Espaço histórico

Da ermida vizinha à expansão urbana e refúgio de casais: a praça Gonçalves Dias

Local começou a ser concebido na segunda metade do século XVIII, a partir de projeto de modificação da cidade na região central; atualmente espaço é subutilizado

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Estátua do poeta Gonçalves Dias imponente no meio da praça que leva seu nome e hoje é subutilizada
Estátua do poeta Gonçalves Dias imponente no meio da praça que leva seu nome e hoje é subutilizada

SÃO LUÍS - Na segunda metade do século XVII, a região central da cidade passava por transformações. Foi neste período que a gestão local determinou que o eixo urbano no entorno da atual Praça Deodoro e adjacências viraria referência para o aquartelamento de forças de segurança.

A área, por esta razão, passou a ser conhecida como Largo do Quartel, denominação que se popularizou em meados de 1720. O Largo pertencia ao chamado Campo d´Ourique, que faz parte do mapa topográfico de São Luís nos primeiros anos de sua fundação.

No entanto, foi em 1775 que uma medida governamental possibilitou o surgimento de um dos espaços públicos mais conhecidos da Ilha. A Praça Gonçalves Dias é, atualmente, um dos berços da cultura, em que é possível se deparar fielmente com a história da cidade.

Neste local, constituído por belíssimas palmeiras, um antigo coreto, além de bancos ou assentos e uma estátua (cuja história será contada mais à frente), encontros sociais aconteceram em profusão. Além disso, a área tem íntima relação com as atividades da Igreja Católica. Conhecer um pouco mais sobre a história da praça é literalmente viajar no tempo.

Praça Gonçalves Dias em cartão-postal datado do ano de 1914 traz moradores elegantes em passeio pelo charmoso logradouro da capital
Praça Gonçalves Dias em cartão-postal datado do ano de 1914 traz moradores elegantes em passeio pelo charmoso logradouro da capital

A ligação com a praia: a intervenção pública que gerou a praça histórica

Com base no livro conhecido “História de São Luís”, em sua segunda edição, do escritor Mário Meireles, é possível depreender que em 1775, o então governador Joaquim de Melo e Póvoas (1761-1779) quis ligar o Largo do Quartel à Ponta do Romeu (um sítio da Ordem de São Francisco), antiga Praia do Jenipapeiro (atual anexo da Capitania dos Portos do Maranhão, ao lado da Ponte Bandeira Tribuzi). Quase sessenta anos antes da medida, ainda de acordo com Meireles, o então capitão Manuel Monteiro de Carvalho levantara uma ermida (pequena igreja) dedicada à Nossa Senhora dos Remédios.

Foi neste contexto que surgiu a “Estrada dos Remédios”, que vinha da Ponta do Romeu ao extremo da Rua Grande. A via antiga seria onde é atualmente a Rua Rio Branco. A partir da ligação, começam a surgir espaços como o Cemitério Municipal, sob a administração da Irmandade da Misericórdia e ainda um espaço, em frente à antiga ermida para Nossa Senhora dos Remédios.

Mesmo após a saída de Póvoas que, segundo o trabalho científico intitulado “Os governadores do Estado do Grão-Pará e Maranhão: perfis sociais e trajetórias administrativas (1751-1780)”, de Fabiano Vilaça dos Santos, voltou para Lisboa, dada a “estreita ligação” com o Marquês de Pombal - que também regressara à capital portuguesa - o espaço público passou a ser aproveitado.

A área da Praça Gonçalves Dias passou a ser administrado pela Igreja Católica, mais especificamente pelos jesuítas. Entre o final do século XVIII e primeira metade do século XIX, o espaço foi usado para a extensão das atividades ligadas à igreja, passando por intervenções específicas e motivadas por doações de abnegados.

No entanto, outro marco da praça é quando, de fato, o espaço passa a se referir ao poeta mais conhecido do Estado.

A referência à Gonçalves Dias

Em 1860, o Largo dos Remédios (área da Praça Gonçalves Dias) passou por grandes reformas e tornou-se famosa por causa da Festa dos Remédios, promovida pela Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios, que ocorria por três dias no mês de outubro. Após a concepção de uma construção mais pujante no lugar da antiga ermida, que desabou no final do século XVIII, aumenta a necessidade de utilização coletiva da praça.

De acordo com informações do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o monumento em homenagem ao poeta Gonçalves Dias, construído com verbas de uma subscrição pública, teve sua pedra fundamental lançada na segunda metade do século XIX. No entanto, a estrutura somente fora inaugurada no local em que está atualmente no dia 7 de setembro de 1873.

O pesquisador Ramssés Silva chama a atenção para um fato interessante envolvendo a estátua. Nela, é possível compreender um elemento metafórico relativo à “Canção do Exílio”, poema mais famoso de Gonçalves Dias. “Ele [poeta Gonçalves Dias] está em cima de uma palmeira de babaçu. Gonçalves é o próprio sabiá”, comentou.

De fato, a estátua – elaborada em Portugal – é um dos monumentos mais emblemáticos da cidade de São Luís. Foi a partir da sua instalação que outras melhorias no espaço da praça são concebidas. Constantemente, a Academia Maranhense de Letras (AML) – que tem em Gonçalves Dias o seu patrono – realiza sempre uma homenagem para lembrar o nascimento do poeta, a 10 de agosto. Este ano, em virtude da pandemia, o evento infelizmente não pôde ser realizado.

Em 1900, o nome do local mudou para Gonçalves Dias.

O pesquisador Antônio Guimarães
O pesquisador Antônio Guimarães

Saiba mais

Igreja dos Remédios

Feita pelos comerciantes que negociavam na região, a construção seria oriunda do final do século XVIII. A primeira referência à Igreja dos Remédios aparece em uma escritura pública datada de 23 de fevereiro de 1719 na qual o superior dos religiosos franciscanos, João da Silva Cutrim, doou ao capitão Manoel Monteiro de Carvalho as terras localizadas na chamada Ponta do Romeu, onde se comprometeu a construir uma ermida.

O capitão tomou posse de uma área quadrada de 50 braças de lado, que achou ser o espaço necessário para a construção, que foi iniciada em 16 de julho de 1719 e finalizada em setembro do mesmo ano.

A construção foi reedificada por doações obtidas do comércio e navegação pelo ermitão Francisco Xavier. No início do século XIX, a igreja se encontrava enriquecida pelas doações de negociantes do Maranhão, que tomaram Nossa Senhora dos Remédios como protetora do comércio.

Em 1860, o Largo dos Remédios passou por grandes reformas e tornou-se famosa por causa da festa à santa, promovida pela Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios, que ocorria durante três dias no mês de outubro. Aluísio de Azevedo a descreveu em seu livro “O Mulato”.

Uma curiosidade é que nessa Igreja, é recepcionado pelo governo maranhense, e pelo cônsul português Fran Paxeco, o aviador português Sacadura Cabral e Gago Coutinho, os primeiros que fizeram uma viagem atlântica entre o Brasil e Portugal.

Até hoje, a igreja é a única com estilo gótico na capital maranhense e passou, ao longo dos anos, por algumas reformas.

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