Imagens

Imagens de uma cidade distante?

Da superfície fotográfica aos mais complexos mecanismos da memória, passado e presente se encontram em registros de São Luís...

Diogo Azoubel*

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

SÃO LUÍS- O aniversário de São Luís é, para este que vos escreve, uma oportunidade de refletir sobre como a nossa história vem sendo escrita, sobre os contornos dados à Ilha, suas ruas, praças, largos e prédios, especialmente daqueles no Centro Histórico. Em tempos de profundas modificações sociopolíticas, é inevitável repensar modelos urbanos, seja para contemplar a diversidade humana, seja para adequá-los aos códigos de conduta que normatizam, por exemplo, a acessibilidade de idosos e de pessoas com deficiência às belezas arquitetônicas nesta terra.

As fotografias que seguem são espécie de convite à uma cidade distante, fugidia, em preto e branco. São também um chamado à uma nova São Luís, erguida diante dos nossos olhos e que, embora jovem, se impõe à ação do tempo. Os registros originais datam da década de 1950 e foram realizados pelo saudoso Dreyfus Nabor Azoubel (1919-2002), o Dedé Azoubel, primeiro fotojornalista ludovicense; os novos, de 2020, são de Uziel Azoubel, um dos seus filhos que enveredaram pelo fascinante universo da fotografia.
Como que para contemplar a história se repetindo, tais imagens fazem parte de um projeto maior em desenvolvimento. A ideia é revisitar o passado, aquele “aqui e agora” (hic et nunc) que nos escapa o alcance, a partir do “aqui e agora” em que se vive. Ou, em outras palavras, da superfície fotográfica, buscar os rastros que ativam e alimentam os mecanismos da memória do ausente, de tempos outros que não os de hoje.

No Beco da Alfândega, na Praia Grande, o que se nota além das crianças sem camisa, brincando entre aquilo que parecem ser sobras de construção (algo impensável atualmente), são as instalações elétricas residenciais, projetadas do alto de um poste que se eleva como que a dividir a linha do tempo. Já em cores e sem tantos fios, aquele não mais parece ser o mesmo Beco: faltam as brincadeiras, sobejam compromissos, é o que mostram os adultos apressados caminhando ali.

Beco da Alfândega hoje, no registro de Uziel Azoubel
Beco da Alfândega hoje, no registro de Uziel Azoubel

Diante da Biblioteca Pública Benedito Leite, no Centro, a ação histórica se faz mais legível na exata medida em que, do ontem ao hoje, erguem-se palmeiras em profusão para emprestar suas cores àquele majestoso prédio monocromático. Bustos de alguns dos nossos imortais passam a partilhar espaço com as e os transeuntes que, cada vez mais, encontram no atrasar da hora alguns momentos para contemplar a magia daquele espaço e do seu simbolismo.

Biblioteca Pública Benedito Leite
Biblioteca Pública Benedito Leite

Enquanto isso, a vista posterior do sobradão ao Largo do Carmo testemunha a solidificação de novos hábitos. Redes e outras peças de vestiário dependuradas dos varais não mais se notam, ao contrário, muros mais e mais altos seccionam o olhar com sua irregularidade. A impressão é a de que disputam a duras penas a luz do Sol. Das janelas entreabertas, chegando mesmo a ser disfuncionais, o que resta é a lembrança esmagada pelo uso que tem sido dado aos prédios da região.

O questionamento que fica é, para aonde nos levarão os vestígios daquela cidade distante quando a memória que se inscreveu nos sais de prata, há quase sete décadas, for sobreposta por outros fios, traços e indícios do hoje quando vistos de um futuro que já bate à porta? Que São Luís é essa que, a despeito de tantas modificações estruturais – nem sempre convergentes – insurge como lembrete do que não se permitiu perder no esquecimento? Bem, neste momento, a resposta foge à mente deste que vos escreve. Logo, o que nos resta enquanto agentes históricos, é acompanhar tais retratos vivos com curiosidade e otimismo, estejam eles impressos em papel ou na memória.

* Diogo Azoubel é professor pesquisador da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc-MA). É mestre em Comunicação e Cultura, doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COS | PUC-SP) e autor de “Narrativas Fotojornalísticas I: matizes, objetos, sujeitos” (Letramento, 2019). E-mail; diogoazoubel@gmail.com.­

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