Artigo

A bunda como palavra

José Ewerton Neto/Autor de O ABC bem humorado de São Luís

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

Vinte anos atrás circulou em todo o Brasil a revista chamada Bundas, com conteúdo de humor político na linha anteriormente seguida pelo famoso jornal O Pasquim, inclusive contando em sua equipe com alguns jornalistas remanescentes do antológico semanário que marcou época.

Há uma semana, surpreso e quase completamente esquecido da mesma, resgatei alguns exemplares dessa revista num sebo. Em uma de suas edições, a de número 48, deparei-me com uma matéria de Sérgio Augusto, um de seus colaboradores, em que este apontou a palavra Bunda como a mais bonita da língua portuguesa. E explicou o motivo:

“Tenho para mim que quando alguém me pede uma palavra bonita a escolha seja ditada mais pela eufonia do que pela expressividade semântica. É o som e não o sentido, que embeleza ou enfeia um vocábulo. Pelo menos os poetas deveriam saber disso. Alguns dos nossos não sabem, daí o prestígio de vocábulos como liberdade, esperança e democracia, entre os bardos da terra. Baudelaire e Joyce teriam ficado horrorizados com essas escolhas. Para Baudelaire a palavra mais bonita da língua francesa era hemorroides. Joyce preferia cuspidor que na língua dele também significava escarradeira, mas que, evidentemente, soa mais agradável aos ouvidos, quando pronunciada à irlandesa”.

Quando encarei esse tema, neste jornal, nos tempos do Hoje é dia de... argumentei de forma semelhante, porém fui mais longe, sugerindo que as palavras, muitas vezes se rebelam ao significado que lhes impõem e continuam belas ou feias independente da semântica em que foram inseridas. Em defesa de minha tese me socorri do definitivo - para mim - postulado do romancista francês Victor Hugo: “As palavras como se sabe são seres vivos”. A crônica intitulada ‘Com quem se parecem as palavras’ foi muito solicitada então pelos leitores tendo inclusive a sua frase final “A palavra pássaro é um outro pássaro” sido escolhida como epígrafe de um dos poemas do belo livro de Weliton Carvalho lançado este ano Ócios do ofício. Isso me levou a incluí-la no meu primeiro livro de crônicas, O ABC bem humorado de São Luis, hoje em terceira edição.

Mas, seria a palavra Bunda efetivamente merecedora do galardão de a mais bela, pelas razões citadas? Lembro de que entre os leitores que me mandaram mensagens na época houve aqueles que se deixavam levar pela semântica apontando Mãe, Coração, Liberdade ou a própria palavra Bonita (como foi a opinião do articulista amigo José Neumanne Pinto). Surgiram vocábulos pleiteantes ao título entre aquelas cuja sonoridade se impõe à rejeição natural do que traduzem, como Holocausto, Lúcifer, Vândalo e Vendaval, como também aquelas nas quais o sentido e a sonoridade se entrecruzam vitoriosos por terem a sua eufonia sintonizadas com a sugestão de seus significados como Aurora, Paraíso, Harmonia, Vitória ou Pássaro. Essas sairiam como favoritas numa competição porque não demandariam restrições de nenhuma ordem.

Quanto à palavra Bundas, podem dizer tudo da mesma, menos de que seja feia, independente de não poder ser citada com naturalidade nos ambientes e nos discursos.
Assim como uma rosa é uma rosa é uma rosa, uma bunda é uma bunda é uma bunda, possuindo ainda uma adicional peculiaridade vitoriosa. Mesmo não sendo a mais bonita, é sempre bom lembrar que, nesta vida, em qualquer lugar da fila em que alguém se ponha estará, certamente, atrás de uma.

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