Entrevista

Alex Brasil: uma história de poesia e humanidade

Poeta e publicitário faz da escrita um sacerdócio e conta que desde a infância, sempre desejou escrever

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18
Alex Brasil: "No poeta até a beleza dói"
Alex Brasil: "No poeta até a beleza dói" (alex brasil)

São Luís - A poesia de Alex Brasil há muito tempo vem traçando seu lugar no cenário maranhense. Uma poesia pautada no homem, no ser ontológico, suas causas sociais, suas reverberações, suas queixas por dignidade. Um contexto amplo que resulta em versos de profundidade e que seduzem o leitor para a reflexão do status quo humano.

O poeta Alex Brasil é publicitário, mas seu olhar também se volta para a poesia, à literatura. Um poeta de pouco estardalhaço, prefere escrever e mostrar em livros toda a sua produção. Fiquemos com a entrevista que Alex Brasil gentilmente cedeu a Os Integrantes da Noite (aos poetas Antonio Aílton, Bioque Mesito e Rogério Rocha) e publicada no jornal O Estado do Maranhão.

Como começou essa vontade pelo mundo da literatura, da poesia?

Nasci em casa de palha de babaçu no interior do Maranhão, num povoado de Codó, chamado Saco. Eu e meus amigos da primeira infância, nascemos na miséria quase absoluta, onde muitos morreram ainda crianças. Mas eu não via a miséria, eu via a natureza, os pássaros, o riacho do meu povoado se perdendo na floresta; eu via a primavera, as estações trazendo flores, frutos, sol, chuva e as estrelas no infinito, enfim, a vida explodindo em beleza, mistério e sonhos. E eu, sem entender dentro de mim, as metáforas, os paradoxos, as sinestesias, as conotações e símbolos querendo expressar tudo aquilo: queria pintar sem ser pintor, queria escrever sendo analfabeto. Eis aí por que eu seria poeta, independentemente de minha vontade. Não havia salvação, eu seria poeta ainda que durante toda minha vida não escrevesse um único verso. Nasci amaldiçoado a querer conversar como e com os anjos, porque é isso que a poesia é: uma linguagem que aspira ao divino, sem alcançar a divindade. Nunca quis ser poeta, não quero ser poeta. Ser poeta é ser “gauche” na vida, é sentir demasiadamente a sua própria dor, a dor dos outros e da existência. No poeta até a beleza dói, porque a sensibilidade é aguda num coração em carne viva. O poeta só não morre em overdose de sentimentos, porque não se é poeta o tempo todo; a crueza da realidade trata de esbofeteá-lo diante das lutas concretas pela sobrevivência. Um dia, aos dezessete anos, uma jovem e bela professora minha de português, paixão platônica de todos nós da turma, no final da aula disse que queria conversar comigo. Era final de ano. A sós, ela apertou minha mão e disse: “Meu rapaz, você é um poeta. E isso é raro. Você é o único poeta que conheci entre todos os alunos que já tive. Eu conheço toda a mecânica da língua portuguesa, mas não consigo escrever com a beleza com que você escreve. Tenho um presente para você.” E então ela me deu a obra completa de Carlos Drummond de Andrade, e me disse, por último: “Leia, leia e estude; poeta você já é.” Enfim, meus professores de português sempre me incentivaram a escrever.

Qual autor ou autores que te conduziram no início da carreira poética?

Não reconheço nenhuma influência preponderante de algum autor, quer brasileiro ou estrangeiro, sobre a minha obra poética. Dos brasileiros, lá na minha adolescência, os que mais me causaram estranheza e um certo espanto foram Augusto dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade; mas praticamente nada em minha poética reflete a dicção ou características das obras desses autores. Eu os admiro, mas sem nenhuma influência no que escrevi até agora. O que escrevo tem mais a ver com o meu DNA poético em consonância com as pulsações da realidade que me cerca, com o meu tempo, suas perplexidades e novidades. Talvez por isso, minha obra, sem referências estético-literárias, seja, às vezes, mal compreendida. Mas prefiro a originalidade ao esteticismo pelo esteticismo, sem empatia nas emoções humanas.

Com qual periodicidade lês livros de poesia e quais autores identifica-se?

Dificilmente leio um autor no seu todo. A partir do momento em que identifico seu estilo, sua forma e suas temáticas, logo me desinteresso, guardando, é claro, em mim, a essência daquele autor. Aos 65 anos, com a morte conversando cada vez mais comigo, leio esparsamente os novos que me chegam pela mídia. Na verdade, mais releio os clássicos, pois em tudo de novo que leio vejo os rastros e ouço as vozes de Homero a Fernando Pessoa. Na verdade, não existem mais novos caminhos estéticos na literatura, só jeitos novos de andar e trilhar os mesmos caminhos, principalmente os iniciados pelos antigos pensadores gregos.

O que achas da política adentrar em uma obra (o engajamento propriamente dito)?

Eu concordo com Bertold Brecht: o pior analfabeto é o analfabeto político, pois até o preço do feijão, do açúcar (e de um livro de poesia), dependem das decisões políticas do homem social, portanto, com reflexos em nossas vidas como um todo. Boa parte de minha poesia é de engajamento social, às vezes panfletária, reflexo do que me causa revolta e indignação. A poesia é uma atividade transformadora, também é povo, revolução e transgressão. Uma metáfora pode ser uma pétala o uma lâmina.

O que poderias inferir sobre os movimentos que de certa forma segmentam a literatura e a poesia (movimento LGBTQIA+, feministas, antirracismo, contracultural...)?

Poesia é poesia, independentemente de rótulos, nasça ela no asfalto, no corpo nu de uma mulher ou em um jardim. Se a poesia floresce em guetos, em segmentos ou movimentos específicos, mas tem valor artístico e essência universal, então ela está cumprindo a sua função de elevar o espírito humano e de nos libertar da barbárie e do obscurantismo. A poesia é o lado iluminado da vida, a música da matemática que permeia todo o universo. O que não vale é a antipoesia sem forma, sem mensagem, sem metáforas e sem musicalidade; estritamente mineral, sem vida, estéril, inútil e improdutiva.

Como percebes o cenário da poesia (maranhense, brasileira, mundial) nesta transição entre séculos XX e XXI?

O Maranhão continua sendo um celeiro de talentos literários, principalmente de poetas. E nessa quantidade existe muita qualidade, ao nível do que se melhor produz nacionalmente e fora do Brasil. Em outros Estados não vejo essa efervescência que há aqui em São Luís. Muitos acham que deveríamos ter mais prosadores, mas esquecem de que a poesia é que enriquece e consolida organicamente uma língua pátria, nacional. A poesia é gênese; nada se diz de belo e relevante que eleve o espírito humano que não tenha primeiro sido dito por um poeta. Nesse sentido, continuamos sendo Atenas Poética Brasileira.

O que representa a cidade de São Luís em tua obra?

Costumo dizer que São Luís é a capital universal dos meus sonhos. Nasci no Interior. Sonhava com o mar do Rio de Janeiro. Cheguei em São Luís e me apaixonei pela cidade, que tinha um certo conforto das metrópoles, mas guardava em si, ainda, o calor humano das províncias. Vivo em São Luís por opção. Já publiquei dois livros sobre ela, em que denuncio suas feridas sociais, mas sem nunca esquecer o lirismo que São Luís desperta todos os dias em minha alma irmanada à sua beleza e humanidade.

Há algum segredo em tua forma de escrever poesia?

Não há segredo. A minha poesia é reflexo de minha conexão com o meu tempo com suas utopias e distopias. É a minha expressão particular e original diante das perplexidades, espanto, revolta, indignação e encantamentos do mundo em que vivo; da realidade às vezes transfigurada em absurdo, surrealismo e vertigens. A minha poesia é o reflexo de minhas mãos dadas com minha província e a aldeia global em efervescências cognitivas jamais vistas na humanidade, onde Deus e a ciência marcham para um encontro definitivo e elucidativo sobre a nossa existência.

Qual tua relação com os poetas mais recentes? Eles te trazem distanciamento ou aprendizagens?

Reconheço que convivo pouco com os nossos poetas jovens, e mesmo com os da minha geração, muito mais por culpa minha que tenho me recolhido cada vez mais; não sou boêmio, nem notívago, tenho hábitos espartanos e minha mulher diz que tenho uma certa fobia social. Até mesmo meus dois mais recentes livros sequer fiz lançamento. Apenas os coloquei em algumas livrarias. Mas acompanho os mais jovens pela mídia e fico feliz pelas suas produções, que trazem, em si, um timbre de renovação. Com eles, o novo sempre vem, e a nossa poesia está sempre em expansão.

Existe uma genética que leve alguns poetas a escreverem melhor do que outros, ou poesia é exercício, é técnica, aprendizado?

Acho que a genética contribui mais na nossa predisposição para ser poeta (o poeta já nasce poeta). Mas não basta só o talento para se escrever poesia, ou qualquer texto, de alto nível artístico, com originalidade e beleza. O poeta maduro, ciente do seu ofício, tem que ter inspiração e muito mais transpiração para escrever algo novo e perene, como o escultor que garimpa a arte no mármore de suas emoções.

O que podes comentar sobre os escritores que pensam que a poesia não pode ser trabalhada e que da forma que vem deve ser mantida?

Em qualquer processo criativo, pelo pensamento freudiano, com que concordo, além das fases de informação, encubação e insight, existe a última que é a VERIFICAÇÃO. Não basta só a criatividade pela criatividade, tem que existir na criação a pertinência e a arte-final, a consciência do valor artístico do que se produziu. Então, conteúdo e forma se completam. Reconheço que alguns poetas, e aí me incluo, resistem, às vezes, em burilar o poema, como se assim fazendo estivessem traindo os seus sentimentos expressos num ato de iluminação. Mas o poeta que é mestre sabe que, na arte, a epifania e o ato operário se completam.

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