após a morte do pai. Apesar de dificuldades financeiras, Gonçalves Dias prosseguiu nos estudos e se formou em 1845.

Dois anos antes, Gonçalves Dias encaminhava sua verve literária ao escrever possivelmente em 1843 a “Canção do Exílio”, uma das mais conhecidas poesias da língua portuguesa.

Regressando ao Brasil em 1845, passou rapidamente pelo Maranhão e, em meados de 1846, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde morou até 1854.

Em 10 de setembro de 1864, embarcou para o Brasil no navio “Ville de Boulogne”, que naufragou em Atins, na costa do Maranhão, em 3 de novembro de 1864. Gonçalves Dias falece aos 41 anos de idade. Seu corpo jamais foi encontrado.

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