Artigo

O preço do arroz não cabe no poema

Marcelo Coutinho, Professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

O mercado financeiro conhece bem o conceito de “bolha” econômica. Já foram muitas grandes crises desde anos 1980 em função de tal fenômeno. Basicamente, uma empresa, um país ou mesmo o mundo inteiro entram num frenesi e alimentam, assim, expectativas exageradas sobre o seu próprio crescimento, e daí muita irracionalidade começa acontecer, todos esperando por algo irrealizável.

Cedo ou tarde, geralmente mais cedo do que se imagina, essa bolha estoura e as expectativas se revertem por completo. Não passa, portanto, de uma especulação auto-interessada ou um otimismo estelionatário. As pessoas acreditam nas próprias mentiras ou invencionices e fazem apostas sobre apostas, dobrando o preço da ideia na qual investiram, como uma promessa que se autocumpre só até a metade da história.

Para uma bolha se formar é preciso que as pessoas acreditem nela. Por isso precisam ser convincentes com aquele olhar hipnótico de um ilusionista. Não que seja desprovida de qualquer fundamento, mas simplesmente exagera demais. E quando todos embarcam nessa canoa, ela faz água e afunda porque venderam um Titanic que naufraga sem iceberg, apenas por si próprio.

Agora mesmo, o mundo vive a bolha das empresas de tecnologia. Elas são preciosas, sim, mas se valorizaram numa cifra astronômica sem lastro na realidade. É mais ou menos assim, correndo risco de excesso de simplicidade: um carro hipotético pode ser incrível. Porém, como ele poderia valer mais do que uma mansão? Claro que há algo de errado com isso. Um dia a bolsa sobe, noutro ela despenca, quando todo mundo então cai na real.

Pois bem, nesse mesmo sentido, tudo indica que há hoje uma bolha de popularidade em torno de Bolsonaro. Como pode um presidente ser tão popular com a economia destroçada, tanto desemprego, inflação voltando, escândalos de corrupção e 130 mil mortes já pela pandemia? Bolha, simplesmente bolha. Fruto de um auxílio emergencial e outras medidas temporárias.

Como toda bolha, essa também vai estourar. O auxílio caiu pela metade, as contas não fecham e o horizonte da economia não é alvissareiro. O desabastecimento de itens da cesta básica é só o começo. A hipnose tem limites mesmo para um Houdini. Claro que Bolsonaro tem base real na opinião pública, neoconservadores que deverão continuar com ele até o final. Mas quando o saco de bondades do novo pai dos pobres acabar, e sobretudo quando o dinheiro dos pobres acabar, talvez queiram trocar de paternidade no país dos mitos, heróis macunaímicos e profetas.

É possível que a bolha arrebente mas outra se forme antes das eleições de 2022, viabilizando a reeleição do presidente. Mas isso é pouco provável. O país está muito endividado, e mesmo a combinação inflacionária de juro baixo e câmbio alto não trouxe investimentos. A desorganização da economia é grande. O ágio financeiro cresce perigosamente, levando a um tipo de “pedalada legal” do BC financiando o Tesouro. O desemprego enfraquece o consumo. E, para completar, o mundo inicia uma nova guerra fria entre EUA e China, que já pagou por toda a safra brasileira recorde, até a que não foi plantada ainda, como medida de prevenção de estoque.

O país está sem pernas para correr. Ainda que cresça com muita sorte 3% em 2021, por uma questão meramente estatística, será apenas uma recuperação parcial. Então, o ilusionismo populista esbarrará numa população indisposta para truques e abracadabras. Não há mais coelhos na cartola. O preço do arroz não cabe no poema, e não há vagas de emprego, para lembrar nosso Ferreira Gullar. Esgotou a mágica do auxílio que inflou a bolha presidencial. Quando ela estourar, teremos um presidente fraco num país sem dinheiro para fechar as contas.

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