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Brasil vive realidade assustadora: Ciência pra quê?

Impugnar as tentativas de apagar a comunidade científica é preciso

Diogo Azoubel e Leila Kelly / Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
O educador Paulo Freire
O educador Paulo Freire (Paulo Freire )

São Luís - O ato de questionar o mundo é inato ao ser humano. Ainda durante a infância, é comum que as crianças – sobretudo as mais jovens – impressionem suas mães, pais e/ou responsáveis com os mais diversos “porquês”, tal como na clássica campanha daquele antisséptico que tanto ardia nos nossos dias. Mas, sendo uma característica comum a todas e todos, o que muda quando nos tornamos adultos?

Infelizmente, o sistema educacional vigente não privilegia a pluralidade de pensamentos em profundidade. A própria configuração de sistemas avaliativos e classificatórios, como os exames vestibulares, por exemplo, achata as possibilidades de que indivíduos continuem a questionar o meio em que vivem e fetichiza os diplomas universitários. Com efeito, criam-se adultos capazes de aplicar regras e fórmulas, mas pouco fluentes em suas proposições, como no nosso Executivo, em que os exemplos não faltam.

Assim, perguntas até são permitidas, mas desde que dentro de um espectro previamente estabelecido e veiculado como adequado – o mesmo que arbitrariamente distingue pelas redes de fake news fascistas e ativistas sem quaisquer critérios lógicos. Na outra ponta, a naturalização produtivista imposta à comunidade científica tupiniquim esmaga suas e seus agentes, obrigando-nos a fatiar achados para “caberem” no contorno estabelecido como acertado. É essa lógica que nos reduz a números e pela qual se desconsidera a profundidade reflexiva de cada investigação e seus possíveis benefícios ao coletivo social.

Nesse sentido, não surpreendem as sistemáticas investidas contra a ciência nacional, especialmente às Humanas e Sociais, pouco estimadas pelos poderosos. E é por isso que no País até formam-se mestras(es) e doutoras(es) (ou formavam-se)... para o desemprego. É o que revelam os dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

O Brasil vive realidade assustadora, especialmente para quem possui doutorado e mestrado. De 25% a 35% das e dos cientistas formados não encontram postos de trabalho em suas áreas. Em decorrência disso, vivem dos chamados “bicos” ou, pior, sem opções, deixam a nação em busca de vagas no exterior. Fazer ciência não é prioridade aqui, uma vez que os investimentos nessa área só diminuem, chegando mesmo a comprometer o desenvolvimento de estudos já iniciados.

Engana-se quem pensa que a comunidade científica está a salvo nas Instituições de Ensino Superior (IES). Em algumas delas, notadamente particulares, pesquisadoras(es) mais experientes têm sido demitidas(os) para que outras(os) mais jovens e menos experientes sejam contratadas(os) recebendo menos. Em casos diferentes, sem recursos para a inquirições, departamentos são fechados, vagas extinguidas, investigações canceladas sem qualquer aviso prévio.

Fazer ciência não é fetiche. É, ao contrário, o caminho acertado para desenvolvimento social e superação de crises, como na Finlândia e China. E, ainda que haja quem alardeie que o crescimento no número de títulos doutorais nos 15 anos mais recentes seja prejudicial ao desenvolvimento da nação, não consigo enxergar como a formação de mão de obra especializada pode ser evocada para validar a estupidez com que somos tratados no governo atual. O que nos diria o patrono da Educação brasileira, nosso saudoso Paulo Freire sobre o assunto?

Ainda que não se possa adivinhar sua leitura do momento atual, certo é que o avanço do pensamento científico jamais vai se dar via desmonte de instituições ou cortes deliberados nos fundos de investimento. Longe disso. É preciso transformar este deserto em terreno fértil para alargamento de estudos inovadores que reverberem direta e positivamente no desenvolvimento coletivo – e não apenas aqueles contra a Covid-19, ok?! Isso só se faz plantando ideias, que precisam ser regadas com... perguntas para que floresçam em achados inovadores, marcas, patentes. Afinal, não se pode esperar colheita das lavouras abandonadas.

Mas como fazer isso? Questionando as atuais ofensivas à Educação, do ensino Básico ao Superior; pondo à prova a equivocada fantasia de que nossas crianças e jovens se encaixam melhor no trabalho do que na escola; tensionando como combater a falta de inteligência de um grupo limitado de (des)governantes que está arrastando a todas e todos nós para o fundo do poço. Mas antes, nunca é demais perguntar, ciência pra quê?

*Diogo Azoubel (assina o texto) - É professor pesquisador da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc-MA). É mestre em Comunicação e Cultura, doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COS | PUC-SP) e autor de “Narrativas Fotojornalísticas I: matizes, objetos, sujeitos” (Letramento, 2019). diogoazoubel@gmail.com / @diogoazoubel

**Leila Kelly (assina a ilustração) - É artista visual e produtora cultural. É mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, possui graduações em Artes Plásticas e em Comunicação Social, com ênfase em Publicidade e Propaganda. leilakelly.go@gmail.com / @leilakelly.art l

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