Artigo

Dois grandes homens

Lino Raposo Moreira, PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

Anda não havíamos nem mesmo começado a nos acostumar com a ideia da morte de Waldemiro Viana, na semana passada, quando, mais uma vez, fomos arremessados no vazio pela impertinente notícia, intrometida entre nós e nossa admiração por Mílson Coutinho, que também acabara de morrer, menos de 12 horas depois de Waldemiro. Esse entusiasmo continuará na vida acadêmica da AML pelos séculos vindouros.

Os dois tinham temperamento parecidos em alguns aspectos. Eram ambos cordiais, gentis, conciliadores, generosos e tinham o prazer da conversa, da troca de ideias e daquele bate-papo durante o qual se fala de tudo e de nada, de grandes temas e de miudezas do dia a dia, que se constitui em um dos grandes deleites da vida. Largo pedaço da verdadeira felicidade é exatamente isso, falar sem compromisso, sem preocupação com a teoria ou grandes quadros interpretativos, supostamente sofisticadas; é conversar sobre coisas sem importância na aparência, mas parte essencial da boa vida, dando-lhe significado especial. Em grande medida, o drama, ou a tragédia, da vida moderna é a ausência desse contato humano genuíno, espontâneo e tão necessário a todos nós até a hora da volta ao pó.

Mílson tinha um faro difícil de se achar por aí, de descobridor de documentos raros em antigos arquivos. Foi dele a descoberta do nome correto de Gomes Freire de Andrade. Não era Andrade, mas Andrada, conforme ele mostra com documento da época assinado pelo próprio Gomes Freire. O grande historiador francês Jacques Le Goff dizia que o contato com o documento e a capacidade de avaliar sua importância diferencia o “verdadeiro” historiador, do historiador de segunda mão; este, apesar de suas qualidades, é apenas um historiador amador. Pois Mílson sempre foi isso, um historiador verdadeiro, um homem verdadeiro, e, ainda mais, praticante dos princípios morais de honestidade e lealdade de um cidadão correto.

Waldemiro Viana era a encarnação do bom humor e da amizade. Não lembro de tê-lo encontrado de mau humor uma vez sequer. De coração conciliador e de boa índole, mais de uma vez atuou, com sua voz do bom senso, para eliminar eventuais divergências na discussão de alguns assuntos acadêmicos na AML. Instituições humanas têm conflitos humanos. Lembro aqui de José Chagas a dizer, quando alguém se admirava de desacordos entre “imortais”: “Qual a razão da admiração? Somos gente e gente se desentende. É natural”. Waldemir era, assim, o pacificador, o doce ponto de equilíbrio.

Na literatura, ele transmite a sua obra o toque de humor próprio dele. Tive a oportunidade de editar sua obra O pulha fictício, em que essa característica se confirma. Numa terra de poetas, ter tido um prosador da qualidade de Waldemiro foi um privilégio que a Academia Maranhense de Letras continuará a ter em sua história.

Nesses anos todos de pertencimento à AML, nunca vi uma consternação tão grande entre os acadêmicos e lamentos tão enfáticos pelo muito que eles poderiam ainda dar à nossa Casa, como os provocados pela morte de Mílson e Waldemiro. Ambos deram contribuição inestimável a ela e à sua história, não apenas por suas obras, mas igualmente pelo companheirismo com os membros da Casa, pela atitude afetuosa e leal com todos. Seus substitutos carregarão a responsabilidade de estar na Cadeira de quem dedicou boa parte de suas energias e talento à Casa de Antônio Lobo.

Mílson e Waldemiro descansarão em paz até o fim dos tempos.

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