Quase extintos

Sinos das igrejas de SL: toque sagrado que pode silenciar

Tradição milenar de tocar sinos pode se perder em São Luís, cidade onde a maioria das igrejas tradicionais já se calou, por causa do comprometimento das torres sineiras da capital

Evandro Júnior / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]São Luís - Tradição em muitas cidades históricas brasileiras, o toque harmonioso dos sinos, chamando os fiéis para a missa e marcando os horários de oração, está em vias de extinção em São Luís. No centro da cidade, a maioria das igrejas não mais anuncia as missas nem utiliza o artifício musical sacro para enviar mensagens à comunidade. O silêncio tem uma explicação: a precariedade das torres sineiras que, por falta de manutenção, comprometem toda a estrutura. Por essa razão, a ordem é silenciar.

“Temos quatro, mas nenhum deles toca mais. É que a torre apresenta rachaduras e, pelo que sabemos, há um projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Maranhão (Iphan/MA)) para a restauração, mas ainda não foi colocado em execução. Enquanto isso, o silêncio reina”, explica o padre Everaldo Santos Araújo, pároco da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, onde os sinos soavam às 6h, 12h, 15h e 18h, religiosamente.

Segundo o padre, os objetos datam de 1839 e vieram de Portugal. “São peças históricas de valor inestimável com uma simbologia especial e cujos toques a comunidade gosta de ouvir. Aqui na igreja, eram os sacristães quem badalavam, e muitos católicos foram chamados para as missas pelo seu tilintar”, aponta o padre.

Os dispositivos remontam ao século V e foram de vasto uso na Idade Média. Eram particularmente usados nas comunidades monásticas para chamar os monges que, durante o dia, espalhavam-se por diversos locais dos mosteiros no cuidado de suas atividades, a fim de reuni-los para as orações na capela. O toque dos sinos das igrejas e capelas pontua os acontecimentos do cotidiano. É o despertador, o correio da boa e da má notícia, e pode anunciar a vida ou a morte.

[e-s001]“Uma tradição que avançou no tempo, mas que está sendo esquecida na capital maranhense. Aqui, temos uma torre sineira com vários, mas ela está interditada. Os sinos continuam lá. No entanto, a estrutura não permite que se suba para tocá-los. Estão velhos, enferrujados, alguns até rachados. Na verdade, a maioria das igrejas do Centro Histórico de São Luís está nessa mesma situação. São objetos importantes, porque divulgam os horários das celebrações e enviam vários outros tipos de mensagens à comunidade”, frisa o padre Roney Carvalho, da Igreja da Sé.

Sineiros
Geralmente, os sinos são tocados pelos sineiros, que dominam o ofício, registrado como patrimônio imaterial do Brasil. Eles sabem a maneira correta de fazer tilintar os pequenos, médios e grandes sinos, com sons e timbres variados, entre graves e agudos. Cada repique, dobres e toques, indicam qual solenidade ocorrerá: se uma procissão, novena, bênção do Santíssimo ou a hora da missa.

Pelos toques fúnebres, toma-se conhecimento, inclusive, de uma pessoa falecida. Quatro pancadas antes da missa, significa que é o vigário quem celebrará. Cinco pancadas é o bispo quem comandará a cerimônia e seis significa que é o arcebispo.

Em São Luís, a arte de tocar sinos não parece ter sido levada a sério. Francisco de Assis conta que ele era o responsável por esse trabalho na Igreja do Desterro, à qual se dedica como voluntário há duas décadas. Mas ressalta que não domina as técnicas, fazendo apenas o básico. Francisco diz que não há mais sineiros profissionais em atividade na cidade, até porque a tradição enfraqueceu.

[e-s001]“Infelizmente, não estamos podendo mais tocar os sinos daqui, pois o campanário apresenta infiltrações. Por essa razão, a estrutura está comprometida. Costumávamos tocar nas primeiras horas da manhã de domingo. É um som muito bonito e até um pouco romântico”, afirma.

Quem passa pela Rua do Egito, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, nem percebe que os sinos estão desativados e foram retirados do campanário. “É uma tradição que realmente está se perdendo. Eu, por exemplo, moro próximo à Igreja de São Pantaleão e gostava de escutar o soar dos sinos no fim da tarde. Esse som me lembra muito os meus tempos de juventude, no sul do Maranhão. Acho que o toque dos sinos é uma tradição que não deveria acabar, pois nos acalma e nos faz pensar na vida e em Deus”, diz a professora aposentada Maria da Graça Rodrigues.

Benedito Conceição Pinto, colaborador na Igreja de Santana, ligada à Paróquia de São João, também lamenta o silêncio dos dois instrumentos musicais centenários pertencentes ao templo. “Tocamos raramente, mas evitamos por causa das condições de acesso à torre, que precisa de reforma. Eu mesmo tocava, em ocasiões especiais, como na Festa de Santana, algo que tem se tornado raro”, admite.

Tradições
Além dessas funções práticas, os sinos das igrejas têm um significativo poder espiritual para os católicos. Quando um novo é instalado em uma igreja, ele é tradicionalmente abençoado pelo bispo ou pelo pároco, conforme a tradição. Antigamente, a cerimônia da bênção do sino espelhava a do batismo e a atual ainda exige o uso da água benta. Os sinos até recebem um nome, homenageando geralmente um santo padroeiro ou a Santíssima Virgem Maria.

Essa tradição, segundo o arcebispo de São Luís, dom José Belisário, ainda é forte em Minas Gerais, sua terra natal. Ele conta que é natural de São João del-Rei, cidade onde o ressoar dos sinos ainda é de suma importância para os cristãos mineiros.

“Lá, os cortejos fúnebres têm de passar em frente às igrejas ao toque dos sinos. Aqui em São Luís, houve uma decadência social e econômica muito forte no século XIX e até as orquestras das igrejas desapareceram. Acho que isso refletiu bastante nessas tradições. A maior parte das igrejas da capital está descaracterizada, por falta de recursos. A de São Pantaleão, por exemplo, não tem nenhuma característica de um templo barroco. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, desde 1930, vem recuperando esses monumentos coloniais. Aqui, nós temos condições de ter igrejas que valem a pena ser visitadas. A de Santo Antônio, por exemplo, foi onde o padre Antônio Vieira fez a pregação do Sermão de Santo Antônio aos Peixes”, lembra o arcebispo.

[e-s001]Restauração
De acordo com o superintendente do Iphan no Maranhão, Maurício Itapary, há projetos prontos e outros em fase de finalização para restaurar algumas igrejas do centro de São Luís, a exemplo das igrejas de São João, Santo Antônio e do Carmo.

“Assim que os projetos estiverem prontos, iremos em busca de recursos para iniciar as obras. Com relação à Igreja do Carmo, estamos conversando com a Vale, que demonstrou interesse na parceria para a reforma, que reforçaria o projeto de requalificação urbana da Praça João Lisboa e Largo do Carmo. Esperamos começar a reforma ainda este ano. Sobre as demais igrejas, providenciaremos as reformas assim que os projetos forem ficando prontos. Buscaremos recursos para a licitação das obras e início da reforma delas”, anuncia Maurício Itapary.

Saiba um pouco mais sobre os sinos

Para que servem os sinos?

A Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa consideram os sinos peças sagradas. Eles representam um chamado para as missas nas igrejas. Os sinos podem ser de todos os tamanhos e alguns podem pesar toneladas.

Qual a origem dos sinos?

A história do sino começa na China, no ano 3000 a.C. Por ser um objeto pagão, só foi reconhecido pela cristandade no decorrer do século II d.C, com a finalidade de anunciar o Evangelho e chamar o povo para as assembleias. Foram monges missionários os responsáveis por sua introdução na Europa Central, já no século VI.

Repiques e toques

Na tradição, distinguem-se repiques e toques. Estes são subdivididos entre dobre simples (quando o sino cai para o lado em que se puxa o badalo), ocasionando uma só pancada em cada movimento, e dobre duplo (quando cai pelo lado contrário onde o badalo é puxado), proporcionando duas badaladas em cada movimento. O repique acontece quando o toque é feito intermitentemente com o badalo, mas o sino parado.

Cronômetros e relógios

No passado, eram reconhecidos como meios de comunicação e cronômetros da cidade. Uma igreja matriz costumava ter acoplado aos sinos um relógio, que marcava as horas, orientando os cidadãos nas lides diárias. Anunciavam os eventos religiosos e litúrgicos. Ao longo dos anos, criou-se um ritual para repiques, dobres e toques. Quando da celebração da Eucaristia, procedia-se a “chamada” 60, 30 e 15 minutos antes da cerimônia. Tocava-se o sino grande com doze badaladas, em homenagem aos apóstolos de Cristo. Em seguida, os toques espaçados indicavam quem seria o celebrante.

Familiaridade

Nas cidades do interior, principalmente, os fiéis tinham familiaridade com essa linguagem. Na missa, dava-se uma badalada em cada sino na hora da consagração e quando o cálice era elevado, fazia-se o repique. Da mesma forma, procedia-se na benção do Santíssimo Sacramento, quando o celebrante apresentava o ostensório. A tradição, no entanto, definiu outros procedimentos.

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