Artigo

Planos para a eternidade

Joaquim Haickel, Membro das Academias Maranhense e Imperatrizense de Letras e do IHGM

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

Toda essa loucura que tem sido a pandemia de Covid-19 e os falecimentos de alguns de meus queridos amigos, me fez pensar sobre como eu desejo ser velado e como eu gostaria que minha matéria transplantasse o portal do tempo.

Lembrei que meu pai, em algum momento, havia dito que gostaria de ser cremado, porém na comoção de sua morte nem nos lembramos disso. Sinto que falhei com ele nesse aspecto.

Lembrei também da dedicatória que li ainda garoto, na primeira página daquele que considero ser o melhor livro escrito por um brasileiro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde o mestre criador, Machado de Assis, fala por sua criatura: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.

Todas essas lembranças me fizeram desejar não ser enterrado e que nenhum verme roesse as minhas frias carnes.

Minha vaidade nunca se consubstanciou no fato de usar roupas e sapatos de marcas finas, ostentar relógios caros ou ter carros possantes e importados. Minha vaidade está ligada ao reconhecimento, ao respeito, a confiança e ao bom crédito que sempre quis ter junto aos meus amigos e as demais pessoas.

Dito isso, afirmo que desejo ser velado em algum lugar que para mim tenha sido importante: O prédio do Museu da Memória Audiovisual do Maranhão, que representa aquela que acredito ser a minha mais importante contribuição para o meu estado e sua gente; o prédio da Academia Maranhense de Letras, instituição de que muito me orgulho em ser membro; ou o plenário da Assembleia Legislativa do Maranhão, onde busquei defender os melhores interesses de meus eleitores e do povo de minha terra, e onde vi serem aprovadas por unanimidade as duas leis mais importantes de minha autoria: A lei de incentivo à cultura e a lei de incentivo ao esporte.

No entanto, é indispensável que por lá passem meus colegas de infância, lá do Outeiro da Cruz, meus amigos do Colégio Batista e do Dom Bosco, além dos companheiros do curso de Direito da UFMA. Iria querer ver, lá de onde eu estivesse, Paulinho, Celso, Kenard, Érico, Cordeiro, e todos os parceiros do tempo do Guarnicê.

Não poderiam faltar meus parceiros de festiva adolescência do Jaguarema, do Lítero e das praias de minha amada São Luís. Não poderiam faltar as poucas namoradas que tive e as muitas mulheres que amei, seja no sentido literário, seja no sentido bíblico (minha amada Jacira, tenho certeza, não sentirá nenhum tipo de ciúme, pois sabe que meu coração, naquele momento já inerte, pulsou apenas por ela, desde que a conheci).

Não poderiam faltar meus amigos do esporte, do basquete, do tênis, e de todas as outras modalidades que tentei praticar, sem tanto sucesso. Nem meus confrades da AML, do IHGM e meus colegas deputados. Correligionários e adversários, sem distinção, gostaria que passassem por lá. Gostaria que lá estivessem os poucos e bons sócios que tive e os muitos e queridos amigos que cultivei.

Só não gostaria que estivesse em meu velório a minha mãe, pois uma dor como essa seria demais para ela.

Não gostaria de ver ninguém triste ou chorando.

Desde já, saibam que quando eu não mais estiver por aqui, a lembrança de mim deve ser apenas pelo fato de ter vivido intensamente, de ter feito sempre o que desejei fazer, de ter tentado ser sempre uma pessoa honrada e nobre, como um galante personagem de Alexandre Dumas, a quem invejava como contador de histórias e queria como pai ficcional.

Não quero tristeza nem pranto em meu velório, só as lembranças das coisas que tentei ser e fazer, e que se não consegui, foi por incapacidade própria, mas que todos saibam que eu tentei sempre fazer o meu melhor.

Faltava resolver o que fazer com as minhas frias carnes! Decidi então que desejo ser cremado e que minhas cinzas sejam jogadas aos pés de uma árvore frutífera, plantada em uma praça que pretendo doar à minha cidade, para que pessoas, como eu, que não desejem ser enterradas, possam contemplar a eternidade e adubar o futuro.

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