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A pandemia não resistiu às eleições

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

A campanha eleitoral não seria capaz de acabar com o coronavírus. Impressiona, no entanto, a rapidez com que as eleições vindouras destroem a coerência do discurso do cuidado com a saúde coletiva no atual contexto de crise sanitária. Independentemente do que até aqui foi sustentado publicamente quanto ao combate à Covid-19, o desrespeito ao distanciamento social e o incentivo às aglomerações aproximaram diferentes siglas partidárias.

A última semana foi marcada pela realização de convenções que oficializaram o lançamento de nomes para concorrer ao pleito municipal deste ano. Com exceções pontuais, talvez levadas a cabo bem mais pelo tímido número de apoiadores que pela preocupação com a pandemia, o que se observou foi um completo desrespeito e descaso com as normas básicas de prevenção ao contágio pelo Coronavírus.

No Maranhão, onde normas estaduais e municipais acertadamente ainda proíbem aglomerações e restringem a realização de uma série de eventos, preocupa bastante o recado dado pelas multidões chamadas às convenções partidárias. Mais do que isso, as aglomerações demonstram os limites da coerência e do real compromisso com a população por parte de políticos que ocupam hoje cargos públicos e dos que pretendem ocupar.

Passeatas numerosas, auditórios e ginásios lotados e mesmo megaproduções comparáveis a shows de popstars. O início da campanha eleitoral não poupou formas de incentivar a reunião das massas. As aglomerações foram uma marca do último fim de semana, tanto em São Luís quanto em diferentes municípios do interior do Maranhão. Não faltaram ao encontro pessoas que compõem os já conhecidos grupos de risco à Covid-19.

Foram perceptíveis as críticas feitas às aglomerações, desnecessárias e irresponsáveis, incentivadas pelas coligações partidárias, algumas delas registradas em comentários nas transmissões ao vivo dos eventos pelas redes sociais. As respostas dadas por apoiadores dos candidatos, também na forma de comentários, quando não ofensivas aos que questionavam as aglomerações, foram infundadas. “Mas todos estão de máscaras!” ou “os outros candidatos também realizaram aglomerações!”. A primeira talvez se baseie numa propriedade das máscaras ainda desconhecida pela epidemiologia, que a torne suficiente para impedir o contágio. A segunda se fundamenta na ideia falaciosa de que o erro de todos produz alguma espécie de acerto.

Os mesmos candidatos que se passam por modernos, pautando suas campanhas pelo brilho reluzente da própria imagem nas redes, com intensa influência digital, não resistiram à velha política do palanque e das bandeiras. Gestores que se proclamam exemplos para o Brasil no combate à pandemia cederam ao discurso que menospreza a crise sanitária, portando-se de forma absolutamente contrária ao que pregam à população em geral.

Se por um lado as aglomerações vistas recentemente são apenas o começo de meses de campanha eleitoral, por outro já bem demonstram o tom hipócrita e mesquinho que está por vir. Por certo, o discurso de combate à pandemia não sobreviveu ao primeiro momento das candidaturas. A ética e a coerência entre discurso e ação, tão raras na vida política brasileira, foram mais uma vez golpeadas pelos interesses imediatistas e eleitoreiros, dessa vez por meio do desprezo à pandemia, da desconsideração da saúde pública e do desrespeito aos grupos vulnerabilizados pela Covid-19.

O início da corrida eleitoral no Maranhão aproximou conservadores e progressistas. Políticos que se apresentam como novidade e os já tradicionais, no fundo, parecem compartilhar de uma coisa em comum, o desejo pelo poder, que, nas palavras do antigo filósofo grego Epicteto, é algo perigoso para debutantes.


Yuri Costa*

*Doutor em História, professor da UEMA e defensor público federal

Luiz Eduardo Neves**

**Doutorando em Geografia e professor da UFMA

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