Artigo

Desconstruir para seguir...

Bruno Anchieta/Professor e psicólogo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

Entre um paciente e outro, no postinho de saúde em que trabalho, uma situação me incorre de forma muito forte. As pessoas estão adoecendo às nossas vistas. Efetivamente pouco é feito; muito é negligenciado. O Setembro Amarelo simboliza o mês de prevenção ao suicídio. Ao meu ver, seria fundamental um processo massificador para a desconstrução de algumas “convenções sociais” que acabam, indubitavelmente, obstaculizando o enfrentamento de uma problemática tão séria e assustadora.

Não, a dor do outro, como a sociedade, de maneira geral, em seus micro-grupos e macro-grupos, insiste em perpetuar, não é frescura; não é querer chamar atenção; não é falta de fé. O problema do suicídio perpassa por indivíduos que estão num grau absoluto de flagelo psicológico. E, sim, merecem ser vistos, e principalmente, acolhidos por todos nós. Familiares, amigos e, naturalmente, os profissionais da saúde. A pessoa em sofrimento psicológico se torna extremamente vulnerável, e alguns sintomas são percebidos de forma mais evidente. Mas a proposta do texto não é esmiuçar de forma pedagógica os sintomas. O objetivo nuclear desse texto é outro.

A eterna dicotomia viver x morrer precisa ser tirada desse plano cartesiano. As pessoas, os seres humanos, não são numerais. Existem elementos que precisam ser entendidos, variáveis que merecem destaque. Viver implica, grosso modo, em resistir. Resistir à solidão; a negligência; a desqualificação da própria dor; resistir ao egoísmo humano. Com efeito, Saramago - Nobel de Literatura - tivera razão: a morte, sozinha, mata menos do que o homem.

A assertiva de José Saramago se faz extremamente fecunda para esse terreno no qual estamos passeando. As pessoas morrem ao nosso lado; agonizam ao nosso lado; sofrem ao nosso lado. E, contraditoriamente, cruzamos os braços. Ou melhor, colocamos a venda do individualismo em nossos olhos. Ou seja, banalizamos a dor e, como se fora num passe de mágica, solidarizamo-nos com a morte. É como se apenas o resultado de tanto sofrer fosse o importante nesse cenário, e, definitivamente sabemos que não é.

No mundo, no Brasil, milhares de pessoas têm recorrido ao suicídio, na tentativa desesperada de findar algo que se tornou insustentável. Nesse contexto é que precisamos emanar os esforços na mesma direção. Primeiramente, solidarizarmo-nos com o sofrimento do outro; secundariamente, mas não menos fundamental, desconstruirmos o preconceito ainda acachapante que gira em torno dos problemas que envolvem a saúde mental. Falar, buscar ajuda, é o caminho primordial e acalentador para diminuir esse período de turbulência pelo qual várias pessoas no mundo passam.

Os profissionais - psicólogos e psiquiatras - precisam também estar efetivamente conectados a essa problemática. Via de regra, ainda existe muita resistência por parte dos “enfermos” para buscar um dos profissionais citados acima. Preconceito. Medo. São alguns dos motivos que os distanciam daqueles que, teoricamente, podem ser marcos divisórios em suas vidas. Portanto, não se cale, diga a um amigo, ou familiar, o que está sentido, eles, por sua vez, podem direcionar ao tratamento adequado.

A vida não quer que vá embora, já dizia Mário Quintana, em um de seus poemas. A sensação de solidão, de definitiva falta de perspectiva, precisa ser ressignificada; existe sim uma possibilidade de uma vida mais saudável, mais leve, sem que a desesperança lhe encarcere de vez. Permita-se a viver; permita-se a resistir; o fim do caminho que está desenhado para você a todo momento em seus pensamentos, eles não precisam representar o fim da linha, da vida; podem, se desejarem e buscar ajuda, representar um novo caminho, uma nova possibilidade de viver, sentir, e sobretudo, saber o quanto és importante para todos ao seu lado.

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