DPE/MA

700 capacitados para identificar casos de abuso sexual de crianças

Envolvidos trabalham, em sua maioria, na rede de educação e atuam como multiplicadores sociais

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
Uma das participantes da capacitação em atividade da campanha
Uma das participantes da capacitação em atividade da campanha (DPE )

A cada hora, no país, quatro meninas de até 13 anos são estupradas e 75,9% das vítimas possuem algum tipo de vínculo com o agressor, segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. No Maranhão, os números confirmam a triste realidade. A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) registrou 250 casos de estupros de vulneráveis, em São Luís, em 2019, e este ano foram contabilizadas outras 56 ocorrências. Para mudar esse cenário de violação de direitos, desde fevereiro de 2019, a Defensoria Pública do Estado (DPE/MA) desenvolve campanha de conscientização, com foco na capacitação de multiplicadores sociais, especialmente trabalhadores da educação, para identificar casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em mais de um ano de atividades, cerca de 700 pessoas foram alcançadas pela iniciativa.

Recentemente, o caso da menina capixaba de 10 anos chocou o Brasil. Ela foi abusada, supostamente pelo tio, engravidou e foi submetida a aborto. E todas essas atrocidades reascenderam o debate sobre o tema. Mas a brutal violação de direitos não se restringe apenas ao Espírito Santo. Ainda de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no Maranhão, em 2018, ocorreram quase 1.200 crimes de estupros e a maioria das vítimas é de meninas de até 13 anos.

Para o defensor público Davi Rafael Veras, um dos titulares do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (NDCA) e coordenador da campanha de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes da DPE, episódios como esse evidencia o perfil da violência sexual no Brasil.

“Estamos diante de um caso clássico de abuso, onde o agressor é uma pessoa próxima à família, e cuja violência aconteceu de forma reiterada, desde os 6 anos, ou seja, na primeira infância, fase crucial na formação de qualquer indivíduo. Para piorar, essa criança foi revitimizada, exposta em redes sociais, o que pode inibir a denúncia”, lamentou o defensor, esclarecendo que a menina e a família buscaram um direito ao solicitar o aborto legal. “Decisão acertada e amparada em lei, principalmente, pela incapacidade fisiológica de uma criança de 10 anos conceber outra, colocando em risco a sua própria vida”.

Davi Veras alertou, ainda, para a necessidade de fortalecimento da rede de defesa e proteção, frente ao contexto da pandemia, onde muitas crianças e adolescentes, sem escolas e creches funcionando, ficam isoladas, outro complicador no pedido de ajuda por parte das vítimas.

“A quarentena, certamente, nos impôs e continua nos impondo um desafio muito maior, uma vez que temos muito mais crianças expostas a este tipo de violação, é o que alguns estudos nacionais já sugerem”, destacou o defensor público, lembrando que a campanha da Defensoria de enfrentamento à violência sexual também precisou ser reformulada, nesse período onde todos precisaram manter o distanciamento social e hoje segue com flexibilizações.

Campanha

Entre as 700 pessoas alcançadas pelas capacitações desenvolvidas pela DPE, por meio do NDCA, e com o apoio da Assessoria de Projetos Especiais da instituição, estão também conselheiros tutelares, técnicos da assistência social, agentes comunitários de saúde, familiares e responsáveis da Grande ilha. Integram também as atividades da campanha palestras direcionadas aos pais com enfoque na prevenção, a criação de mecanismos de denúncia anônima ou através de meios de notificação à rede de proteção que preservem a integridade dos profissionais, dentre outros.
No balanço de ações da campanha, muitas comunidades de São Luís beneficiadas, dentre elas João de Deus, Anil, Liberdade, Itaqui-Bacanga, com destaque para a UEB Henrique de La Roque Almeida, o Colégio Mario Andreazza, a Escola Comunitária João de Deus, o Centro Educacional Chapeuzinho Vermelho, o Centro Integrado do Rio Anil, além da Escola Municipal de Governo.

Rodvania Macedo, diretora da UEB Henrique de La Roque Almeida, situada no bairro Vila Embratel, na área Itaqui-Bacanga, foi uma das participantes da capacitação realizada, no início deste ano. Para ela, a formação ofertada pela Defensoria facilitou o desempenho desse importante papel dos educadores na identificação e notificação dos casos de violência praticados contra crianças e adolescentes. “Saber quais os procedimentos devemos tomar nestes casos tem feito toda a diferença. Nós, educadores, podemos contribuir muito na luta contra a violência, identificando situações, encaminhando, ouvindo e acolhendo a família”, disse a gestora escolar.

Segundo o defensor-geral Alberto Bastos, a campanha está alinhada com as diretrizes da Administração Superior, priorizando a aproximação com a comunidade em tutelas que podem beneficiar um número maior de pessoas. “O combate à violência sexual contra a criança e o adolescente é uma prioridade nossa, mesmo antes do caso da menina de 10 anos do Espírito Santo ganhar repercussão nacional. Na verdade, este triste episódio só nos mostra que estamos no caminho certo e que, juntos da comunidade e da rede de enfrentamento, poderemos vencer essa batalha”, assinalou.

Parcerias

Para ampliar o alcance das ações, a Defensoria vem articulando a celebração de parcerias com diferentes instituições, como a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) e o UEMANet - Núcleo de Tecnologias para Educação da Universidade Estadual do Maranhão (Uema).

No caso da Universidade, já se avizinha o lançamento do curso aberto “Violência contra Crianças e Adolescentes: Enfrentamento em Rede”, com a conclusão da composição do e-book (livro digital), que norteará as vídeo-aulas on-lines e gratuitas oferecidas à comunidade.

Mudança de comportamento da criança pode indicar abuso

Para a psicóloga da DPE/MA, Márcia Serra, os traumas vividos por uma vítima de violência sexual, independente da faixa etária, causam muito sofrimento e podem demandar acompanhamento terapêutico constante. O comprometimento pós-traumático é tão sério que a literatura científica mostra que 18% dos episódios de suicídios tem entre as causas a violência sexual. Isso pode estar relacionado ao sentimento de culpa carregado pelas vítimas, que potencializa a dor, e ainda se torna gatilho para que crianças e adolescentes desenvolvam síndromes, com a do silêncio.

Ainda segundo a psicóloga da DPE/MA, Márcia Serra, além da assistência prestada às vítimas, sua área de atuação também se preocupa em disseminar orientações que possam ajudar a sociedade, em especial pais e responsáveis, a identificar os sinais deste tipo ocorrência. Para tanto, ela disse que é necessário ficar atento a certos tipos de comportamento típicos de quem pode estar sofrendo abuso sexual.

Márcia afirmou que as crianças são muito transparentes e algumas atitudes, incomuns no seu comportamento até então, podem indicar que algo não está bem. “Neste contexto, alguns sintomas mais recorrentes é a introspecção, onde a criança começa a querer se isolar, se esconder. Muitas vezes, elas passam a apresentar episódios recorrentes de choro e ainda passam a ter um sono muito agitado, queixando-se de pesadelos”, alertou.

Marcia acrescentou ainda que é importante observar as pessoas que as crianças não querem mais estar perto, evitando o convívio. “Outro aspecto que pode ser prejudicado é o rendimento escolar. Portanto, vale muito a pena os pais avaliarem uma possível relação entre a queda no desempenho dos alunos com possíveis abusos”, esclareceu, destacando que estreitar os laços de proximidade e confiança com o filho pode ser a chave para fazer a criança conversar sobre o assunto e até mesmo afastar uma possível investida por parte do agressor.

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